Um Lugar Qualquer
Ainda lembro da minha primeira aula de roteiro cinematográfico no já distante ano de 2001, quando o professor começou sua explanação, dizendo que o fundamental de qualquer roteiro é o conflito. O roteiro é tão bom quanto for o conflito apresentado. Ele ainda afirmou que todo filme é sobre alguém em busca de algo. E que esse algo nunca pode ser fácil demais, nem considerado impossível, pois ambos perdem a graça. Bom, toda essa introdução é apenas para dizer que o filme de Sofia Coppola, que finalmente estreou em Salvador e que já estava esperando vê-lo apenas em DVD, não tem absolutamente conflito nenhum. A sinopse para imprensa tem mais conflito que o que vemos na tela. Isso seria um erro? A meu ver, não. O que não quer dizer que meu antigo professor esteja errado. Apenas que as regras estão aí para serem quebradas e quando isso é bem feito, pode gerar uma bela obra.
Durante noventa e oito minutos acompanhamos a rotina de Johnny Marco, ator de Hollywood, com uma péssima reputação com as mulheres que se recupera no famoso hotel Chateau Marmont de um acidente de filmagens, enquanto participa das ações de divulgação do filme e tem que cuidar de sua filha de onze anos que passa a visitá-lo com mais frequência por causa de um afastamento temporário da mãe. Nada disso, no entanto, tem um drama clássico, um plot, um ponto de virada que justifica a história narrada. Tem menos dramatização nessa obra do que nas edições do Big Brother. Poderíamos dizer que Sofia Coppola quis simular um verdadeiro reality show.
Por que não acho isso ruim? Porque foi obviamente uma intenção clara de fazer isso e não um erro de roteiro, ou algo parecido. Um experimento. A ausência de conflito vem do verdadeiro conflito interior do protagonista, em sua vida onde não vê nenhum sentido ou estímulo para nada. Isso está claro não apenas na construção narrativa com ausência de viradas como nas escolhas da direção. Planos muito longos, onde vemos, por exemplo, as strippers dançando a música completa enquanto Marco está deitado na cama com sua expressão de tédio. Ou quando vemos os longos passeios dentro da Ferrari preta que ele ostenta pelas ruas de Los Angeles. Em um momento de ironia, Sofia ainda faz uma cena da Ferrari quebrando e precisando de socorro. Há humor em muitos momentos, como na viagem a Itália, com toda a festa que os italianos fazem para o astro hollywoodiano. E há um momento de grande tensão quando Marco vai fazer o molde de uma maquiagem de rosto. O tempo que a câmera fica parada em close naquele rosto coberto é incrivelmente incômodo.
Stephen Dorff nos convence como esse astro quase supérfluo, frívolo em sua vida fútil de acordar, dormir, pegar uma mulher diferente a cada dia, comer, beber, passear. O filme é isso. Uma espécie de fábula do pobre menino rico que não tem nenhum motivo para continuar acordando todos os dias. Ele apenas vai sendo levado. Mas o interessante de Sofia Coppola é que ela consegue fazer com que esses bastidores de Hollywood acabem nos sendo tão familiares ao tratar dessa falta de sentido para vida, essa busca por realizações pessoais que não estão muito bem definidas. Nos vemos em Marco muitas vezes, por mais distante que seja de nossa realidade. A relação com a filha também é muito interessante, ajudando na identificação. Quem não gostaria de passar a noite tomando sorvete junto com o pai e assistindo Friends? Mesmo que seja dublado em italiano.
Um Lugar Qualquer é um filme com uma proposta interessante e bastante feliz em sua condução, apesar de não ser para todos. É daquelas obras que incomoda a quem espera por uma trama tradicional.
Um Lugar Qualquer: (Somewhere: 2010 / EUA)
Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Com: Stephen Dorff, Elle Fanning, Chris Pontius, Caitlin Keats.
Duração: 98 min
Durante noventa e oito minutos acompanhamos a rotina de Johnny Marco, ator de Hollywood, com uma péssima reputação com as mulheres que se recupera no famoso hotel Chateau Marmont de um acidente de filmagens, enquanto participa das ações de divulgação do filme e tem que cuidar de sua filha de onze anos que passa a visitá-lo com mais frequência por causa de um afastamento temporário da mãe. Nada disso, no entanto, tem um drama clássico, um plot, um ponto de virada que justifica a história narrada. Tem menos dramatização nessa obra do que nas edições do Big Brother. Poderíamos dizer que Sofia Coppola quis simular um verdadeiro reality show.
Por que não acho isso ruim? Porque foi obviamente uma intenção clara de fazer isso e não um erro de roteiro, ou algo parecido. Um experimento. A ausência de conflito vem do verdadeiro conflito interior do protagonista, em sua vida onde não vê nenhum sentido ou estímulo para nada. Isso está claro não apenas na construção narrativa com ausência de viradas como nas escolhas da direção. Planos muito longos, onde vemos, por exemplo, as strippers dançando a música completa enquanto Marco está deitado na cama com sua expressão de tédio. Ou quando vemos os longos passeios dentro da Ferrari preta que ele ostenta pelas ruas de Los Angeles. Em um momento de ironia, Sofia ainda faz uma cena da Ferrari quebrando e precisando de socorro. Há humor em muitos momentos, como na viagem a Itália, com toda a festa que os italianos fazem para o astro hollywoodiano. E há um momento de grande tensão quando Marco vai fazer o molde de uma maquiagem de rosto. O tempo que a câmera fica parada em close naquele rosto coberto é incrivelmente incômodo.
Stephen Dorff nos convence como esse astro quase supérfluo, frívolo em sua vida fútil de acordar, dormir, pegar uma mulher diferente a cada dia, comer, beber, passear. O filme é isso. Uma espécie de fábula do pobre menino rico que não tem nenhum motivo para continuar acordando todos os dias. Ele apenas vai sendo levado. Mas o interessante de Sofia Coppola é que ela consegue fazer com que esses bastidores de Hollywood acabem nos sendo tão familiares ao tratar dessa falta de sentido para vida, essa busca por realizações pessoais que não estão muito bem definidas. Nos vemos em Marco muitas vezes, por mais distante que seja de nossa realidade. A relação com a filha também é muito interessante, ajudando na identificação. Quem não gostaria de passar a noite tomando sorvete junto com o pai e assistindo Friends? Mesmo que seja dublado em italiano.
Um Lugar Qualquer é um filme com uma proposta interessante e bastante feliz em sua condução, apesar de não ser para todos. É daquelas obras que incomoda a quem espera por uma trama tradicional.
Um Lugar Qualquer: (Somewhere: 2010 / EUA)
Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Com: Stephen Dorff, Elle Fanning, Chris Pontius, Caitlin Keats.
Duração: 98 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Um Lugar Qualquer
2011-03-26T11:33:00-03:00
Amanda Aouad
critica|drama|Sofia Coppola|
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