A escolha pelos curtas baianos não foi totalmente bairrista, apesar de a maioria dos realizadores estarem presentes. Era uma oportunidade de conferir todos de uma vez, principalmente Carreto, que tem ganho alguns importantes prêmios como Gramado e Curtas de São Paulo. A sala foi enchendo aos poucos, a princípio sem muitas crianças e com a presença de quase todo o elenco de Capitães da Areia, filme que também aguardo com expectativas. Apesar de ter gostado de ver todos de uma vez na abertura do Festival, acredito que uma sugestão para dar mais espaço a eles seria colocar sempre um curta na abertura de cada sessão, pois o público em geral, tende a preferir escolher um longametragem a uma seleção de curtas. Falo um pouco de cada um dos curtas vistos para vocês.
Miúda e o Guarda Chuva - Brasil (2009)
Direção Amadeu Alban e Jorge Alencar.
Único representante baiano no AnimaTV, edital criado exclusivamente para séries de animação no Brasil. O filme da Santo Forte é muito bem realizado. Tanto que foi convidado para expor em o Festival Internacional du Film D’Animation de Annecy. Gosto, mas pessoalmente acho que o texto é muito filosófico para cair no gosto dos pequenos. Ele conta a história de Miúda, uma mulher solitária que alimenta uma planta carnívora com formigas. Pela sinopse da série, que tive a oportunidade de ler, as formigas resolvem se reunir para se vingar dessa matança, mas como curta-metragem, que seria o piloto da série, acabou não se explicando muito isso. Tanto que só percebemos no final que aquela dupla filosofando sobre as perspectivas da vida são duas formigas. As cenas dos dois, apesar de surreal e interessante, andam em paralelo com a apresentação de Miúda e a planta, acabando ficando quase desconectas. A própria mensagem no banco da praça fica solta. A animação é formada nos detalhes. Algumas referências nos potes da formiga como o quadro O Grito e a escultura O Pensador, são impossíveis das crianças compreenderem, mas enriquecem a história. Apesar da grande qualidade, acho que ficou longe do público-alvo e foi o que menos empolgou na sessão.
Doido Lelé - Brasil (2009)
Direção Ceci Alves
Já tinha ouvido falar desse curta, mas não tinha tido a oportunidade de conferir. Gostei muito, a música que é a base do filme ainda está em minha cabeça e deve permancer por muito tempo. Leopoldo Caetano é um garoto que sonha em ser cantor. Já foi diversas vezes a um programa de calouros na rádio para cantar sua música preferida: Coração Materno, sempre sendo desclassificado ao coro de risadas e vaias. Até que ele resolve assumir que é doido, já que todo mundo diz isso e apresenta uma canção de autoria própria: Doido Lelé. A música na verdade é de autoria de Gerônimo Santana, artista famoso da terra. É muito gostoso de assistir, principalmente pela organização do roteiro, montagem e escolhas de direção. A força do filme é a vontade de Lelé e o final é surpreendentemente forte. Diverte as crianças pela música, mas serve para adultos pensarem.
Já tinha conferido esse curta em sua pré-estreia, mas foi divertido rever. Baseado no livro de Lilian Gramacho não é um filme infantil, mas adolescente. Camila é uma garota de 13 anos com todas as dúvidas e traumas de adolescente, principalmente por se achar "esquisita". Ela é o protótipo da "loser". Tudo que acontece em sua vida é "sem condições". A paixonite pelo garoto da turma que acaba namorando a melhor amiga, o irmão pentelho, a mestruação no momento errado, a descoberta do amor. O mais legal desse curta-metragem é a edição e interferências gráficas nas passagens de cenário. Camila que sai do carro e já entra em seu quarto. Ela e a amiga conversando no telefone com as telas divididas, mas que interagem. Há também referências a ícones de computador e sites e a mensagens pelo celular. O universo infanto-juvenil está muito bem representado. Os atores também são leves e naturais, apenas a protagonista deixa a desejar em sua interpretação, mas talvez a gente acabe não simpatizando com ela porque a construção da personagem é para ser sem graça. Quem rouba a cena mesmo é o ator que faz seu irmão caçula, uma verdadeira figura.
Premiado no 38º Festival de Gramado (melhor filme e roteiro), um dos dez melhores curtas do 21º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, Melhor Roteiro no Festival ENTRETODOS e com uma bela trajetória ainda pela frente, já que continua sendo exibido em Festivais, Carreto é mesmo um belo e sensível filme. O roteiro é de uma poesia ímpar e a direção acompanha de forma muito eficiente a história. É a trama de Tinho, que vive de transportar marisco e cajus em seu carrinho de mão, e Stephanie, uma garotinha alegre e pura, mas com uma deficiência nas pernas. A construção dessa amizade e o esforço de Tinho para ajudar a garotinha a se locomover é tocante. Pura poesia que envolve e emociona a todos, mesmo que os pequenos não consigam ainda compreender a profundidade dos gestos. Merece todo o destaque que tem recebido.