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Rio Vermelho
Rio Vermelho
Poucos filmes capturam a essência do faroeste clássico como Rio Vermelho (Red River, 1948), mas, ao mesmo tempo, há um nervo inquietante e contraditório que permeia a obra de Howard Hawks. Este foi o primeiro western do diretor, e logo se tornou um marco tanto para ele quanto para seus protagonistas, John Wayne e Montgomery Clift. Contudo, revisitar esse filme hoje não é apenas se perder em vastas paisagens e aventuras heróicas; é, também, confrontar um mundo de mitos frágeis e dilemas universais que tentam resistir ao teste do tempo.
Howard Hawks, conhecido por sua habilidade em transitar por diferentes gêneros – do noir ao musical, da comédia ao épico de guerra – traz ao western uma visão prática, quase industrial, mas carregada de um toque humano. Em Rio Vermelho, ele cria um épico de proporções quase bíblicas, guiando o espectador pela longa jornada de uma gigantesca boiada rumo ao norte. A vastidão das planícies, capturada pela fotografia monocromática de Russell Harlan, não é apenas pano de fundo, mas parte do desafio existencial que cerca seus personagens. O preto e branco foi uma escolha certeira: o Technicolor, ainda em sua fase vibrante e às vezes artificial, teria retirado o tom de realidade árida que Hawks buscava.
No centro da narrativa, estão Thomas Dunson (John Wayne), um pioneiro implacável e tirânico, e seu filho adotivo, Matt Garth (Montgomery Clift), jovem de espírito rebelde e moral dúbia. É aqui que o filme revela suas camadas mais interessantes. Wayne, com sua figura imponente e sua expressão pétrea, entrega uma performance que John Ford, seu colaborador frequente, chamou de “atuação de um filho da puta grandioso”. Dunson é, de fato, um dos personagens mais complexos de Wayne: um homem moldado pelo desespero e pela ambição, que carrega a promessa de vingança como uma arma sempre carregada.
Montgomery Clift, por outro lado, é a antítese de Wayne. Onde o velho astro é todo rigidez e severidade, Clift é sutil, emotivo e inquieto. Essa diferença vai além da atuação; representa uma colisão entre eras do cinema. Wayne, símbolo do herói tradicional e durão do western, encontra em Clift o frescor e a introspecção que influenciaria a geração de Marlon Brando e James Dean. Essa tensão transborda para seus personagens, pai e filho em um conflito tão inevitável quanto uma tempestade no deserto.
O roteiro de Borden Chase e Charles Schnee, baseado em uma história do próprio Chase, é frequentemente citado como uma releitura do clássico O Grande Motim, com Dunson no papel do capitão tirano e Garth como o subordinado que desafia sua autoridade. Há momentos em que a comparação é mais evidente, como quando Dunson, enlouquecido pelo poder, ameaça caçar e matar os homens que ousam traí-lo. A trama, no entanto, sofre de uma pretensão excessiva. O filme deseja ser uma tragédia grega ambientada no Velho Oeste, mas, por vezes, escorrega em situações melodramáticas ou logicamente frágeis. A cena em que Dunson propõe a Tess Millay, mulher interessada em Garth e vivida pela bela e talentosa Joanne Dru, que tenha um filho dele, por exemplo, beira o absurdo.
Apesar dessas falhas, Rio Vermelho também se destaca por sua coragem de desafiar convenções. Hawks, com seu estilo caracteristicamente maleável, insere toques de humor e ambiguidade que suavizam os contornos rígidos do faroeste típico. Um exemplo é a interação entre Matt e Cherry Valance (John Ireland), que carrega um subtexto homoerótico inesperado e ousado para a época. Essa abordagem mostra que Hawks não estava apenas interessado em criar um western típico, mas em explorar as nuances humanas que transcendem o contexto da trama.
Os momentos mais marcantes do filme, sem dúvida, são as sequências da condução da boiada. Hawks e Harlan compõem imagens que são, ao mesmo tempo, grandiosas e intimistas. A câmera captura o movimento lento, quase ritualístico, do gado atravessando a vastidão, enquanto os gritos dos vaqueiros ecoam no ar. Não são apenas um espetáculo visual, resumem a essência da jornada – um esforço coletivo permeado por tensões individuais.
O clímax, por outro lado, é uma faca de dois gumes. O confronto final entre Dunson e Garth, que deveria ser o ápice dramático, é diluído por uma luta quase cômica e uma reconciliação apressada. É aqui que Hawks demonstra sua leveza característica, mas também sua relutância em abraçar plenamente a tragédia que o filme parecia prometer. Ao invés de terminar com sangue ou solidão, como fariam Peckinpah ou Leone em décadas posteriores, Rio Vermelho opta pela reconciliação. É uma afirmação de que, no universo de Hawks, até mesmo os conflitos mais amargos podem encontrar espaço para a camaradagem.
Se há algo que Rio Vermelho nos ensina, é que o faroeste não precisa ser apenas uma ode à masculinidade impenetrável. A dinâmica entre seus personagens, as fraquezas e falhas expostas, e a própria jornada pela paisagem implacável revelam um cinema que, apesar de suas falhas, continua a desafiar interpretações fáceis. Howard Hawks pode não ter construído um mito inabalável com este filme, mas certamente criou uma obra que ainda reverbera como um dos exemplos mais provocativos do gênero.
E se há algo que permanece inegável, é o poder do cinema de Rio Vermelho de evocar emoções – do riso à admiração, da tensão ao desconforto – e nos lembrar que, mesmo no coração de um clássico, sempre haverá espaço para questionamentos.
Rio Vermelho (Red River, 1948 / EUA)
Direção: Howard Hawks, Arthur Rosson
Roteiro: Borden Chase, Charles Schnee
Com: John Wayne, Montgomery Clift, Joanne Dru, Walter Brennan, Coleen Gray, Noah Beery Jr., Harry Carey, Harry Carey Jr., John Ireland
Duração: 133 min.
Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
Rio Vermelho
2025-01-31T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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