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Festival de Brasília: Parte dois - Diversidade estética e geracional

57º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

Continuando a retrospectiva da Competitiva de longas do 57º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Confira também a primeira parte.

4º Dia - Enquanto o Céu Não Me Espera

Enquanto o Céu Não Me Espera - filme
Essa produção do norte do país traz uma situação bastante particular e local, mas que acaba dialogando com todos a partir de sentimentos opostos. O de quem quer ir embora e o que quer ficar em sua terra, apesar das adversidades.

Vicente, vivido por Irandhir Santos, e Rita, interpretada por Priscilla Vilela, são um casal que vive no beiradão do rio negro na Amazônia. A cheia do rio assusta e complica a vida dos habitantes locais, em especial dos agricultores, prejudicando a safra e deixando poucas opções de sobrevivência.

Primeiro longa-metragem de Christiane Garcia, a obra traz uma estrutura clássica de direção que funciona perfeitamente para construção da narrativa. Há um ritmo crescente de angústia, que é ampliado com imagens da casa submergindo aos poucos. Planos próximos que ajudam no sentimento de claustrofobia e uma interpretação realista que nos coloca ali, dentro daquela casa, com aquela família.

Ainda que seja possível compreender o ponto de vista do patriarca, insistindo em sua estadia e resistência, há um incômodo julgamento da personagem da esposa, que quer ir embora. “Pode estar molhado, mas é o único teto que tenho”, diz Vicente em determinado momento, como se o ficar fosse a única opção digna. A própria maneira que o arco de Rita vai sendo desenvolvido, dá a sensação de que o filme também escolheu um lado.

De qualquer maneira, o filme consegue nos envolver e nos aproximar de uma realidade pouco conhecida do resto do país. Acostumados à uma Amazônia verde e vibrante, ver essas paisagens molhadas não deixa de ser um convite a nossos olhares e experiências.

Enquanto o Céu Não Me Espera
Direção: Christiane Garcia
Roteiro: Christiane Garcia
Amazonas, Ficção, 80 minutos, 2024

5º Dia - Salomé

Salomé - filme
Grande vencedor do Festival de Brasília de 2025, o filme pernambucano traz o oposto da estética clássica do quarto dia. Experimental, pulsante e buscando dialogar com linguagens e estéticas diversas, o filme de André Antônio vibra na tela, em busca de novos diálogos para o cinema brasileiro.

Integrante do coletivo Surto & Deslumbramento, André Antônio busca em sua obra desconstruir estereótipos e trabalhar com símbolos que nos envolvam em uma construção pulsante, prazerosa e crítica ao mesmo tempo.

Na trama, Cecília, uma jovem modelo, retorna à casa de sua mãe para as festas de fim de ano, quando reencontra João, seu antigo vizinho e se envolve com ele. O rapaz apresenta uma substância verde que é melhor que qualquer droga, mas ela não sabe que o líquido faz parte de uma estranha seita que venera a imagem da personagem bíblia Salomé, que pediu a cabeça de João Batista em uma bandeja de prata.

Mais do que a narrativa, a obra nos envolve pelo seu ritmo e maneira criativa como vai incluindo os elementos estéticos, como a própria substância verde e o transe que provoca. O universo de Cecília também é construído de uma maneira extremamente lúdica, trazendo seu talento como modelo para cada gesto, figurino e acessórios.

A montagem é ágil, colaborando para o ritmo da obra, tendo apenas um excesso na hora de explicar a história de Salomé, quando fica extremamente didático. Talvez, nem fosse necessário tantas explicações, já que a obra não se preocupa em explicar muita coisa que fica subentendida ou trabalhava no nível da metáfora.

Ainda assim, o filme pulsa na tela, trazendo frescor e curiosidade pelo futuro do coletivo, assim como suas futuras obras.

 

Salomé
Direção: André Antônio
Roteiro: André Antônio
Pernambuco, Drama Queer, 117 minutos, 2024

6º Dia - A Fúria

A Fúria - filme

Após o frescor do novo, a competitiva de longas fechou na última noite com um retorno ao passado, ainda que em uma busca constante pelo diálogo com o atual e o futuro. Ovacionado em pé, o cineasta Ruy Guerra chama a atenção pela força de vontade criativa aos noventa e três anos, mas algo ainda parece preso ao seu cinema mais antigo.

A Fúria é apresentada como o fim de uma trilogia que começou com Os Fuzis (1964) e A Queda (1977), retomando a saga de Mário, antes vivido por Nelson Xavier e agora reencarnado como Ricardo Blat. O personagem literalmente retorna à vida com o apoio do indígena Palavra e terá três mulheres aliadas em seu plano de vingança contra aqueles que o traíram: o político Feijó (Daniel Filho) e o empresário Salatiel (Lima Duarte).

A deputada da oposição em ascensão, Petra (Grace Passô), a líder de uma facção paramilitar, Monalisa (Lux Nègre), e, Laura (Simone Spoladore), neta de Salatiel, não apenas são aquelas que irão ajudar Mário, como são o diálogo com o novo. Uma busca de atualização de pensamentos, representatividade e diálogo com o tempo atual.

Mas, o fato, é que A Fúria fica no meio do caminho entre o novo e o antigo. Ao trazer de volta o espírito do cinema político da época do Cinema Novo, acaba trazendo também com ele, vícios da linguagem da época que acabam soando como ultrapassadas. Ainda assim, há de se louvar a busca por inovação na linguagem, que contrasta com os fragmentos dos filmes anteriores, mas acaba construindo um diálogo narrativo instigante entre passado, presente e futuro.

Em paralelo a saga de Mario e a briga entre direita e esquerda pelas terras brasileiras, acompanhamos alegorias de um presidente autoritário e motoqueiro, com direito a uma suástica no meio e um final que leva o cinema à loucura. Uma alegoria óbvia, mas que pelo que foi visto, funciona como catarse de tudo aquilo que a história de Mário representa.

 

A Fúria
Direção: Ruy Guerra e Luciana Mazzotti
Roteiro: Leandro Saraiva, Pedro Freire, Luciana Mazzotti e Ruy Guerra
São Paulo, Ficção/Thriller Político, 101 minutos, 2024

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