A Garota da Capa Vermelha
Chapeuzinho Vermelho é uma das fábulas dos irmãos Grimm mais cantadas em verso e prosa. Está em livros infantis, em histórias da turma da Mônica, na paródia Deu a Louca na Chapeuzinho, nas músicas que vão da bossa nova ao pagode, ou seja, no imaginário popular. A garotinha que passeia pela estrada afora com uma capinha vermelha e uma cesta de doces até a casa da vovozinha e encontra um lobo no caminho tem vários significados simbólicos para psicanálise. Misturando um pouco de tudo isso e trazendo a trama para um mundo mais realista, o roteirista David Johnson criou um universo dark, completamente denso e focado no suspense. Mas, mesmo com sua experiência pelo roteiro de A Órfã, algo ficou faltando nessa obra que além de cair no lugar comum, acaba sendo frágil em vários momentos.
Semelhanças com o conto dos irmãos Grimm há muitas. Existe mesmo uma floresta e uma vovozinha que vive isolada nela. Há uma vila, onde a família dessa vovó vive, e uma menina, um pouco mais crescida aqui, já uma jovem chamada Valerie, que logo vai ganhar sua capa vermelha. E há a ameaça de um lobo. Só que aqui não é um lobo mau qualquer e sim um lobisomem. Qualquer semelhança com a Saga Crepúsculo não é mera coincidência, já que a diretora do filme é Catherine Hardwicke, responsável pelo primeiro capítulo da série. Outras semelhanças com Crepúsculo estão no triângulo amoroso jovem e no fato de Billy Burke interpretar o pai da mocinha. Esquecendo isso, a trama é centrada na vila de Daggerhorn, que há anos tenta manter uma trégua tensa com esse lobisomem, oferecendo um animal a cada lua cheia para saciar sua fome. Porém, a trégua tem fim com a morte da irmã mais velha de Valerie e o padre Solomon é chamado para resolver o problema.
O suspense é mantido durante todo o filme. Primeiro, a tensão é focada em como caçar o lobo. Com a chegada do padre, o foco se vira para quem é o lobisomem. Principalmente com a informação de que estamos vivendo na época da Lua Sangrenta, fato que só acontece de treze em treze anos e quando uma mordida do lobisomem significa uma transformação. Só que o roteiro insiste em centrar a questão em Valerie e seu triângulo amoroso com o lenhador Peter, sua paixão, e Henry, o herdeiro da família mais rica da cidade, seu noivo por acerto familiar. Melhor seria se trabalhasse melhor o fato dela ser a vítima perfeita que tem alguma ligação com o tal animal. Pois a questão do lobo e o suspense de quem seria o bicho, se enfraquece ao insistir em jogar pistas de que seria um dos dois rapazes. Com isso não digo que não seja um dos dois, ou que seja, apenas que diminui o quadro dos suspeitos quando o padre pergunta "Quem te desejaria, Valerie?" Em contraponto, temos a construção da avó, como uma mulher excêntrica, nos dando sempre indícios de atitudes estranhas a cada lua cheia.
A fotografia do filme é propositadamente escura. Vemos pouco da luz do sol, mesmo durante o dia. O tom é sempre cinza e branco, imaginem o contraste que a tal capa vermelha constrói nesse cenário. Valerie é um verdadeiro alvo, a donzela pura que se perde, é tocada pelo sangue. Isso que poderia ser uma construção belíssima acaba sendo óbvia e mesmo pobre. Interessante perceber que, apenas na cena em que o padre Solomon chega à vila, temos a fotografia mais clara de toda a projeção. O cabelo dele chega a brilhar com o halo dourado. É a luz que chega àquelas pessoas, trazendo o esclarecimento sobre o inimigo que estão prestes a enfrentar. Essa luz, no entanto, logo se apaga com o maniqueísmo exagerado do padre que interpreta os fatos como bem e mal simplesmente, sem dar margem às nuanças da humanidade.
Ao mesmo tempo, esse padre tão duro e firme em seu julgamento pode ser visto comendo carne quase crua, em uma cena bem animalesca. Não há nuanças nele, é um personagem extremamente raso. O padre Solomon se torna interessante apenas pela interpretação de Gary Oldman, sempre surpreendente. Junto com Julie Christie, que faz a vovozinha, é o grande destaque do elenco. Amanda Seyfried também defende bem a sua Valerie, mas o mesmo não podemos dizer dos demais atores jovens. Há um certo ar de imediatismo em suas interpretações, não vemos nuanças de emoções. O próprio suspense se perde em algumas reações absurdas.
A desconfiança sobre a identidade do lobo poderia ser melhor explorada no roteiro e na direção. Principalmente após a revelação do padre de que poderia ser qualquer um ao contar da morte de sua esposa. Mas, como já foi dito, ao colocar Valerie no centro da trama o foco começa a se fechar, ainda mais com a insistência de nos dar indícios de suspeitos. É aquela velha fórmula de colocar todos em atitudes estranhas para que desconfiemos e depois não temos idéia do porquê daquela atitude já que era inocente. Outro recurso fácil do suspense é a câmera subjetiva do monstro. A todo momento vemos alguém observando Valerie por trás de um galho, de uma árvore, de uma brecha na parede. Fico me perguntando se isso ainda causa tanto temor quanto antes, ainda mais se usado com tanta frequência.
Não digo que A Garota da Capa Vermelha seja um filme ruim. Talvez apenas abuse de clichês e fórmulas do gênero, tornando-o raso, sem construir algum efeito melhor realizado. Ainda assim, faz uma adaptação interessante da fábula de Chapeuzinho, principalmente, repito, se olharmos pela visão da psicanálise. Tinha potencial de surpreender, construindo uma grande obra sobre a psiquê humana, seus medos mais internos e desejos mais escondidos. Não precisava, no entanto, se perder em meio aos caminhos fáceis que o tornam apenas uma obra mediana.
A Garota da Capa Vermelha (Red Riding Hood: 2011 / EUA, Canadá)
Direção: Catherine Hardwicke
Roteiro: David Johnson
Com: Amanda Seyfried, Shiloh Fernandez, Max Irons, Gary Oldman.
Duração: 100 min
Semelhanças com o conto dos irmãos Grimm há muitas. Existe mesmo uma floresta e uma vovozinha que vive isolada nela. Há uma vila, onde a família dessa vovó vive, e uma menina, um pouco mais crescida aqui, já uma jovem chamada Valerie, que logo vai ganhar sua capa vermelha. E há a ameaça de um lobo. Só que aqui não é um lobo mau qualquer e sim um lobisomem. Qualquer semelhança com a Saga Crepúsculo não é mera coincidência, já que a diretora do filme é Catherine Hardwicke, responsável pelo primeiro capítulo da série. Outras semelhanças com Crepúsculo estão no triângulo amoroso jovem e no fato de Billy Burke interpretar o pai da mocinha. Esquecendo isso, a trama é centrada na vila de Daggerhorn, que há anos tenta manter uma trégua tensa com esse lobisomem, oferecendo um animal a cada lua cheia para saciar sua fome. Porém, a trégua tem fim com a morte da irmã mais velha de Valerie e o padre Solomon é chamado para resolver o problema.
O suspense é mantido durante todo o filme. Primeiro, a tensão é focada em como caçar o lobo. Com a chegada do padre, o foco se vira para quem é o lobisomem. Principalmente com a informação de que estamos vivendo na época da Lua Sangrenta, fato que só acontece de treze em treze anos e quando uma mordida do lobisomem significa uma transformação. Só que o roteiro insiste em centrar a questão em Valerie e seu triângulo amoroso com o lenhador Peter, sua paixão, e Henry, o herdeiro da família mais rica da cidade, seu noivo por acerto familiar. Melhor seria se trabalhasse melhor o fato dela ser a vítima perfeita que tem alguma ligação com o tal animal. Pois a questão do lobo e o suspense de quem seria o bicho, se enfraquece ao insistir em jogar pistas de que seria um dos dois rapazes. Com isso não digo que não seja um dos dois, ou que seja, apenas que diminui o quadro dos suspeitos quando o padre pergunta "Quem te desejaria, Valerie?" Em contraponto, temos a construção da avó, como uma mulher excêntrica, nos dando sempre indícios de atitudes estranhas a cada lua cheia.
A fotografia do filme é propositadamente escura. Vemos pouco da luz do sol, mesmo durante o dia. O tom é sempre cinza e branco, imaginem o contraste que a tal capa vermelha constrói nesse cenário. Valerie é um verdadeiro alvo, a donzela pura que se perde, é tocada pelo sangue. Isso que poderia ser uma construção belíssima acaba sendo óbvia e mesmo pobre. Interessante perceber que, apenas na cena em que o padre Solomon chega à vila, temos a fotografia mais clara de toda a projeção. O cabelo dele chega a brilhar com o halo dourado. É a luz que chega àquelas pessoas, trazendo o esclarecimento sobre o inimigo que estão prestes a enfrentar. Essa luz, no entanto, logo se apaga com o maniqueísmo exagerado do padre que interpreta os fatos como bem e mal simplesmente, sem dar margem às nuanças da humanidade.
Ao mesmo tempo, esse padre tão duro e firme em seu julgamento pode ser visto comendo carne quase crua, em uma cena bem animalesca. Não há nuanças nele, é um personagem extremamente raso. O padre Solomon se torna interessante apenas pela interpretação de Gary Oldman, sempre surpreendente. Junto com Julie Christie, que faz a vovozinha, é o grande destaque do elenco. Amanda Seyfried também defende bem a sua Valerie, mas o mesmo não podemos dizer dos demais atores jovens. Há um certo ar de imediatismo em suas interpretações, não vemos nuanças de emoções. O próprio suspense se perde em algumas reações absurdas.
A desconfiança sobre a identidade do lobo poderia ser melhor explorada no roteiro e na direção. Principalmente após a revelação do padre de que poderia ser qualquer um ao contar da morte de sua esposa. Mas, como já foi dito, ao colocar Valerie no centro da trama o foco começa a se fechar, ainda mais com a insistência de nos dar indícios de suspeitos. É aquela velha fórmula de colocar todos em atitudes estranhas para que desconfiemos e depois não temos idéia do porquê daquela atitude já que era inocente. Outro recurso fácil do suspense é a câmera subjetiva do monstro. A todo momento vemos alguém observando Valerie por trás de um galho, de uma árvore, de uma brecha na parede. Fico me perguntando se isso ainda causa tanto temor quanto antes, ainda mais se usado com tanta frequência.
Não digo que A Garota da Capa Vermelha seja um filme ruim. Talvez apenas abuse de clichês e fórmulas do gênero, tornando-o raso, sem construir algum efeito melhor realizado. Ainda assim, faz uma adaptação interessante da fábula de Chapeuzinho, principalmente, repito, se olharmos pela visão da psicanálise. Tinha potencial de surpreender, construindo uma grande obra sobre a psiquê humana, seus medos mais internos e desejos mais escondidos. Não precisava, no entanto, se perder em meio aos caminhos fáceis que o tornam apenas uma obra mediana.
A Garota da Capa Vermelha (Red Riding Hood: 2011 / EUA, Canadá)
Direção: Catherine Hardwicke
Roteiro: David Johnson
Com: Amanda Seyfried, Shiloh Fernandez, Max Irons, Gary Oldman.
Duração: 100 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A Garota da Capa Vermelha
2011-04-20T10:12:00-03:00
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