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Quatro Casamentos e um Funeral
Quatro Casamentos e um Funeral
Quatro Casamentos e um Funeral não é apenas um filme que marcou época; ele pavimentou o caminho para as comédias românticas britânicas que, com humor ácido e sutileza, conquistaram o mundo. Lançado em 1994 e dirigido por Mike Newell, o longa trouxe para as telonas uma narrativa simples, mas envolvente, que soube unir charme e ironia, fazendo o espectador rir e se emocionar ao mesmo tempo. Com um orçamento reduzido e estrelado por Hugh Grant e Andie MacDowell, o filme surpreendeu ao se tornar um fenômeno, muito graças ao boca-a-boca que impulsionou sua popularidade e fez dele um clássico quase instantâneo.
No centro da trama, temos Charles (Hugh Grant), um britânico solteirão e um tanto alérgico a compromissos que, em cinco eventos – os tais quatro casamentos e um funeral que compõem o título – se vê em encontros e desencontros com a sofisticada americana Carrie (Andie MacDowell). As cerimônias servem como pano de fundo para a dinâmica de um grupo de amigos cujas vidas amorosas se entrelaçam em um mix de acasos e frustrações. O roteiro de Richard Curtis, que mais tarde escreveria outros sucessos como Um Lugar Chamado Notting Hill e Simplesmente Amor, é certeiro em capturar com maestria o humor britânico, carregado de ironia e observações mordazes, oferecendo ao público uma experiência de comédia romântica que foge do padrão Hollywoodiano.
Grant, aos 34 anos, encontrou em Charles o papel que o projetou para o estrelato. Seu personagem é um homem relutante em relação ao amor, com uma propensão ao desastre social e uma habilidade inata para se colocar em situações embaraçosas. Grant traz um charme despretensioso, misturado a uma vulnerabilidade tímida que o torna irresistível, mas não de um jeito fácil. Seu desempenho, tanto nas cenas mais cômicas quanto nas mais delicadas, foi crucial para criar um personagem com o qual o público pudesse se identificar. Em um dos momentos mais emblemáticos do filme, quando Charles faz um discurso ácido e impensado sobre casamento durante a primeira cerimônia, percebemos a habilidade do ator em equilibrar ironia e doçura – é uma atuação que mescla desconforto e carisma em medidas exatas. A química com MacDowell é discreta e algo morna em comparação com outros pares românticos, mas o roteiro aproveita isso para construir uma relação baseada na falta de sincronia e na atração acidental, que se torna especialmente charmosa.
Já MacDowell, por outro lado, se entrega a Carrie com uma postura mais sutil e reservada, o que ajuda a compor a personagem como uma mulher confiante, que mantém certa distância emocional, adicionando um toque enigmático ao relacionamento. A personagem Carrie parece existir para desafiar as expectativas de Charles, e o desempenho de MacDowell, embora discreto, é suficiente para capturar o interesse do espectador, especialmente nas cenas em que a personagem começa a revelar sua vulnerabilidade e também sua complexidade emocional. Em um dos momentos mais interessantes do filme, Carrie e Charles conversam sobre os casos amorosos do passado, numa mistura de franqueza e ironia que ilumina as diferenças culturais entre eles. O roteiro, nesse ponto, é habilidoso ao demonstrar que o amor, mesmo quando é verdadeiro, é muitas vezes difícil e desconfortável.
O trabalho de Newell na direção é um caso à parte e merece menção. Ele não é um diretor de firulas, mas de boas escolhas. Usando planos fechados e movimentos de câmera discretos, ele foca nas interações dos personagens, extraindo deles o humor e a emoção que impulsionam o filme. Newell trabalha para trazer uma leveza à narrativa, mas não sem suas doses de melancolia e introspecção. Sua direção permite que o espectador sinta as cerimônias de casamento como eventos sociais complexos, onde encontros acidentais e conversas inesperadas revelam muito sobre os personagens e suas vidas. Um exemplo perfeito de sua habilidade é a maneira como ele utiliza as igrejas bem decoradas e o figurino vívido de Lindy Hemming para dar ao filme uma atmosfera de festa e solenidade. Além disso, as escolhas de Michael Coulter na direção de fotografia são igualmente fundamentais para dar ao filme um visual alegre e luminoso, mas que se transforma sutilmente para um tom mais sombrio e comedido no funeral, destacando o contraste entre celebração e luto que permeia o filme.
Um dos momentos mais tocantes é o funeral. A morte de um dos personagens mais cativantes do grupo traz um peso emocional inesperado ao filme. Durante a cerimônia, o poema “Funeral Blues” de W.H. Auden, recitado por Matthew (John Hannah), é de partir o coração e desvia a narrativa de sua comédia de costume para uma reflexão sobre perda e amor. A cena, que se destaca pela sensibilidade e sinceridade, eleva Quatro Casamentos e um Funeral para além do rótulo de simples comédia romântica, explorando temas universais de forma honesta. Em muitos aspectos, o filme encontra seu ápice emocional ali, na simplicidade e na crueza de um luto que transcende o humor ácido habitual.
Apesar disso, a previsibilidade da trama é evidente, e o final pode parecer um tanto forçado. O terceiro ato, especialmente, sofre de alguns clichês, como o clássico momento de corrida, onde Charles finalmente admite seu amor por Carrie. Apesar disso, o filme acerta ao tratar o amor de forma genuína e imperfeita, não idealizada. Quatro Casamentos e um Funeral traz uma autenticidade rara, onde relacionamentos são complicados e repletos de erros. O humor é usado para suavizar as situações embaraçosas e os corações partidos, e o roteiro de Richard Curtis capta perfeitamente o espírito de pessoas comuns que se encontram, se perdem e, ocasionalmente, se reencontram.
Quatro Casamentos e um Funeral ainda é uma referência para o gênero, graças à sua abordagem delicada e espirituosa do amor e das relações humanas. Seu legado é visível em muitas produções posteriores, especialmente aquelas escritas por Richard Curtis, que seguiu escrevendo outras pérolas da comédia romântica britânica. É um filme que exala charme em sua simplicidade, onde os detalhes cômicos e as nuances dos personagens são o que o tornam tão memorável. Para quem busca uma experiência que vai além da leveza, com diálogos afiados e um toque de verdade sobre o que significa amar e perder, Quatro Casamentos e um Funeral é mais que recomendado – é essencial.
Quatro Casamentos e Um Funeral (Four Weddings and a Funeral, 1994 / Reino Unido)
Direção: Mike Newell
Roteiro: Richard Curtis
Com: Hugh Grant, Andie MacDowell, James Fleet, Simon Callow, David Bower, Charlotte Coleman, Rowan Atkinson, Anna Chancellor, Timothy Walker, Sara Crowe, John Hannah, Kristin Scott Thomas
Duração: 117 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Quatro Casamentos e um Funeral
2024-12-13T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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