E Se Fosse Verdade
Lançado em 2005 e dirigido por Mark Waters, E Se Fosse Verdade (Just Like Heaven) é um daqueles filmes que prometem mais do que entregam, mas que ainda assim conseguem oferecer bons momentos para os fãs de comédias românticas. O longa adapta o romance de Marc Levy e conta com Reese Witherspoon e Mark Ruffalo nos papéis principais, dois atores carismáticos que carregam grande parte da narrativa em seus ombros. Apesar de não escapar dos clichês que definem o gênero, o filme tenta inovar ao introduzir elementos espirituais e dilemas sobre a vida e a morte em meio ao tradicional arco do casal que começa em conflito e termina como todos já imaginam.
A história nos apresenta Elizabeth Martinson (Reese Witherspoon), uma médica talentosa e extremamente dedicada ao trabalho, a ponto de negligenciar sua vida pessoal. Após um acidente, Elizabeth, de maneira misteriosa, começa a assombrar o novo morador de seu apartamento, David Abbott (Mark Ruffalo), um homem melancólico que luta contra a dor de uma perda pessoal. Elizabeth, inicialmente crente de que ainda está viva, insiste que o apartamento lhe pertence. David, relutante, conclui que ela é um fantasma. A partir daí, os dois embarcam em uma busca por respostas sobre a situação inexplicável de Elizabeth, enquanto, previsivelmente, começam a desenvolver uma conexão emocional.
Mark Waters, conhecido por dirigir Meninas Malvadas e Sexta-Feira Muito Louca, imprime à narrativa um tom leve e acessível, mas não vai além disso. Waters é competente ao manter o ritmo descontraído e equilibrar humor e romance, mas sua direção carece de ousadia. Ele não explora plenamente o potencial do material que tem em mãos, deixando temas como a vida após a morte e a eutanásia – que aparecem de forma tangencial – em um nível superficial. O filme flerta com questões existenciais, mas nunca mergulha nelas, optando por soluções narrativas mais fáceis e seguras.
É inegável que o maior trunfo de E Se Fosse Verdade reside em seus protagonistas. Mark Ruffalo interpreta David com uma melancolia que consegue ser ao mesmo tempo comovente e engraçada. O ator transforma o personagem em alguém genuinamente humano, com traumas palpáveis que o tornam mais do que apenas o mocinho da história. Reese Witherspoon, por sua vez, traz carisma e energia à rígida Elizabeth, transitando bem entre sua postura autoritária inicial e a vulnerabilidade que emerge à medida que a trama avança. Juntos, Ruffalo e Witherspoon possuem uma química natural que compensa algumas das fraquezas do roteiro, tornando crível o vínculo emocional entre seus personagens.
O roteiro, escrito por Peter Tolan e Leslie Dixon, tem momentos criativos que arrancam risadas genuínas, como as tentativas de David de exorcizar Elizabeth ou as interações cômicas entre eles em locais públicos, onde apenas ele pode vê-la. Contudo, o texto frequentemente tropeça em clichês desgastados. O arco narrativo segue a cartilha básica das comédias românticas: um início conflituoso, um desenvolvimento que revela a conexão emocional entre os protagonistas e um clímax melodramático que culmina em um final previsível. Isso não seria um problema se o filme não sugerisse, em seus momentos iniciais, que ofereceria algo mais profundo.
Um dos aspectos mais discutíveis do filme é sua abordagem sobre a eutanásia, um tema que poderia adicionar uma camada de complexidade à história. No entanto, a questão é tratada de forma rasa e sem coragem, servindo apenas como pano de fundo para impulsionar o drama romântico. Comparado a obras como Mar Adentro, que exploram o tema com profundidade e sensibilidade, E Se Fosse Verdade parece tímido e até desinteressado em provocar reflexões mais profundas no espectador.
A trilha sonora, no entanto, é um ponto alto do filme. O uso da canção Just Like Heaven, do The Cure, não é apenas uma escolha estilosa, mas também um momento de ressonância emocional. A música resume a atmosfera sonhadora e melancólica que o filme tenta – e em alguns momentos consegue – transmitir. Outras faixas, como Colors, de Amos Lee, complementam bem o tom geral da narrativa, criando um ambiente sonoro envolvente que contribui para a experiência emocional do espectador.
Há momentos marcantes que merecem destaque, como o clímax que gira em torno da reconexão dos protagonistas em meio a um cenário hospitalar. Embora o desfecho possa soar forçado para alguns, ele é conduzido com suficiente sinceridade para que o espectador aceite a conclusão como um encerramento satisfatório para a jornada do casal. Outra cena memorável é a primeira interação entre Elizabeth e David, em que a confusão e o choque inicial se desdobram em um humor inusitado que define o tom do filme.
Em resumo, E Se Fosse Verdade é um filme que, digamos, entrega o que promete dentro dos limites do gênero, mas não ousa ultrapassar esses limites. É uma comédia romântica competente, com atuações sólidas e momentos genuinamente divertidos, mas que não aproveita plenamente seu potencial temático. Para os fãs do gênero, é um prato cheio – especialmente para aqueles que buscam algo um pouco diferente, mas não radicalmente inovador. Para os que esperam mais profundidade ou subversão, pode ser uma experiência frustrante. Ainda assim, vale assistir, nem que seja apenas para se perder por 90 minutos em uma história leve e bem-intencionada, guiada por um dueto de protagonistas que sabem exatamente como encantar.
E Se Fosse Verdade (Just Like Heaven, 2005 / EUA)
Direção: Mark Waters
Roteiro: Peter Tolan , Leslie Dixon
Com: Reese Witherspoon, Mark Ruffalo, Donal Logue, Dina Waters, Ben Shenkman, Jon Heder, Ivana Miličević, Caroline Aaron, Rosalind Chao, Ron Canada
Duração: 95 min.

Ari Cabral
Bacharel em Publicidade e Propaganda, profissional desde 2000, especialista em tratamento de imagem e direção de arte. Com experiência também em redes sociais, edição de vídeo e animação, fez ainda um curso de crítica cinematográfica ministrado por Pablo Villaça. Cinéfilo, aprendeu a ser notívago assistindo TV de madrugada, o único espaço para filmes legendados na TV aberta.
E Se Fosse Verdade
2025-03-04T08:30:00-03:00
Ari Cabral
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