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Brazil, o Filme

Brazil, o Filme - filme

Brazil
, dirigido por Terry Gilliam em 1985, é uma obra que supera todos os rótulos que a enquadrariam como apenas uma distopia. Seu mundo visualmente claustrofóbico e tematicamente expansivo é uma colagem de críticas sociais, estéticas retrofuturistas e um humor ácido que só um membro do Monty Python poderia conceber. O filme, que na época de seu lançamento enfrentou dificuldades de aceitação crítica e fracasso comercial, ganhou status cult ao longo dos anos, e não é difícil entender por quê. É uma experiência cinematográfica única que tanto desafia quanto recompensa o espectador disposto a embarcar em seu pesadelo burocrático.

Terry Gilliam, conhecido por seu trabalho no grupo cômico Monty Python, trouxe para Brazil sua habilidade de misturar o absurdo com o desconfortável. Inspirado por uma experiência pessoal em Port Talbot, no País de Gales, onde viu um homem solitário ouvindo “Aquarela do Brasil” em uma praia suja de fuligem, Gilliam construiu um universo que reflete a alienação moderna. Apesar de especulações iniciais, Brazil não é uma crítica direta à ditadura militar brasileira, mas um ataque universal a sistemas autoritários e à desumanização pela burocracia.

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No coração do filme está Sam Lowry, interpretado por Jonathan Pryce. Sam é um burocrata apagado, preso em uma rotina sufocante em um governo que se orgulha de sua eficiência ineficaz. Sua trajetória começa com apatia, mas ganha força quando ele é tragado para as consequências de um erro tipográfico que transforma um homem inocente em vítima do sistema. O drama do filme é impulsionado por essa situação absurda, que coloca Sam no caminho de Jill Layton (Kim Greist), uma caminhoneira acusada injustamente de terrorismo. O amor não correspondido por Jill se torna a faísca para sua rebelião contra o governo, mas também um catalisador de sua ruína.

Jonathan Pryce entrega uma performance magistral, alternando entre a apatia de um homem alienado e o fervor de alguém que redescobre o desejo por algo maior. Sua evolução emocional é tangível, e o equilíbrio que encontra entre a comédia absurda e o drama trágico é essencial para o tom do filme. Kim Greist, por outro lado, não tem o mesmo espaço para brilhar, o que é uma pena, considerando que sua personagem serve como motor da mudança de Sam. Sua Jill, embora carismática, é mais uma ideia de liberdade do que uma personagem plenamente realizada. Já Michael Palin, como o torturador Jack Lint, surpreende ao combinar a leveza típica de seus papéis cômicos com uma frieza inquietante, simbolizando a normalização da crueldade em sistemas opressivos.

Visualmente, Brazil é uma obra-prima. A direção de Gilliam cria um mundo que parece ao mesmo tempo familiar e alienígena. Inspirado pelo retrofuturismo, o design de produção mistura tecnologias anacrônicas com estéticas que remetem ao pós-guerra. Máquinas antigas, ambientes claustrofóbicos e dutos que se espalham como veias abertas pelo cenário criam uma atmosfera opressiva que reflete a decadência da sociedade retratada. Essa visão é complementada pelos figurinos exagerados e pelos adereços que satirizam a superficialidade das classes altas, obcecadas com cirurgias plásticas grotescas e futilidades consumistas.

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Gilliam
, como diretor, demonstra um domínio impressionante da mise-en-scène, utilizando o espaço para reforçar a ideia de um mundo onde o indivíduo é esmagado pelo coletivo. Suas cenas oníricas, onde Sam imagina-se como um herói alado, oferecem um contraste visual e tonal ao restante do filme, servindo como momentos de fuga tanto para o personagem quanto para o espectador. A trilha sonora, centrada em “Aquarela do Brasil”, é usada de forma irônica, transformando a melodia em um símbolo de esperança escapista que contrasta brutalmente com a realidade cinzenta do filme.

O roteiro, coescrito por Gilliam, Tom Stoppard e Charles McKeown, é repleto de diálogos afiados e situações absurdas que beiram o surrealismo. A sátira do filme é pontual, expondo as hipocrisias de sistemas que prometem ordem mas entregam caos. No entanto, o roteiro também enfrenta problemas de ritmo, com algumas subtramas que se alongam mais do que o necessário, diluindo um pouco o impacto narrativo.

Um dos momentos mais marcantes do filme é o final, que se recusa a oferecer qualquer tipo de consolo. Após uma série de reviravoltas, Sam parece finalmente alcançar sua liberdade, mas a realidade é ainda mais cruel. Essa conclusão amarga é o golpe final da sátira de Gilliam, deixando claro que, no mundo de Brazil, a luta contra a opressão não é apenas difícil — é quase impossível.

Embora Brazil seja um feito cinematográfico impressionante, não é um filme sem falhas. Sua complexidade visual e temática pode afastar espectadores que não estejam dispostos a enfrentar seus desafios. Além disso, a caracterização de alguns personagens secundários, como Jill, poderia ter sido mais aprofundada, adicionando camadas à narrativa emocional. No entanto, essas falhas são detalhes que não diminuem o impacto do filme como um todo.

Hoje, Brazil é reconhecido como uma das obras mais importantes de Terry Gilliam e um marco no cinema distópico. É um filme que se recusa a oferecer respostas fáceis ou finais felizes, preferindo provocar, perturbar e desafiar. Seu legado é uma lembrança de que o cinema pode — e deve — ser tanto uma ferramenta de entretenimento quanto de reflexão crítica. Mais do que nunca, Brazil continua relevante, como um espelho distorcido que reflete as ansiedades e absurdos de nossa própria sociedade.


Brazil – O Filme (Brazil, 1985 / EUA, Reino Unido)
Direção: Terry Gilliam
Roteiro: Terry Gilliam, Tom Stoppard, Charles McKeown
Com: Jonathan Pryce, Robert De Niro, Katherine Helmond, Ian Holm, Bob Hoskins, Michael Palin, Ian Richardson, Peter Vaughan, Kim Greist, Jim Broadbent, Terry Gilliam, Derrick O’Connor, Roger Ashton-Griffiths, John Pierce Jones, Barbara Hicks, Charles McKeown
Duração: 143 min.

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