Bagdad Café
Em 1987, Percy Adlon nos brindou com uma das histórias de amizade mais inusitadas e belas que conheço. Duas vidas completamentes diferentes. Dois mundos, duas realidades, dois quadros de referências. Jasmin e Brenda à primeira vista jamais poderiam conviver por muito tempo. Mas, aos poucos, vão percebendo que são mais parecidas do que imaginavam. É lindo acompanhar a trajetória de encontro de duas almas.
Jasmin é uma alemã que está viajando pelos Estados Unidos junto a seu marido. Em determinado ponto da estrada os dois brigam e ela vai embora caminhando até o posto-motel Bagdá Café. A proprietária do local é Brenda, uma mulher rude, que parece estar irritada com o mundo, principalmente com seu marido que está sempre esquecendo suas obrigações. Ao pedir um quarto, Jasmin é maltratada e mal recebida por Brenda que quer ver aquela estranha longe dali o quanto antes, mas ela vai conseguir se impor aos poucos.
O encontro das duas já demonstra toda a tensão de dois mundos diferentes, mas que no fundo são iguais. Ambas acabaram de discutir com o marido, estão irritadas, cansadas, tristes, sozinhas. Cada uma de sua forma. Brenda, sentada em sua cadeira, buscando um milagre para sua vida. Jasmin chegando suada, com sua roupa alemã típica e uma mala nas mãos. Elas se olham, Jasmin em pé, Brenda sentada. A aparente superioridade de Jasmim é constrastada por sua postura frágil diante daquela mulher forte que demonstra ser Brenda. Jasmim ainda imagina uma cena estereotipada preconceituosa de canibais a cozinhando em uma grande panela, por Brenda ser negra. O choque cultural também é visível. Mas, mesmo com tanta agressividade, vislumbramos ali uma possibilidade para ambas.
Essa possibilidade se concretiza com o tempo. A cada momento, a distância entre elas vai diminuindo. Jasmin tem uma aparência interna frágil, feminina, apesar de seu exterior ser bem estereotipado da alemã pesadona com roupas masculinas. Tanto que ela vai se despindo aos poucos no filme. Mas, ela não é uma madame fresca. Não tem medo de trabalho, limpa seu quarto e resolve limpar também o escritório e bar de Brenda, dando outra vida àquele local aparentemente abandonado. Brenda, por sua vez, é aquela máscara de mulher forte. Tem que administrar o negócio, tomar conta dos dois filhos, do neto e dos hóspedes. Vive no caos interno e não tinha idéia do quanto esperava por alguém que cuidasse dela. Tanto que ela esbraveja a cada atitude de Jasmin, mas vai cedendo aos poucos.
A cada passo que Jasmin dá, ela ocupa um pouco mais de espaço naquela família. Ela que parecia frágil e assustada acaba demonstrando ser a mais forte, a que toma as rédeas e reestrutura o local. Enquanto que Brenda que antes parecia forte e agressiva, na verdade era apenas um cão ladrando para afugentar os perigos. Ao ser cuidada por Jasmin demonstra também sua fragilidade, doçura e simpatia. As duas se completam. Uma precisa da outra para sobreviver naquele mundo adverso. Esse encontro de almas é emocionante. As duas atrizes conseguem construir o movimento de junção aos poucos de uma forma muito harmônica, natural. Tudo está claro na entonação da voz, na postura corporal, nas expressões faciais, no figurino utilizado. São dois livros abertos que adoramos decifrar.
A transformação de Jasmin ainda é simbolizada na pintura do personagem Rudi Cox, vivido por Jack Palance. Ao posar para ele, Jasmin começa com a roupa que apareceu no filme pela primeira vez, com o traje folclórico alemão, com direito a colete e chapeuzinho. A cada sessão de pintura ela tira um elemento até ficar completamente nua. É uma personagem se desnudando em nossa frente, de corpo e alma.
Bagdad Café é um marco, mesmo que não tenha sido premiado em nenhum festival da época. Sua música tema, concorrente ao Oscar de melhor canção fica em nossa mente, reflete uma melancolia e paixão ao mesmo tempo. Uma obra encantadora que não canso de assistir.
Bagdad Café (Bagdad Cafe: 1987 / Alemanha Ocidental)
Direção: Percy Adlon
Roteiro: Eleonore Adlon, Percy Adlon e Christopher Doherty
Com: Marianne Sägebrecht, CCH Pounder (Brenda), Jack Palance, Christine Kaufmann, Monica Calhoun.
Duração: 91 min
Jasmin é uma alemã que está viajando pelos Estados Unidos junto a seu marido. Em determinado ponto da estrada os dois brigam e ela vai embora caminhando até o posto-motel Bagdá Café. A proprietária do local é Brenda, uma mulher rude, que parece estar irritada com o mundo, principalmente com seu marido que está sempre esquecendo suas obrigações. Ao pedir um quarto, Jasmin é maltratada e mal recebida por Brenda que quer ver aquela estranha longe dali o quanto antes, mas ela vai conseguir se impor aos poucos.
O encontro das duas já demonstra toda a tensão de dois mundos diferentes, mas que no fundo são iguais. Ambas acabaram de discutir com o marido, estão irritadas, cansadas, tristes, sozinhas. Cada uma de sua forma. Brenda, sentada em sua cadeira, buscando um milagre para sua vida. Jasmin chegando suada, com sua roupa alemã típica e uma mala nas mãos. Elas se olham, Jasmin em pé, Brenda sentada. A aparente superioridade de Jasmim é constrastada por sua postura frágil diante daquela mulher forte que demonstra ser Brenda. Jasmim ainda imagina uma cena estereotipada preconceituosa de canibais a cozinhando em uma grande panela, por Brenda ser negra. O choque cultural também é visível. Mas, mesmo com tanta agressividade, vislumbramos ali uma possibilidade para ambas.
Essa possibilidade se concretiza com o tempo. A cada momento, a distância entre elas vai diminuindo. Jasmin tem uma aparência interna frágil, feminina, apesar de seu exterior ser bem estereotipado da alemã pesadona com roupas masculinas. Tanto que ela vai se despindo aos poucos no filme. Mas, ela não é uma madame fresca. Não tem medo de trabalho, limpa seu quarto e resolve limpar também o escritório e bar de Brenda, dando outra vida àquele local aparentemente abandonado. Brenda, por sua vez, é aquela máscara de mulher forte. Tem que administrar o negócio, tomar conta dos dois filhos, do neto e dos hóspedes. Vive no caos interno e não tinha idéia do quanto esperava por alguém que cuidasse dela. Tanto que ela esbraveja a cada atitude de Jasmin, mas vai cedendo aos poucos.
A cada passo que Jasmin dá, ela ocupa um pouco mais de espaço naquela família. Ela que parecia frágil e assustada acaba demonstrando ser a mais forte, a que toma as rédeas e reestrutura o local. Enquanto que Brenda que antes parecia forte e agressiva, na verdade era apenas um cão ladrando para afugentar os perigos. Ao ser cuidada por Jasmin demonstra também sua fragilidade, doçura e simpatia. As duas se completam. Uma precisa da outra para sobreviver naquele mundo adverso. Esse encontro de almas é emocionante. As duas atrizes conseguem construir o movimento de junção aos poucos de uma forma muito harmônica, natural. Tudo está claro na entonação da voz, na postura corporal, nas expressões faciais, no figurino utilizado. São dois livros abertos que adoramos decifrar.
A transformação de Jasmin ainda é simbolizada na pintura do personagem Rudi Cox, vivido por Jack Palance. Ao posar para ele, Jasmin começa com a roupa que apareceu no filme pela primeira vez, com o traje folclórico alemão, com direito a colete e chapeuzinho. A cada sessão de pintura ela tira um elemento até ficar completamente nua. É uma personagem se desnudando em nossa frente, de corpo e alma.
Bagdad Café é um marco, mesmo que não tenha sido premiado em nenhum festival da época. Sua música tema, concorrente ao Oscar de melhor canção fica em nossa mente, reflete uma melancolia e paixão ao mesmo tempo. Uma obra encantadora que não canso de assistir.
Bagdad Café (Bagdad Cafe: 1987 / Alemanha Ocidental)
Direção: Percy Adlon
Roteiro: Eleonore Adlon, Percy Adlon e Christopher Doherty
Com: Marianne Sägebrecht, CCH Pounder (Brenda), Jack Palance, Christine Kaufmann, Monica Calhoun.
Duração: 91 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Bagdad Café
2011-04-30T09:25:00-03:00
Amanda Aouad
critica|cult|drama|Jack Palance|
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