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Muito além do jardim

Chance assiste TV Tenho quase certeza de que ao escrever o roteiro de Forrest Gump, Eric Roth bebeu um pouco na fonte de Muito além do jardim, filme de Hal Ashby produzido em 1979. Peter Sellers interpreta brilhantemente Chance, um jardineiro que passou a sua vida dentro de uma casa se dividindo entre as plantas e a tela de televisão. Quando o velho homem que era seu patrão morre, ele tem que sair. O problema é que, pela vida que levou, ele é quase um autista. Completamente alienado do mundo, só entende o que ele vê na televisão ou quando fala de jardinagem.

Cartaz de Muito Além do JardimEntra aí a semelhança com o filme de Robert Zemeckis. Como um passe de mágica, tudo começa a dar certo para Chance. Ele conhece um influente homem norte-americano, tem uma audiência com o presidente do país, é convidado para entrevistas em programas de televisão e festas importantes, simplesmente porque sua análise econômica de forma "metafórica" é considerada genial. E, claro, também tem o relacionamento com Eve, vivida por Shirley MacLaine. Chance é um garoto ingênuo confundido com um gênio, tal qual Forrest.

Muito Além do Jardim é uma grande crítica aos Estados Unidos e seus valores (este é mesmo um país de brancos, diz uma personagem ao ver Chance na TV), à comunicação de massa (eu não leio jornais, só vejo televisão, diz Chance) e à carência do ser humano que aceita qualquer coisa para se sentir melhor.

Melvyn Douglas e Peter Sellers em Muito Além do JardimBia Abramo, em um artigo da Folha de São Paulo, definiu a televisão como “de certa forma, avessa ao pensamento. O fluxo de imagens sem hierarquia, a linguagem que estabelece sua sintaxe pela alternância de sensações, a ausência de silêncios; tudo isso conspira contra o pensar. O que, aliás, é justamente um dos atrativos da televisão, ou seja, sua capacidade de amortecer o pensamento, fazer esquecer, alienar, é um dos principais motivos de sua enorme popularidade” (fonte). O que esperar, então, de um homem que foi criado pela televisão?

Ao contrário do meio de massa, o filme de Hal Ashby nos faz pensar. Cada cena, cada pseudo metáfora, cada frase ou atitude de Chance nos mostra a realidade da vida e como as pessoas são influenciáveis por aquilo que elas querem escutar. O roteiro é brilhante aos intercalar diversas pessoas comentando e descobrindo o jardineiro Chance como novo guru econômico americano. É nesses comentários e reações que percebemos aquilo que Ashby quis mostrar, principalmente no diálogo final: somos todos marionetes, resta saber até quando vamos viver nessa passividade.

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