A ficção baseada em fatos reais, narra a decisão de uma comunidade indígena de sair da reserva que lhe é destinada e voltar à terra de seus antepassados em uma tentativa de interromper uma série de suicídios que vêm ocorrendo entre os jovens índios. Segundo os mais velhos, aquela atitude se deve à perda da origem e dos universos sagrados. Os índios estão se descaracterizando e precisam retomar sua essência. O problema é que a terra de seus antepassados hoje é uma fazenda que já está na terceira geração de fazendeiros. Entra em choque a questão da terra, que é mais comum do que se pensa no interior deste nosso país.
Os índios perderam seu espaço e foram sendo encolhidos em reservas, tendo que se adaptar às leis de seus colonizadores. Hoje, muitas políticas para preservar as comunidades tradicionais são criadas, mas a questão é mais complexa e simbólica, como mostra o filme de Bechis. O mais interessante nesta construção é que não se fixa apenas em atores como Leonardo Medeiros na pele do fazendeiro ou Matheus Nachtergaele como um dono de um armazém e "gato" que transporta índios para trabalhos braçais em fazendas. Quem interpreta os índios são eles próprios, falando em sua língua original. O que dá uma sensação muito mais forte de realidade.
O roteiro é bem construído e a direção imparcial, expondo a situação da forma como ela é. Não há mocinhos, nem vilões. Ninguém ali é totalmente inocente. As atitudes de defesa de seus pontos de vista tornam a terra um bem sagrado que merece atenção. Todos estão com a razão. Ninguém roubou, nem quer roubar nada. Apenas o que lhe é de direito, cada um com seu argumento. A situação de miséria em que vivem os índios "reservados" é tocante, afinal como bóias-frias, trabalham de sol a sol por alguns trocados quando em sua origem viviam do que a terra lhes dava.
A trilha sonora é sutil ao misturar instrumentais que lembram O Guarani em algumas cenas com músicas regionais sempre que um carro está em movimento. Ouvimos "Esperando na janela", enquanto vemos o cacique Nádio e sua tribo negando mais uma oferta de sub-emprego e montando acampamento na cerca da fazenda que julgam ser sua.
O filme foca ainda um jovem índio com poderes premonitórios que começa a ser treinado para Xamã e precisa aprender a controlar os mistérios, porém sua ingenuidade e instintos adolescentes o fazem se desviar em vários momentos dos exercícios e rezas, sendo o fio condutor da história desde que encontra mais uma criança enforcada no mato até o desfecho emocionante.
Terra Vermelha é uma ficção muito bem realizada que trata de um problema tipicamente brasileiro. Construído de forma inteligente por não apelar para o didatismo e com mensagens sutis em cada cena. Dirigido por um estrangeiro, nos faz pensar o quanto o distanciamento do problema pode ser importante para melhor retratá-lo, sem defender bandeiras, nem procurar culpados, apenas expondo fatos que ainda são extremamente delicados.