
Foi com Georges Méliès que o cinema ganhou vida, pois tanto Thomas Edison quanto os irmãos Lumière eram cientistas mais preocupados com o invento em si do que com o que fazer com ele. Méliès passou a entreter platéias com suas histórias fictícias e o mundo passou a seguir esse formato. Mas ainda não existia essa idéia de ficção e documentário. Foi em 1926, após assistir Nanook, o Esquimó (Nanook of the North) de Robert J. Flaherty, que John Greison fez a distinção do termo pela primeira vez. Ele resolve, então, criar a escola inglesa de documentário em Londres, onde diversos cineastas aprimoraram o formato. Coincidentemente, essa época foi a mesma em que o som chega aos cinemas, com câmeras de som direto, o formato acaba sendo melhor desenvolvido.

Bom, mas esse resumo de história foi para analisar um fato interessante. O primeiro documentário, Nanook, tem muito de ficção. Robert J. Flaherty era um explorador, um geólogo. Foi ao extremo norte explorar e conhecer a civilização local. Resolveu levar uma câmera junto. Voltou, apresentou seu projeto e poucos se interessaram. Por sorte, o filme pegou fogo. Flaherty resolveu voltar então, ao norte para refazer o filme perdido. Muita coisa teve que ser refeita de forma falsa, ensaiada. Algumas foram manipuladas para deixar Nanook mais selvagem. Por exemplo, os esquimós já usaram arma de fogo, mas Flaherty fez Nanook caçar com uma lança. A própria cena inicial com a família saindo da canoa já demonstra que há montagem.

Mas, isso não importava tanto, pois, como já foi dito não existia o termo documentário, quanto mais as regras. O que chamou a atenção no filme de Flaherty foi o fato de contar a história de uma pessoa real e comum. O ser comum não tinha voz no cinema, eram feitos documentários de políticos ou pessoas famosas. Trazer o comum para o primeiro plano era um diferencial que tornava o gênero algo especial. Essa é a essência do documentário. Foi nas ruas de Paris, entrevistando pessoas comuns que Jean Rouch e Edgar Morin criaram seu filme marco. E em um hospital prisão, que Frederick Wiseman criou o seu.

Como disse Rouch ao ser criticado que não existia cinema verdade, pois ao ligar a câmera a pessoa muda, "Não é a verdade no cinema, mas a verdade do cinema". Isso é o mais importante, porque não dá para saber mesmo o que é real e o que é ficção. Foi isso que Coutinho quis mostrar em seu filme Jogo de Cena. Ao colocar atrizes e mulheres reais na tela dando depoimento, ele mostrou esse jogo de verdade e mentira de uma forma profunda. Afinal, quem somos nós para definir o que ali é verdade ou encenação? Mesmo nas atrizes famosas, o quanto de suas verdades passaram ao declamar o texto? Ou depois, na explicação?
Verdade ou mentira, documentário é gênero cinematográfico. Existem diversas formas de fazê-lo, e alguns padrões que já foram adotados, principalmente pelo costume que passamos a ter de assistir tele-reportagens onde um narrador apresenta o tema, depoimentos são colhidos e alguns inserts ilustram as falas. Isso é apenas um tipo de documentário. E que, sinceramente, é o que acho menos interessante.
*Dedico esse texto ao professor José Serafim, que me passou seus conhecimentos nas três oportunidades que fui sua aluna nas Pós de Roteiro e de Cinema. A fonte para construir esse texto foram as lembranças da aula e meu caderno de anotações.