Hotxuá - a poesia que encanta
Preciso começar esse post explicando a experiência que foi o Cine Papo na última sexta-feira, no Festival Internacional de Cinema de Salvador. Uma desorganização que ainda não entendi direito como foi possível em um Festival desse porte, quase estraga a noite, deixando Letícia Sabatela sem graça e pedindo milhares de desculpas à platéia. Trata-se da exibição de seu primeiro longa-metragem como diretora: Hotxuá. O filme tem parte de sua película falada na língua original da tribo Krahô. Detalhe que parece ter sido esquecido pela produção. Resultado: filme sem legenda em português. A solução foi exibir a cópia com legenda em inglês, que foi preparada para o Festival de Nova York. Algo, realmente surreal, mas será que não dava para testar a cópia antes da exibição?
A sorte é que a atriz (e agora diretora) é uma simpatia de pessoa e muito educada. E o mais importante: o filme é muito bom, pura poesia retratando um tema de extrema importância. Então, assisti feliz, apesar de alguma dificuldade no vocabulário.
Hotxuá é o nome dado a uma espécide de sacerdote do riso, na tribo indígena localizada no Tocantins. O documentário, feito em dez dias, mostra a relação desse povo com o riso, com seus rituais sagrados e com a aproximação do homem branco. A princípio, Letícia não pretendia dirigir o filme. Conheceu a tribo em 1996 e vinha mantendo uma relação próxima com eles, até que partiu dos próprios índios o pedido. Como o diretor inicial acabou saindo do projeto, a atriz chamou Gringo Cardia para co-dirigir com ela esta espécie de observatório ritualístico. Como disse no Cine Papo, boa parte do mérito do resultado é do diretor de fotografia Silvestre Camp, que abraçou o tema, se infiltrando entre os índios e dando ao documentário um tom mais íntimo.
Esse é o clima que predomina, estamos quase imersos na tribo, ouvindo as histórias daqueles seres antigos e sábios sobre suas raízes. O sagrado é tratado com respeito pelos diretores que não procuram interferir muito no ritual local. Há cenas de grande impacto como a brincadeira dos Hotxuá que abrem o filme. Ou quando os mais velhos explicam aos mais novos a área onde não podem caçar, para manter o equilíbrio. Eles estão embaixo de uma árvore, quando começa a chover e o índio explica os dois mundos na visão dos Krahô: Kayamarê e Wayamarê.
A única falha do filme, é a falta de direcionamento. Mostrar a cultura Krahô e o riso sagrado é uma opção confusa, pois cita questões que mereciam aprofundamento, como a visão de mundo daquele povo e a ameaça do homem branco, com a exploração da soja, que pode destruir toda a multicultura da terra. Letícia falou muito bem no Cine Papo sobre isso, só que não está presente no filme. Por outro lado, tenta explorar a questão do riso em outras culturas, ao levar um palhaço de origem européia para tribo. O objetivo ali fica confuso, pois cria uma espécie de disputa sem sentido entre os dois palhaços, quando uma das funções do Hotxuá é exatamente diluir disputas através do riso. O índio fica perdido em meio as brincadeiras com mais malícia do palhaço branco.
É contudo, um belo filme, a fotografia possui um colorido forte, quente, sintetizando o espírito Hotxuá. A montagem também é feliz, intercalando momentos de observação pura com outros onde os índios falam diretamente para câmera. Uma viagem interessante, mesmo com legendas em inglês.
A sorte é que a atriz (e agora diretora) é uma simpatia de pessoa e muito educada. E o mais importante: o filme é muito bom, pura poesia retratando um tema de extrema importância. Então, assisti feliz, apesar de alguma dificuldade no vocabulário.
Hotxuá é o nome dado a uma espécide de sacerdote do riso, na tribo indígena localizada no Tocantins. O documentário, feito em dez dias, mostra a relação desse povo com o riso, com seus rituais sagrados e com a aproximação do homem branco. A princípio, Letícia não pretendia dirigir o filme. Conheceu a tribo em 1996 e vinha mantendo uma relação próxima com eles, até que partiu dos próprios índios o pedido. Como o diretor inicial acabou saindo do projeto, a atriz chamou Gringo Cardia para co-dirigir com ela esta espécie de observatório ritualístico. Como disse no Cine Papo, boa parte do mérito do resultado é do diretor de fotografia Silvestre Camp, que abraçou o tema, se infiltrando entre os índios e dando ao documentário um tom mais íntimo.
Esse é o clima que predomina, estamos quase imersos na tribo, ouvindo as histórias daqueles seres antigos e sábios sobre suas raízes. O sagrado é tratado com respeito pelos diretores que não procuram interferir muito no ritual local. Há cenas de grande impacto como a brincadeira dos Hotxuá que abrem o filme. Ou quando os mais velhos explicam aos mais novos a área onde não podem caçar, para manter o equilíbrio. Eles estão embaixo de uma árvore, quando começa a chover e o índio explica os dois mundos na visão dos Krahô: Kayamarê e Wayamarê.
A única falha do filme, é a falta de direcionamento. Mostrar a cultura Krahô e o riso sagrado é uma opção confusa, pois cita questões que mereciam aprofundamento, como a visão de mundo daquele povo e a ameaça do homem branco, com a exploração da soja, que pode destruir toda a multicultura da terra. Letícia falou muito bem no Cine Papo sobre isso, só que não está presente no filme. Por outro lado, tenta explorar a questão do riso em outras culturas, ao levar um palhaço de origem européia para tribo. O objetivo ali fica confuso, pois cria uma espécie de disputa sem sentido entre os dois palhaços, quando uma das funções do Hotxuá é exatamente diluir disputas através do riso. O índio fica perdido em meio as brincadeiras com mais malícia do palhaço branco.
É contudo, um belo filme, a fotografia possui um colorido forte, quente, sintetizando o espírito Hotxuá. A montagem também é feliz, intercalando momentos de observação pura com outros onde os índios falam diretamente para câmera. Uma viagem interessante, mesmo com legendas em inglês.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Hotxuá - a poesia que encanta
2009-10-19T08:18:00-03:00
Amanda Aouad
cinema brasileiro|critica|
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