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A Ratinha Valente
A Ratinha Valente
Poucas animações dos anos 1980 conseguem equilibrar tão bem uma narrativa comovente, uma técnica artesanal impecável e um subtexto tão perturbador quanto A Ratinha Valente (The Secret of NIMH). Dirigido por Don Bluth, em sua estreia como diretor de longas-metragens, o filme é um testemunho de resistência artística e criativa. Em uma época em que a Walt Disney Productions já demonstrava sinais de desgaste criativo e cortes de orçamento, Bluth e sua equipe entregaram um trabalho que ousava resgatar os valores clássicos da animação ao mesmo tempo em que explorava temáticas sombrias, raras em filmes voltados para o público infantil.
Baseado no livro infantil Mrs. Frisby and the Rats of NIMH, de Robert C. O’Brien, A Ratinha Valente apresenta a viúva Sra. Brisby, uma camundonga cuja vida simples é virada de cabeça para baixo quando seu filho, Timothy, adoece gravemente. A situação se complica ainda mais quando a chegada do arado ameaça destruir seu lar. A única solução era enfrentar seus medos e buscar ajuda de aliados improváveis, incluindo a misteriosa e intelectual sociedade dos ratos de NIMH.
O filme equilibra o drama familiar de Brisby com uma narrativa de suspense e aventura que mantém os espectadores, jovens e adultos, presos à trama. No entanto, o que realmente diferencia A Ratinha Valente de outros títulos de sua época é a ousadia de mergulhar em temas como ética, sacrifício e a decadência social — uma herança direta das inquietações da época com o crescimento populacional, ecoando o polêmico experimento do “Universo 25” de John B. Calhoun.
Don Bluth, que já havia trabalhado em clássicos da Disney como Bernardo e Bianca (1977) e A Bela Adormecida (1959), rompeu com o estúdio de forma dramática ao criticar os cortes orçamentários e a perda do rigor técnico que marcava os grandes filmes de Walt Disney. Sua decisão de formar sua própria produtora foi um ato de coragem — um reflexo da própria Sra. Brisby, talvez — e A Ratinha Valente foi a prova de que sua aposta na animação tradicional era válida.
Bluth utilizou métodos que remetiam aos grandes clássicos da Disney, como Branca de Neve e os Sete Anões (1937), insistindo em técnicas de animação quadro a quadro e fundos ricamente detalhados. O resultado é um filme visualmente deslumbrante, onde cada cena parece pintada à mão com cuidado minucioso. As sombras e luzes são utilizadas com maestria para criar um tom sombrio, quase gótico, que intensifica a tensão da trama.
Apesar de sua excelência técnica, Bluth ainda enfrentava desafios em capturar plenamente a magia emocional que caracterizava os clássicos da Disney. Em A Ratinha Valente, a conexão emocional com os personagens é forte, mas às vezes a complexidade da trama e a multiplicidade de subtramas dificultam a criação de um vínculo profundo com o público mais jovem.
Um dos momentos mais marcantes do filme é a visita da Sra. Brisby ao grande Coruja. Este encontro resume a essência do filme: um equilíbrio perfeito entre o suspense, a magia e a superação do medo. O design do Coruja, com olhos brilhantes e uma presença quase mitológica, é um triunfo do design de personagens e da animação artesanal. É uma cena que captura não apenas a coragem de Brisby, mas também a riqueza visual que permeia o filme.
Outro ponto de destaque é a exploração dos ratos de NIMH e do amuleto mágico de Brisby. A ligação entre a ciência e a fantasia, representada pelos experimentos no laboratório de NIMH e pelos poderes quase sobrenaturais do amuleto, cria um subtexto intrigante. Há aqui uma crítica implícita à arrogância humana de brincar com a natureza, mas também uma mensagem de esperança sobre como a inteligência e a cooperação podem superar adversidades.
Apesar de seu impacto visual e temático, A Ratinha Valente enfrenta algumas dificuldades em sua execução narrativa. O filme introduz muitos elementos em pouco tempo — o passado de NIMH, a história do marido de Brisby, os planos dos ratos — o que pode deixar o público mais jovem confuso ou sobrecarregado.
Além disso, enquanto Brisby é uma protagonista encantadora e corajosa, os coadjuvantes, como o atrapalhado Jeremy (o corvo), às vezes parecem deslocados. Embora Jeremy sirva como um alívio cômico necessário, suas aparições podem diminuir o impacto emocional de algumas cenas mais sérias.
No final das contas, A Ratinha Valente permanece uma joia da animação. Seu impacto pode ser sentido não apenas na estética e nos temas que trouxe para o gênero, mas também na forma como abriu caminho para que outros filmes de animação explorassem histórias mais complexas e adultas. Sem A Ratinha Valente, talvez não tivéssemos visto filmes como O Estranho Mundo de Jack (1993) ou O Gigante de Ferro (1999), que também desafiaram as expectativas sobre o que uma animação poderia ser.
É impossível falar sobre o legado do filme sem mencionar a sua sequência direta para vídeo, A Ratinha Valente 2: O Segredo do Ratinho (1998), que, infelizmente, não conseguiu capturar a profundidade ou o charme do original. Este fracasso reforça o quão único foi o trabalho de Don Bluth e sua equipe na criação de uma obra que é tanto uma homenagem aos grandes clássicos quanto uma afirmação de sua própria visão artística.
No fim, A Ratinha Valente é mais que uma animação; é um estudo sobre coragem, ética e o preço da sobrevivência em um mundo que constantemente testa os limites de seus habitantes. Um filme para ser revisitado e apreciado, especialmente por aqueles que valorizam a arte e a ousadia em contar histórias profundas e visualmente encantadoras.
A Ratinha Valente (The Secret of NIMH, 1982 / EUA)
Direção: Don Bluth
Roteiro: Don Bluth, Gary Goldman, John Pomeroy, Will Finn
Com: Elizabeth Hartman, Derek Jacobi, Dom DeLuise, John Carradine, Arthur Malet, Peter Strauss, Paul Shenar, Shannen Doherty, Ian Fried, Hermione Baddeley
Duração: 82 min.
![Ari Cabral](https://lh3.googleusercontent.com/-vneijQd_q4A/T8BP5-dHdnI/AAAAAAAAHjw/2zILJmaRZ7c/s80/ari.jpg)
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
A Ratinha Valente
2025-02-07T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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