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Tolkien - filme

O dia de hoje marca 133 anos do nascimento de John Ronald Reuel Tolkien e resolvi fazer uma pequena homenagem, me debruçando sobre sua vida... só um pouquinho. Filmes biográficos sobre grandes escritores geralmente nos encantam por revelar as origens criativas que transformaram simples palavras em verdadeiras obras-primas literárias. No caso de Tolkien (2019), dirigido pelo finlandês Dome Karukoski, o objetivo parece ser justamente esse: captar os elementos da vida de J.R.R. Tolkien, vivido por Nicholas Hoult, que o inspiraram a criar universos tão vastos e icônicos como os de O Hobbit e O Senhor dos Anéis. O longa não é um retrato exaustivo e detalhado do autor, mas um recorte mais intimista e delicado de suas experiências, sugerindo como amizades, perdas e batalhas foram costuradas na mitologia da Terra Média. Ao invés de mergulhar profundamente nos processos de escrita e na construção de um mundo fantástico, Tolkien aposta na sutileza, no simbolismo e nas relações humanas que moldaram o autor.

Desde a infância traumática de Tolkien, marcada pela perda dos pais e a tutela sob o Padre Francis (Colm Meaney), o filme nos apresenta um protagonista que já carrega as sombras do isolamento e da necessidade de pertencimento. São esses primeiros momentos, filmados com uma estética quase etérea e tons suaves, que constroem uma imagem romântica, mas melancólica, do escritor. É aqui que o longa começa a lançar suas primeiras pistas sobre a origem do universo da Terra Média, mesmo que de forma indireta. A fotografia, com paletas de cores que oscilam entre o calor do passado e os tons cinzentos do futuro, sugere a interseção constante entre a realidade e o mundo imaginativo de Tolkien.

Uma das decisões mais acertadas do roteiro, assinado por David Gleeson e Stephen Beresford, é focar nos anos formativos do autor, desde a juventude até o período em que serve na Primeira Guerra Mundial. A narrativa se concentra em duas grandes linhas: a amizade profunda com o grupo literário que ele forma na escola, conhecido como "a irmandade", e o amor por Edith Bratt (Lily Collins). Ambos os núcleos são apresentados como forças centrais no desenvolvimento de Tolkien, servindo não apenas de consolo, mas como fagulhas que acendem seu potencial criativo. O roteiro, no entanto, falha em ir além do superficial em certos momentos, resumindo relações complexas a diálogos simples e quase didáticos.

Tolkien - filme
Nicholas Hoult
, no papel principal, entrega uma performance contida e sensível, embora falte à sua interpretação um pouco mais da profundidade emocional necessária para o peso que Tolkien carrega. Ainda assim, Hoult é competente ao retratar um jovem que oscila entre a paixão pelas palavras e o trauma da guerra. É interessante como o ator consegue expressar, quase sem palavras, a forma como Tolkien observa o mundo: como se cada detalhe — um som, uma conversa, uma paisagem — pudesse ser transformado em uma história épica. Lily Collins, por sua vez, brilha como Edith Bratt, trazendo leveza, graciosidade e paixão à tela. A relação entre os dois personagens é o coração do filme, mesmo que em alguns momentos soe idealizada demais.

Dome Karukoski, o diretor, demonstra um cuidado visual e emocional evidente. Karukoski é hábil em criar atmosferas carregadas de simbolismo — seja em cenas de amizade nos campos verdes da juventude ou nos horrores das trincheiras da Primeira Guerra Mundial. Um dos momentos mais marcantes do filme, aliás, é justamente quando Tolkien, ferido e febril no campo de batalha, enxerga, em meio à fumaça e ao caos, silhuetas de dragões e criaturas saídas de sua imaginação. Essa sequência é visualmente impressionante e serve como um elo direto entre a brutalidade do mundo real e a fantasia que ele mais tarde construiria. Aqui, a guerra não é apenas pano de fundo, mas uma representação crua e visceral do impacto que ela teve no autor — física e emocionalmente. Ali podemos ver Mordor pela primeira vez.

Contudo, o filme peca ao não se aprofundar no processo criativo de Tolkien de maneira mais robusta. Embora sugira elementos que inspiraram O Hobbit e O Senhor dos Anéis — como a ópera O Anel dos Nibelungos, as trincheiras da Batalha do Somme e sua paixão por linguística e filologia — o longa nunca realmente se aventura a mostrar como essas experiências foram transformadas, passo a passo, em histórias tão ricas e detalhadas. A mitologia da Terra Média é, afinal, um feito monumental, fruto de décadas de trabalho e estudos intensos. Reduzir esse processo a breves acenos e simbolismos, embora poético, acaba soando como uma oportunidade desperdiçada, mas que, talvez, coubesse melhor em uma série do que em um longa.

Tolkien - filme
Outro ponto que merece atenção é a resistência da família Tolkien em relação ao filme. A produção não foi autorizada nem apoiada pelos herdeiros do autor, o que levanta questionamentos sobre a fidelidade histórica de alguns eventos retratados. Ainda assim, a obra não se propõe a ser um documentário rigoroso, mas uma interpretação emocional e romântica dos anos de formação de Tolkien. E, nesse sentido, ela funciona. O filme é, em sua essência, uma homenagem ao autor e ao poder das histórias que ele nos legou.

No aspecto técnico, a trilha sonora de Thomas Newman, com suas melodias suaves e melancólicas, complementa bem o tom do filme. A música nunca se sobrepõe à narrativa, mas atua como uma extensão emocional das cenas, especialmente nos momentos de contemplação e perda. A direção de arte, por sua vez, é igualmente competente, recriando com precisão a Inglaterra do início do século XX, desde os salões acadêmicos de Oxford até os campos devastados pela guerra.

Apesar de algumas falhas, Tolkien consegue transmitir uma mensagem poderosa: a de que grandes histórias nascem das experiências mais profundas e dolorosas de nossas vidas. O filme nos lembra que, por trás dos elfos, magos e anéis encantados, há um homem que viu a amizade ser testada pelo tempo, que sofreu as feridas da guerra e que encontrou no amor e na linguagem uma maneira de dar sentido ao mundo ao seu redor. Talvez Tolkien não alcance a grandiosidade de seu biografado, mas há beleza em sua simplicidade e em seu esforço de capturar a essência do escritor.

Em última análise, Tolkien é um filme que, embora não explore toda a complexidade e genialidade de J.R.R. Tolkien, acerta ao retratar com delicadeza os elementos humanos que inspiraram suas maiores obras. Para os fãs da Terra Média, a experiência pode ser agridoce — falta profundidade, mas sobram afeto e reverência. No fim das contas, nos mostra que as histórias mais extraordinárias têm raízes em vidas comuns, feitas de dor, amizade, amor e resiliência.


Tolkien (2019 / EUA)
Direção: Dome Karukoski
Roteiro: David Gleeson, Stephen Beresford
Com: Nicholas Hoult, Lily Collins, Genevieve O’Reilly, Colm Meaney, Tom Glynn-Carney, Craig Roberts, Anthony Boyle, Laura Donnelly, Derek Jacobi, Pam Ferris, Owen Teale, Patrick Gibson
Duração: 112 min.

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