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Senna, o herói do povo

Ayrton Senna“Triste do povo que precisa de heróis” disse uma vez Bertold Brecht. Ao ver jovens, velhos e crianças falando que Senna era a única coisa boa no Brasil naquela época ficamos com os olhos cheios de lágrimas e entendemos a profundidade dessa frase. Mas, ao sair da sala de cinema, a nostalgia nos contagia de uma forma que não conseguimos pensar direito. Ao ver um inglês, o diretor Asif Kapadia, e um indiano, o roteirista Manish Pandey, prestarem a melhor homenagem ao piloto, não resta dúvidas. Triste da humanidade porque Senna foi o herói do mundo inteiro, principalmente dos japoneses. O documentário que chega amanhã aos cinemas através da Working Title em associação com Midfield Films é emocionante e muito bem construído.

Alain Prost e Ayrton SennaO filme constrói muito bem esse herói em um roteiro brilhante que nos faz ficar tensos à medida em que aquele fatídico 01 de maio de 1994 vai se aproximando. Sem apelação, sem sensacionalismo, apenas contando uma história que, de tão bem feita, parece mentira. O documentário tem uma linguagem moderna, sem um narrador em voz over, composta apenas por imagens de arquivo e alguns depoimentos que entram em off a medida que a trama vai se desenrolando. Achei isso muito interessante. Não ter pessoas em estúdio falando para câmera aumenta a sensação do real. Não há quebras. Tudo vai sendo passado de forma orgânica.

Cartaz SennaAs imagens de arquivo são diversas. As cenas das transmissões das corridas são pontuais com direito a Galvão Bueno e Reginaldo Leme narrando em alguns momentos e, em outros, narradores internacionais, principalmente da ESPN. Aliás, Galvão é o que menos aparece e nem sequer dá depoimentos. Uma falha que achei foi o tema da vitória só ter aparecido uma única vez, mas aí é compreensível já que é um documentário dirigido por um inglês. Só um brasileiro compreende a função da música da Rede Globo no nosso inconsciente. Há ainda imagens de arquivo pessoal da família Senna, programas de televisão diversos e gravações da FIA das reuniões dos pilotos.

Outra coisa que chama a atenção dos brasileiros é a quase ausência de Nelson Piquet nessa história. Ele só aparece em um take rápido na reunião dos pilotos provocando sobre o polêmico título de 89. A trama se centra mesmo na disputa entre Senna e Prost. Barrichello também aparece e chega a ser irônico Galvão Bueno se referir a Senna e a ele como o atual campeão e o futuro campeão. Xuxa e Galisteu também estão presentes em imagens de arquivo, assim como duas moças desconhecidas que aparecem em momentos diferentes ao lado de Senna. Afastando qualquer menção a uma possível homossexualidade do piloto que os críticos adoravam insinuar.

Ayrton Senna na WilliamsA forma como a política é construída na Fórmula 1, o prestígio de Alan Prost, a ingenuidade inicial de Senna, a forma como foi marcado, seu ímpeto de ultrapassagens perigosas, tudo é construído de uma forma quase cartesiana. É interessante também ver o surgimento da potência da Williams com seus super carros e o contrato de Prost exigindo distância de Senna e a forma como o piloto vai se desgostando disso. Mais interessante ainda é perceber que quando finalmente Prost se aposenta e Senna assume o carro da Williams, a Fórmula 1 muda. E o ano de 94 é totalmente frustante em uma luta pelo acerto de um carro em pedaços. Tudo isso, graças ao roteiro que sabe exatamente onde colocar cada informação.

O que fica é a imagem de um homem especial. Um guerreiro que queria vencer pelo talento, longe das politicagens da Fórmula 1, sem as trapaças dos jogos de interesses. Um herói. Ayrton Senna, definitivamente, o herói do povo. Levem lenços para enxugar as lágrimas, pois elas são inevitáveis em alguns momentos.

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