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O Morro dos Ventos Uivantes

O Morro dos Ventos Uivantes - filme

Poucas obras na literatura evocam sentimentos tão contraditórios quanto O Morro dos Ventos Uivantes, o clássico gótico de Emily Brontë. Amado por sua intensidade emocional e criticado por sua brutalidade, o romance é, antes de tudo, um estudo das paixões humanas. Quando Andrea Arnold assumiu a tarefa de adaptá-lo para o cinema em 2011, a diretora trouxe sua visão inconfundível, transformando a narrativa de Brontë em algo visceral, cru e profundamente intimista. Esta não é uma adaptação convencional; é uma reinvenção corajosa, que, embora tenha alguns pontos fracos, marca seu espaço como uma das leituras mais ousadas da obra.

Arnold, conhecida por trabalhos como Marcas da Vida (2006) e À Deriva (2009), tem um olhar único para histórias de vulnerabilidade e opressão. Seu estilo de direção privilegia a autenticidade sobre a grandiosidade e se baseia em uma estética quase documental. Em O Morro dos Ventos Uivantes, ela transporta essa abordagem para as charnecas varridas pelo vento, capturando a paisagem com uma câmera que parece respirar junto com seus personagens. O resultado é uma obra visualmente impressionante, mas que desafia as convenções narrativas, abandonando o melodrama para mergulhar em uma crueza quase desconfortável.

O primeiro aspecto que chama a atenção é a escolha de James Howson como Heathcliff, marcando a primeira vez que o personagem é interpretado por um ator negro em uma produção cinematográfica. É uma decisão fiel ao texto original de Brontë, que descreve Heathcliff como tendo "pele, olhos e cabelos escuros". Mais do que uma escolha estética, a escalação de Howson adiciona camadas de significado à história. O racismo e a exclusão que Heathcliff enfrenta ganham uma nova dimensão, tornando sua busca por vingança ainda mais pungente. No entanto, a atuação de Howson, embora repleta de intensidade, por vezes carece de nuance, o que enfraquece momentos cruciais de sua jornada emocional.

O Morro dos Ventos Uivantes - filme
Kaya Scodelario
, como Catherine Earnshaw, entrega uma performance inquietante, capturando a selvageria e a fragilidade da personagem. Sua química com Howson é irregular, mas há momentos de pura eletricidade entre os dois, especialmente em cenas que exploram a conexão deles com a natureza. Catherine, sob a direção de Arnold, é menos uma heroína romântica e mais uma figura trágica, presa entre seus desejos e as expectativas sociais. Scodelario abraça essa dualidade com uma ferocidade impressionante, embora sua interpretação ocasionalmente se incline para o exagero.

A direção de Andrea Arnold é o verdadeiro coração do filme. Sua câmera, frequentemente operada na mão, dá ao espectador uma sensação de imersão que é ao mesmo tempo libertadora e claustrofóbica. As paisagens das charnecas são filmadas de maneira quase tátil; você sente o vento, a chuva e o isolamento. Arnold evita os excessos visuais que poderiam transformar a história em algo artificialmente romântico, optando por uma estética austera que reflete o desespero e a brutalidade da narrativa. Em algumas cenas, a câmera foca nos detalhes mais mundanos — uma gota de chuva, um pássaro morto, o som do vento. Esses momentos reforçam a ligação quase espiritual entre os personagens e o ambiente, algo que é central na obra de Brontë.

Um dos momentos mais marcantes do filme é a cena em que Heathcliff, devastado pela rejeição de Catherine, se retira para as charnecas em meio a uma tempestade. A câmera de Arnold não foca em seu rosto, mas em suas mãos agarrando a terra, como se tentasse se fundir com o ambiente que é ao mesmo tempo seu lar e sua prisão. Essa escolha visual encapsula a essência do filme: um retrato da dor humana que é inseparável da paisagem que a abriga.

O Morro dos Ventos Uivantes - filme
Apesar de seus méritos, O Morro dos Ventos Uivantes (2011) não é um filme fácil de se amar. A decisão de Arnold de minimizar os diálogos e depender quase inteiramente das imagens para contar a história pode ser difícil para quem espera uma narrativa mais tradicional. Além disso, a ausência de uma trilha sonora marcante — outra escolha deliberada — torna o filme por vezes monótono, especialmente em sua segunda metade, onde a intensidade emocional parece diminuir. A abordagem minimalista, embora coerente com a visão de Arnold, também limita a exploração de algumas das complexidades temáticas do romance, como as questões de classe e poder, que acabam sendo tratadas de forma superficial.

Ainda assim, é impossível ignorar a coragem de Andrea Arnold ao criar um filme que desafia tantas expectativas. Sua adaptação não busca agradar a todos, mas sim capturar a essência primitiva da obra de Brontë. O Morro dos Ventos Uivantes (2011) é um filme que se recusa a ser categorizado, existindo em um espaço próprio entre a literatura e o cinema, entre o gótico e o realismo. É uma obra que exige paciência e disposição para absorver suas nuances, recompensando aqueles que estão dispostos a se perder em sua tempestade.

No fim das contas, O Morro dos Ventos Uivantes (2011) é menos sobre contar a história de Heathcliff e Catherine e mais sobre evocar os sentimentos que sua tragédia desperta. É um filme que não busca respostas fáceis nem reconciliação, mas que, como a própria obra de Emily Brontë, deixa sua marca na alma de quem o assiste. Uma experiência imperfeita, mas profundamente autêntica, que nos lembra que o verdadeiro amor, assim como o ódio, é eterno e incontrolável.


O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights, 2011 / Reino Unido)
Direção: Andrea Arnold
Roteiro: Andrea Arnold, Olivia Hetreed
Com: Kaya Scodelario, James Howson, Amy Wren, Emma Ropner, James Northcote, Nichola Burley, Oliver Milburn, Paul Hilton, Adam Lock, Eve Coverley, Jonny Powell, Lee Shaw, Michael Hughes, Paul Murphy, Richard Guy, Shannon Beer, Simone Jackson, Solomon Glave
Duração: 129 min.

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