Linha de Passe
A violência está presente no cinema brasileiro, desde o início até os dias de hoje. Se podemos dizer que somos feitos de algum tema para definir o cinema nacional, temos que citar: miséria, violência e problemas sociais. Seja na Seca do Sertão Nordestino ou no sol quente das favelas do Rio de Janeiro. Temos um país imenso, repleto de diversidades culturais, talentos e compreensões, mas é na miséria que reina a nossa vanguarda cinematográfica. Filmes marcantes como Rainha Diabo, Madame Satã, Assalto ao Trem Pagador, Vidas Secas, Deus e o Diabo na Terra do Sol, além dos mais recentes como Cidade de Deus são fáceis de lembrar e serem comentados seja para elogiar ou criticar.
Neste panorama, no entanto, poucas vezes vemos na tela o retrato dos verdadeiros excluídos. Pessoas de classe baixa, com poucas oportunidades que lutam de forma honesta para sobreviver a cada dia. Assim é Linha de Passe, filme de Walter Sales que ganhou destaque e deu a Palma de Ouro de melhor atriz para Sandra Coverloni.
Sandra interpreta Cleuza, empregada doméstica, batalhadora, corinthiana doente, que cria seus filhos não admitindo brigas nem desonestidade em casa. São três rapazes mais velhos: Denis, Dario e Dinho. O caçula Reginaldo, filho com outro homem, que sente-se diferente dos irmãos por ser negro assim como o pai. E um quinto que está na barriga e serve para mostrar o incômodo dos filhos em relação a este fato. Cleuza bebe no bar, xinga nos jogos e não mede palavras ao brigar com os filhos que saem da linha. Uma cena forte é quando ela serve o jantar para o filho Dinho com uma raiva imensa por aquela situação sem esperanças.
Cada filho busca o sonho de realização a sua maneira. Denis, motoboy, procura o trabalho informal, sempre com dificuldades financeiras, tendo uma ex-mulher e um filho para dar pensão. Cai na tentação do dinheiro fácil, mas demonstra a dificuldade de ser um invisível para sociedade dominante. Dinho trabalha em um posto de gasolina e encontra refúgio na religião. Frequentador de uma igreja evangélica questiona a própria fé ao ver problemas que parecem intransponíveis. Dario é um jogador de futebol com talento, mas que já passou da idade de participar de peneiras para clubes. Lida com a frustração de ser considerado velho aos dezoito anos, porém ainda não desiste, chegando a burlar a lei, falsificando carteira de identidade e ouvindo do técnico que "você joga bem, mas, como você, tem vários por aí com quinze anos".
Reginaldo é um caso a parte. Garoto ainda, sente-se a par da família, por ser negro e sonha em encontrar com o pai. Passa o dia andando nos coletivos, observando aquele que imagina ser seu pai e imitando os gestos do motorista. Bastante esperto, é capaz de dirigir apenas pela observação dos gestos do motorista.
Sandra Coverloni está muito bem no papel da matriarca, sabendo dosar os momentos de descontração quando está no estádio de futebol torcendo pelo Corinthians e no bar da esquina, com os dramas e preocupações diárias com os filhos. No momento em que é preciso uma carga emotiva maior, a atriz não deixa o ritmo cair, expressando toda a dor e ética de uma mulher que só quer viver e criar os seus filhos dignamente.
Outro destaque do filme é o ator Vinícius de Oliveira. Revelado ainda criança pelo próprio diretor em Central do Brasil, o garoto defende bem o drama de seu personagem Dario que sonha em ser um jogador de futebol de talento. Para a preparação do filme, o ator chegou a estudar na escolinha de futebol de Zico, o que deu mais realidade às suas cenas com a bola.
Com a mesma parceria que fez com Daniela Thomas em Terra Estrangeira, Walter Salles trabalha com uma linguagem realista, crua que salta aos olhos do espectador e mostra a angústia de uma sociedade esquecida. É o seu retorno ao cinema brasileiro após a experiência com Diários de Motocicleta e do hollywoodiano Água Negra. A fotografia é lavada, com tons claros e enquadramentos precisos. Walter Salles buscou inspiração em dois filmes documentários de seu irmão João Salles para construir os personagens deste filme: Futebol e Santa Cruz. A montagem paralela mostra a vida dos cinco integrantes da família em tempo real, comparando suas ações e realidade, dando um ritmo confuso no início, mas que vai se organizando até o final aberto. Não há conclusão, a vida continua a partir dali e cabe aos espectadores imaginar, assim como é a realidade que só tem fim com a morte.
Contraditoriamente ao dito até então, no entanto, o filme é tão tenso e real que se torna cansativo. A estética humanista impressa em seus demais filmes é um pouco esquecida aqui, na tentativa, talvez, de burlar a crítica que a considera um falseamento da realidade. Salles sempre teve na poesia das imagens sua marca registrada. Em sua busca por uma identidade nacional menos dura, sempre produziu dramas humanos sensíveis e bastante reais. Em Linha de Passe, essa linha parece extrapolada com uma necessidade exacerbada de sensibilizar o espectador. É impressionante que todos os cinco membros da família estejam passando por dificuldades e momentos decisivos ao mesmo tempo. O argumento acaba soando falso, forçando um drama excessivo àquela família.
Além disso, a linguagem se arrasta em pontos diversos, prolongando o sofrimento da família e aumentando o drama na tela. Talvez bastasse metade do tempo para passar a mensagem sem precisar expor tão minuciosamente alguns detalhes. Por isso, Linha de Passe cai um pouco o ritmo e o interesse da metade para o fim, perdendo a força do filme e fazendo deste apenas uma obra mediana, bem diferente de Abril Despedaçado, Central do Brasil ou mesmo Terra Estrangeira, outras obras marcantes do diretor.
Neste panorama, no entanto, poucas vezes vemos na tela o retrato dos verdadeiros excluídos. Pessoas de classe baixa, com poucas oportunidades que lutam de forma honesta para sobreviver a cada dia. Assim é Linha de Passe, filme de Walter Sales que ganhou destaque e deu a Palma de Ouro de melhor atriz para Sandra Coverloni.
Sandra interpreta Cleuza, empregada doméstica, batalhadora, corinthiana doente, que cria seus filhos não admitindo brigas nem desonestidade em casa. São três rapazes mais velhos: Denis, Dario e Dinho. O caçula Reginaldo, filho com outro homem, que sente-se diferente dos irmãos por ser negro assim como o pai. E um quinto que está na barriga e serve para mostrar o incômodo dos filhos em relação a este fato. Cleuza bebe no bar, xinga nos jogos e não mede palavras ao brigar com os filhos que saem da linha. Uma cena forte é quando ela serve o jantar para o filho Dinho com uma raiva imensa por aquela situação sem esperanças.
Cada filho busca o sonho de realização a sua maneira. Denis, motoboy, procura o trabalho informal, sempre com dificuldades financeiras, tendo uma ex-mulher e um filho para dar pensão. Cai na tentação do dinheiro fácil, mas demonstra a dificuldade de ser um invisível para sociedade dominante. Dinho trabalha em um posto de gasolina e encontra refúgio na religião. Frequentador de uma igreja evangélica questiona a própria fé ao ver problemas que parecem intransponíveis. Dario é um jogador de futebol com talento, mas que já passou da idade de participar de peneiras para clubes. Lida com a frustração de ser considerado velho aos dezoito anos, porém ainda não desiste, chegando a burlar a lei, falsificando carteira de identidade e ouvindo do técnico que "você joga bem, mas, como você, tem vários por aí com quinze anos".
Reginaldo é um caso a parte. Garoto ainda, sente-se a par da família, por ser negro e sonha em encontrar com o pai. Passa o dia andando nos coletivos, observando aquele que imagina ser seu pai e imitando os gestos do motorista. Bastante esperto, é capaz de dirigir apenas pela observação dos gestos do motorista.
Sandra Coverloni está muito bem no papel da matriarca, sabendo dosar os momentos de descontração quando está no estádio de futebol torcendo pelo Corinthians e no bar da esquina, com os dramas e preocupações diárias com os filhos. No momento em que é preciso uma carga emotiva maior, a atriz não deixa o ritmo cair, expressando toda a dor e ética de uma mulher que só quer viver e criar os seus filhos dignamente.
Outro destaque do filme é o ator Vinícius de Oliveira. Revelado ainda criança pelo próprio diretor em Central do Brasil, o garoto defende bem o drama de seu personagem Dario que sonha em ser um jogador de futebol de talento. Para a preparação do filme, o ator chegou a estudar na escolinha de futebol de Zico, o que deu mais realidade às suas cenas com a bola.
Com a mesma parceria que fez com Daniela Thomas em Terra Estrangeira, Walter Salles trabalha com uma linguagem realista, crua que salta aos olhos do espectador e mostra a angústia de uma sociedade esquecida. É o seu retorno ao cinema brasileiro após a experiência com Diários de Motocicleta e do hollywoodiano Água Negra. A fotografia é lavada, com tons claros e enquadramentos precisos. Walter Salles buscou inspiração em dois filmes documentários de seu irmão João Salles para construir os personagens deste filme: Futebol e Santa Cruz. A montagem paralela mostra a vida dos cinco integrantes da família em tempo real, comparando suas ações e realidade, dando um ritmo confuso no início, mas que vai se organizando até o final aberto. Não há conclusão, a vida continua a partir dali e cabe aos espectadores imaginar, assim como é a realidade que só tem fim com a morte.
Contraditoriamente ao dito até então, no entanto, o filme é tão tenso e real que se torna cansativo. A estética humanista impressa em seus demais filmes é um pouco esquecida aqui, na tentativa, talvez, de burlar a crítica que a considera um falseamento da realidade. Salles sempre teve na poesia das imagens sua marca registrada. Em sua busca por uma identidade nacional menos dura, sempre produziu dramas humanos sensíveis e bastante reais. Em Linha de Passe, essa linha parece extrapolada com uma necessidade exacerbada de sensibilizar o espectador. É impressionante que todos os cinco membros da família estejam passando por dificuldades e momentos decisivos ao mesmo tempo. O argumento acaba soando falso, forçando um drama excessivo àquela família.
Além disso, a linguagem se arrasta em pontos diversos, prolongando o sofrimento da família e aumentando o drama na tela. Talvez bastasse metade do tempo para passar a mensagem sem precisar expor tão minuciosamente alguns detalhes. Por isso, Linha de Passe cai um pouco o ritmo e o interesse da metade para o fim, perdendo a força do filme e fazendo deste apenas uma obra mediana, bem diferente de Abril Despedaçado, Central do Brasil ou mesmo Terra Estrangeira, outras obras marcantes do diretor.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Linha de Passe
2009-10-29T00:24:00-03:00
Amanda Aouad
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