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Um Beijo Roubado
Um Beijo Roubado
Um Beijo Roubado (2007) é um filme que carrega consigo o peso e a expectativa que sempre acompanham um cineasta de renome internacional como Wong Kar Wai. Seu trabalho anterior, em particular Amor à Flor da Pele (2000), solidificou sua reputação como um mestre do romance e da melancolia, capaz de captar os sentimentos mais íntimos em uma moldura visualmente deslumbrante. Ao transpor seu estilo para o cenário americano, Kar Wai nos oferece uma nova perspectiva, mas não sem suscitar debates e críticas em torno de sua visão do "american way of life" e sua recorrência estilística.
O filme se inicia com Elizabeth (Norah Jones), que, após uma desilusão amorosa, decide deixar Nova York. Sua jornada é uma espécie de fuga e busca simultâneas, uma tentativa de se desconectar do passado enquanto percorre paisagens desconhecidas. No bar de Jeremy (Jude Law), ela encontra um ponto de partida, um lugar onde despeja suas dores enquanto degusta tortas de blueberry, uma metáfora visual que, nas mãos de Kar Wai, ganha uma aura quase mística. Esse é um filme sobre viagens, não apenas no sentido literal, mas nas viagens internas que os personagens fazem em busca de superação e autoconhecimento.
Kar Wai, conhecido por sua habilidade em transformar ambientes claustrofóbicos em cenários de intenso drama, desta vez se lança na vastidão dos Estados Unidos. Há uma oxigenação, uma abertura que pode parecer uma mudança radical em relação ao seu habitat usual, mas que, na verdade, serve para explorar novas nuances de seus temas recorrentes. Se em seus trabalhos anteriores, como 2046 e Amores Expressos, os personagens estavam frequentemente confinados em espaços apertados e saturados de cores, aqui eles ganham uma liberdade geográfica, embora não necessariamente emocional.
Norah Jones, em seu primeiro trabalho como atriz, oferece uma performance surpreendentemente equilibrada. Sua Elizabeth é uma mulher em movimento, mas também em constante estagnação interna. Ela é observadora, absorvendo as histórias dos outros enquanto tenta desvendar a sua própria. A inexperiência de Jones em atuação poderia ter sido um ponto fraco, mas sob a direção cuidadosa de Kar Wai, sua naturalidade e vulnerabilidade brilham. Ela contracena com pesos pesados como Jude Law, que traz um charme casual ao personagem de Jeremy, um inglês perdido em Nova York, dono de um bar e igualmente preso ao seu passado. A química entre eles é sutil, um jogo de olhares e silêncios que é a marca registrada do diretor.
O elenco de apoio é igualmente impressionante, com David Strathairn e Rachel Weisz interpretando um casal em crise, Arnie e Sue Lynne. Eles representam uma das projeções de Elizabeth, um espelho de um possível futuro se ela se deixar consumir pela dor da perda. Strathairn, em particular, entrega uma atuação intensa, seu personagem sendo uma personificação do desespero e da autodestruição que podem seguir uma separação. Já Rachel Weisz, com sua presença magnética, encarna a femme fatale americana, uma mulher que tenta escapar de um relacionamento sufocante, mas também não consegue se libertar completamente de seu próprio passado.
Natalie Portman aparece na segunda metade do filme como Leslie, uma jogadora de pôquer cheia de truques e traumas. Sua personagem é uma figura complexa, uma mulher que se nega a confiar em outros, uma antítese da vulnerabilidade de Elizabeth. Portman traz uma energia diferente para o filme, uma presença quase perturbadora que desafia e provoca a protagonista a reavaliar suas próprias escolhas. É através da interação com Leslie que Elizabeth encontra uma terceira via, um caminho que não é nem a dependência emocional, nem o isolamento total, mas uma possibilidade de reconstrução.
Há momentos marcantes, como a cena em que Elizabeth e Jeremy finalmente se beijam, um momento que captura toda a tensão e desejo contidos que permeiam a narrativa. No entanto, mesmo esse clímax emocional é tratado com a delicadeza típica de Kar Wai, evitando o melodrama e optando por uma abordagem mais sutil e sugestiva. É um beijo que não é apenas físico, mas simbólico, uma promessa de renovação e esperança que a protagonista precisava para seguir em frente.
A direção de Kar Wai é inconfundível. Ele emprega suas técnicas habituais – câmera lenta, saturação de cores, ângulos inusitados – para criar um mundo que é ao mesmo tempo real e onírico. Há uma sensualidade contida em cada quadro, uma sensação de que cada imagem foi cuidadosamente composta para transmitir mais do que apenas o que está à superfície. No entanto, esse estilo característico é também um dos pontos críticos do filme. Aqui, sinto que Kar Wai caiu na armadilha de repetir alguns maneirismos visuais sem a mesma profundidade emocional que permeia seus trabalhos anteriores. Os movimentos de câmera e a saturação das cores, que em Amor à Flor da Pele eram carregados de significado e sentimento, aqui podem parecer estilizações vazias, uma espécie de fórmula que perdeu parte de seu impacto original.
Sim, Um Beijo Roubado também tem suas falhas. O roteiro, coescrito por Kar Wai e Lawrence Block, carece da coesão e densidade que tornaram os filmes anteriores do diretor tão envolventes. A narrativa episódica dilui a força da história, com alguns personagens secundários sendo pouco desenvolvidos e servindo mais como dispositivos temáticos do que como figuras plenamente realizadas. A narração em off que encerra o filme tenta amarrar os fios soltos, mas acaba soando um pouco forçada, como uma necessidade de explicar o que deveria ter sido transmitido de forma mais orgânica através da trama.
Em resumo, Um Beijo Roubado é um filme que se move entre extremos. Ele é ao mesmo tempo uma reafirmação do estilo inconfundível de Wong Kar Wai e uma tentativa de explorar novas fronteiras, tanto geográficas quanto emocionais. Pode não alcançar o mesmo nível de complexidade e impacto de seus filmes anteriores, mas ainda oferece momentos de beleza e introspecção que só um cineasta com a sensibilidade de Kar Wai poderia criar. É uma obra que convida o espectador a se perder em sua melancolia, a saborear cada quadro como um pedaço daquela torta de blueberry que, mesmo sendo deixada de lado pela maioria, encontra em alguns o prazer de ser descoberta e apreciada.
Um Beijo Roubado (My Blueberry Nights, 2007 / EUA )
Direção: Wong Kar-Wai
Roteiro: Wong Kar-Wai, Lawrence Block
Com: Norah Jones, Jude Law, David Strathairn, Natalie Portman, Rachel Weisz
Duração: 95 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Um Beijo Roubado
2025-01-06T08:30:00-03:00
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