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Noites Brutais

Noites Brutais - filme

Noites Brutais
(Barbarian), dirigido por Zach Cregger, é um daqueles raros filmes de terror que chegam ao público com um marketing quase silencioso e, ainda assim, arrebatam discussões fervorosas. Na superfície, ele começa como um comentário oportuno sobre os perigos da economia de compartilhamento, principalmente na prática cada vez mais popular de alugar casas por aplicativos. O filme, no entanto, não se contenta em ser apenas uma crítica social: ao mesmo tempo que tece um suspense psicológico inquietante, ele eventualmente mergulha no território do horror genérico, onde sua força inicial acaba se diluindo.

A trama acompanha Tess (Georgina Campbell), uma jovem que aluga uma casa em Detroit para uma entrevista de emprego. O que deveria ser uma estadia comum logo se transforma em um pesadelo, quando ela descobre que a casa foi inadvertidamente reservada por outro inquilino, Keith (Bill Skarsgård). A tensão inicial é construída de maneira magistral: em tempos de crescente desconfiança social, Cregger manipula brilhantemente nossas percepções, deixando o público na dúvida sobre quem é confiável. Keith é um homem aparentemente educado e solícito, mas seu excesso de simpatia pode ser interpretado como potencialmente ameaçador. Essa dinâmica provoca uma sensação de desconforto que é sustentada com maestria pelo diretor e alimentada pela excelente química entre Campbell e Skarsgård.

Georgina Campbell entrega uma atuação marcante, equilibrando vulnerabilidade e resiliência de forma comovente. Sua Tess é uma mulher que claramente conhece os perigos do mundo, mas que ainda tenta encontrar o equilíbrio entre precaução e gentileza. É impossível não sentir sua angústia ao se deparar com dilemas aparentemente simples – como entrar ou não na casa com um estranho –, mas que carregam implicações sociais e psicológicas profundas. Skarsgård, por sua vez, utiliza sua fama como Pennywise em It: A Coisa para brincar com as expectativas do público. Sua presença inquietante é um dos trunfos do filme nos momentos iniciais.

Noites Brutais - filme
Cregger
, cuja trajetória anterior estava enraizada na comédia, demonstra um controle surpreendente do suspense. Os primeiros 30 minutos de Noites Brutais são impecáveis, com o uso calculado de iluminação, silêncio e enquadramentos claustrofóbicos que nos deixam constantemente na ponta da cadeira. É aqui que o filme se mostra mais ambicioso, abordando questões como misoginia, abuso de poder e as desigualdades sociais que moldam nosso comportamento cotidiano. A casa em si, localizada em uma vizinhança decadente, funciona como uma metáfora visual para o estado de abandono enfrentado por muitas comunidades, reforçando a crítica social subjacente.

Contudo, o filme se transforma radicalmente quando revela seu "monstro". A trama, até então psicológica e cheia de nuances, cede espaço a uma abordagem mais convencional, com sustos previsíveis e uma criatura grotesca que parece deslocada do tom original. É aqui que Noites Brutais tropeça. Embora seja compreensível que Cregger busque ampliar os horizontes do terror tradicional, a transição abrupta enfraquece a narrativa. O comentário social que antes era tão perspicaz se perde no meio da carnificina e do absurdo, deixando a sensação de que o filme poderia ter mantido sua força se permanecesse focado nas complexidades humanas.

Justin Long, introduzido no segundo ato como AJ, um ator narcisista e acusado de abuso sexual, traz uma energia completamente diferente ao filme. Sua performance é propositalmente irritante e covarde, representando uma faceta mais caricatural da masculinidade tóxica. Embora Long ofereça uma leveza bem-vinda em alguns momentos, sua história paralela acaba atrasando o ritmo do filme, desviando a atenção das tramas mais impactantes.

Noites Brutais - filme
O design de produção e a cinematografia de Zach Kuperstein, no entanto, merecem aplausos. A casa em que a maior parte da ação se desenrola é sufocante, quase viva, com seus corredores escuros e passagens secretas que parecem sussurrar os horrores que abrigam. A trilha sonora de Anna Drubich também é eficiente, intensificando a sensação de ameaça iminente.

Um dos momentos mais marcantes do filme é a descoberta do porão e, eventualmente, do subsolo ainda mais profundo, que guarda segredos perturbadores. É uma virada de narrativa que funciona inicialmente, mas que perde parte de seu impacto quando o filme se entrega a explicações excessivas e clichês do gênero. A escolha de revelar a origem do monstro, em vez de manter o mistério, é um exemplo clássico de como mostrar demais pode enfraquecer o medo.

Apesar de suas falhas, Noites Brutais é um esforço admirável. Ele se destaca em um ano repleto de filmes de terror genéricos por sua disposição de abordar temas relevantes e subverter expectativas – pelo menos em sua primeira metade. Infelizmente, ao tentar combinar tantas camadas, Cregger acaba diluindo a força de sua mensagem. Noites Brutais é um filme irresistível para os fãs de terror e suspense, mas quando se transforma em um filme de monstro, ele troca a complexidade por sustos fáceis, rebaixando-se ao território do genérico. Ainda assim, o impacto de sua crítica inicial ao patriarcado e à misoginia é suficiente para garantir que ele será lembrado como um filme importante, mesmo que imperfeito.


Noites Brutais (Barbarian, 2022 / EUA)
Direção: Zach Cregger
Roteiro: Zach Cregger
Com: Georgina Campbell, Bill Skarsgård, Justin Long, Richard Blake, Sophie Sörensen, Sara Paxton, Matthew Patrick Davis
Duração: 102 min.

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