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O Invasor

O Invasor - filme

Beto Brant
, um dos grandes nomes do cinema brasileiro contemporâneo, consolidou sua carreira ao abordar temas densos e provocativos. Em O Invasor (2001), seu terceiro longa-metragem, ele explora as fronteiras tênues entre moralidade e criminalidade, revelando uma São Paulo que, até então, poucos filmes nacionais haviam conseguido retratar com tanta precisão e crueza.

Com uma narrativa que segue os passos de Ivan (Marco Ricca) e Gilberto (Alexandre Borges), dois sócios de uma construtora que decidem assassinar o terceiro sócio, Estevão (George Freire), para assumir o controle total da empresa, o filme mergulha no submundo da cidade. A trama se complica quando Anísio (Paulo Miklos), o matador de aluguel contratado para o serviço, decide se infiltrar na vida dos protagonistas, chantageando-os e se envolvendo com Marina (Mariana Ximenes), a filha do homem que ele próprio matou.

O Invasor - filme
O Invasor
é, em sua essência, um estudo sobre a decadência moral. Brant, inspirado pelos mestres do cinema noir e pelas tramas policiais de Rubem Fonseca, não oferece ao espectador um caminho fácil. Em vez disso, ele nos joga em uma São Paulo fria e brutal, onde a corrupção permeia tanto as elites quanto os subúrbios. A escolha de filmar em 16mm, posteriormente adaptado para 35mm, confere ao filme uma textura quase documental, que acentua o realismo das cenas e transforma a cidade em um personagem à parte. São Paulo, aqui, é mais que um cenário, é um grande tabuleiro, onde vidas são apostadas e perdidas com a mesma indiferença de um jogo.

A direção de Brant é precisa e, ao mesmo tempo, arriscada. Ele utiliza a câmera de forma a torná-la um participante ativo na narrativa. Em momentos cruciais, como na cena em que Ivan e Gilberto contratam Anísio, a câmera se coloca em primeira pessoa, assumindo o ponto de vista do assassino. Esse recurso não apenas aumenta a tensão, mas também nos força a confrontar a frieza com que esses personagens lidam com a vida e a morte. A escolha de Brant por essa câmera livre, que muitas vezes se move de forma quase descontrolada, é um acerto que reforça a sensação de caos moral que permeia todo o filme.

Não se pode também falar de O Invasor sem mencionar as atuações. Paulo Miklos, conhecido por sua carreira na música como integrante da banda Titãs, faz aqui sua estreia no cinema e surpreende. Seu Anísio é um personagem complexo, que, ao mesmo tempo em que exala brutalidade, carrega uma ambição crua e uma astúcia que o torna fascinante. Miklos, mesmo com algumas falhas naturais de um ator iniciante, consegue roubar a cena em vários momentos, especialmente em uma sequência que remete ao clássico Taxi Driver, onde ele se encara no espelho, questionando sua própria imagem.

O Invasor - filme
Mariana Ximenes
, por sua vez, rompe com a imagem de mocinha que a televisão lhe conferiu. Sua Marina é rebelde, perdida em um mundo que não lhe oferece nenhuma segurança. A coragem da atriz em aceitar um papel tão desafiador, que a coloca em cenas intensas, como o uso de drogas e relações homossexuais, merece reconhecimento. Ela traz uma vulnerabilidade palpável ao filme, que contrasta de maneira eficaz com a brutalidade de Anísio e a frieza dos outros personagens.

Marco Ricca, como Ivan, talvez seja o que mais se destaca em termos de desenvolvimento de personagem. Seu arco, de um empresário ambicioso a um homem atormentado pela culpa, é construído com sutileza. As cenas em que Ricca, desorientado, vaga pela periferia de São Paulo após um acidente de carro, são algumas das mais poderosas do filme. Há uma desolação em seus olhos que comunica mais do que qualquer diálogo poderia expressar. Alexandre Borges, como Gilberto, mantém uma presença sólida, embora seu personagem, em comparação, seja menos complexo.

Um dos méritos de O Invasor é a maneira como Brant consegue amarrar todos os elementos de sua produção de forma coesa. O roteiro, co-assinado por ele, Marçal Aquino e Renato Ciasca, é enxuto e direto ao ponto. Não há espaço para desvios ou subtramas desnecessárias, cada cena contribui para o desenrolar da narrativa principal. Essa economia narrativa, porém, não impede que o filme explore temas profundos, como a falência moral das elites e a desesperança que permeia as camadas mais pobres da sociedade.

A trilha sonora, que conta com a participação do rapper Sabotage, é outro ponto alto do filme. A música, assim como a fotografia, não está ali apenas para complementar as imagens, mas para reforçar o estado de espírito dos personagens e a atmosfera da cidade. As batidas pesadas do rap dialogam diretamente com a violência e a tensão que se acumulam ao longo do filme, enquanto as letras de Sabotage funcionam quase como comentários sociais, refletindo a dura realidade das periferias paulistanas.

Mas nem tudo em O Invasor é perfeito. Um dos principais problemas do filme está em seu desfecho. O roteiro, que até então se desenvolve de maneira sólida, parece se perder nos momentos finais, interrompendo-se justamente quando a trama atingia seu ápice. A sensação é de que faltou uma conclusão mais contundente, que explorasse melhor as consequências das ações de Anísio e as decisões de Ivan e Gilberto. Essa lacuna, embora não comprometa a qualidade geral do filme, deixa um gosto amargo, como se uma promessa feita no início não tivesse sido plenamente cumprida.

O Invasor é um dos melhores exemplos do cinema de gênero no Brasil, um filme que não apenas se destaca por sua narrativa envolvente, mas também por sua capacidade de provocar reflexões sobre a sociedade brasileira. Beto Brant demonstra, mais uma vez, sua habilidade em criar histórias que, embora profundamente enraizadas na realidade nacional, têm um apelo universal. Com atuações memoráveis, uma direção ousada e uma São Paulo que se torna um personagem à parte, O Invasor é um filme que merece ser prestigiado, tanto por sua qualidade cinematográfica quanto por seu retrato implacável de uma sociedade em colapso moral.


O Invasor (2001 / Brasil)
Direção: Beto Brant
Roteiro: Marçal Aquino, Beto Brant, Renato Ciasca
Com: Alexandre Borges, George Freire, Malu Mader, Paulo Miklos, Marco Ricca, Mariana Ximenes
Duração: 96 min.

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