Que mais posso querer
O título do filme de Sílvio Soldini, de Pão e Tulipas, não deixa de ser interessante. Afinal, é da nossa natureza querer sempre mais. Não há vida sem objetivo, sem algo a ser almejado, desejado. Então, mesmo uma pessoa feliz ainda tem que querer algo, ou morre de tédio. O problema do longametragem Que mais posso querer é que daria para fazer teses sobre o título, mas pouco há para se falar da história em si. Nem tanto por sua estrutura frágil escrita a seis mãos, mas pela forma já conhecida e repetitiva com que conduz a trajetória de sua protagonista.
Anna é o que podemos chamar de uma mulher realizada. Contadora, com uma vida financeira estabelecida, uma família unida, amigos ao redor, casada com um homem bom que a trata com todo carinho e respeito, com o qual está pensando em ter um filho. Que mais que ela poderia querer, não é mesmo? O problema é que, antes que ela mesma se pergunte isso, bate à sua porta o sedutor Domenico, e uma conversa rápida serve para virar sua cabeça. Vale ressaltar que Anna não é seduzida. Ela toma a iniciativa convidando-o para um café e o levando para o seu escritório que estaria vazio. A partir daí, sua vida se transforma em um caso cheio de paixão.
Sim, uma vida certinha demais pode cansar, mas Anna poderia pelo menos ter demonstrado um pouco desse cansaço antes de simplesmente ligar para Domenico, não? O início do filme possui um clima de harmonia incrível. Está nos cenários, nas cores, na textura e trilha sonora. A grande ação é o nascimento da sobrinha de Anna, parto que ela acompanha passo a passo. Depois dessa experiência, ela solta uma frase filosófica de "Nascer é violento", mas isso quase passa despercebido, já que logo depois ela conversa com o marido Alessio sobre parar de tomar a pílula. Domenico entra em sua vida quase de para-quedas, é a pitada de paixão que faltava naquele espaço harmônico. Algo que ela nem mesmo sentia falta. Por isso o impulso de ir até ele se torna estranho.
Domenico, ao contrário, era um homem conturbado. Apesar de uma família que amava, com dois filhos e uma bela mulher, ele estava passando por problemas financeiros. Chegar em casa era sempre momento de briga, a mulher reclamava da falta de dinheiro, dos filhos que davam muito trabalho, do emprego do marido, da ajuda que o pai dela tinha que dar. Sua vida precisava de uma válvula de escape e Anna era seu momento de paz. Com ela, ele poderia simplesmente ser um homem, amando uma mulher. Sem problemas, sem decisões, sem discussões. Que maravilha se a vida pudesse ser assim.
Quando Anna e Domenico se encontram, as regras vão sendo quebradas aos poucos. O desejo os une, apesar da razão dizer que não devem se encontrar. Os primeiros encontros são impulsos impensados, sempre interrompidos pela chegada de alguém. Isso acaba aguçando ainda mais o desejo de ambos. Quando decidem consumar a traição indo para um motel vem o nervosismo. Interessante como Soldini constrói esse nervosismo, essa cegueira de ambos através da câmera. Todo o caminho até o quarto é em uma câmera subjetiva do carro totalmente desfocada. Quando entram no quarto, o foco da imagem retorna, mas a luz vermelha toma conta do cenário. É sempre assim, em todo encontro, o vermelho construindo o clima de sedução e pecado.
As cenas de sexo são fortes, quase explícitas, há uma necessidade de expor todo o desejo do casal. Só não há uma construção sólida dos dois protagonistas. Não conseguimos ser cúmplices deles. Principalmente de Anna, seus motivos parecem frágeis, ainda mais com um marido tão bom, amigo de todos, consertando materiais dos vizinhos e compreendendo todos os rompantes dela. Em contrapartida, Domenico vai se aproximando do espectador aos poucos. O filme começa apenas com o ponto de vista de Anna. Somos apresentados à personagem, sua vida, sua rotina, Domenico só parece quando está com ela. Após a primeira cena no motel, mudamos, esquecemos Anna e vamos acompanhar Domenico, entender seu dia a dia. Após a segunda cena no motel, continuamos com os dois em paralelo. Isso acaba enfraquecendo Anna no terceiro ato, já que não temos mais o foco centrado nela e não dá forças suficientes para nos envolvermos com Domenico, já que só fomos conhecê-lo tarde demais.
O espectador fica, então, todo o último ato do filme sem se identificar com os protagonistas, achando tudo aquilo uma, com o perdão da palavra, palhaçada. Ficamos solidários ao bondoso Alessio, traído pela insensível Anna. E com pena de Míriam que não quer ser largada pelo marido com dois filhos pequenos para criar. Não torcemos pelo casal, principalmente, porque não acreditamos em sentimentos nobres naquela relação. A nosso ver parece apenas impulso, tensão sexual que logo acabará com a convivência. Coisa que uma ou duas vezes é suportável, depois se torna irritante. Ainda mais com um tema já tão explorado de formas mais interessantes.
Que mais posso querer (Cosa Voglio di Più : 2010 / Itália, Suíça)
Direção: Silvio Soldini
Roteiro: Doriana Leondeff, Angelo Carbone e Silvio Soldini
Com: Alba Rohrwacher, Pierfrancesco Favino, Giuseppe Battiston, Teresa Saponangelo.
Duração: 126 min
Anna é o que podemos chamar de uma mulher realizada. Contadora, com uma vida financeira estabelecida, uma família unida, amigos ao redor, casada com um homem bom que a trata com todo carinho e respeito, com o qual está pensando em ter um filho. Que mais que ela poderia querer, não é mesmo? O problema é que, antes que ela mesma se pergunte isso, bate à sua porta o sedutor Domenico, e uma conversa rápida serve para virar sua cabeça. Vale ressaltar que Anna não é seduzida. Ela toma a iniciativa convidando-o para um café e o levando para o seu escritório que estaria vazio. A partir daí, sua vida se transforma em um caso cheio de paixão.
Sim, uma vida certinha demais pode cansar, mas Anna poderia pelo menos ter demonstrado um pouco desse cansaço antes de simplesmente ligar para Domenico, não? O início do filme possui um clima de harmonia incrível. Está nos cenários, nas cores, na textura e trilha sonora. A grande ação é o nascimento da sobrinha de Anna, parto que ela acompanha passo a passo. Depois dessa experiência, ela solta uma frase filosófica de "Nascer é violento", mas isso quase passa despercebido, já que logo depois ela conversa com o marido Alessio sobre parar de tomar a pílula. Domenico entra em sua vida quase de para-quedas, é a pitada de paixão que faltava naquele espaço harmônico. Algo que ela nem mesmo sentia falta. Por isso o impulso de ir até ele se torna estranho.
Domenico, ao contrário, era um homem conturbado. Apesar de uma família que amava, com dois filhos e uma bela mulher, ele estava passando por problemas financeiros. Chegar em casa era sempre momento de briga, a mulher reclamava da falta de dinheiro, dos filhos que davam muito trabalho, do emprego do marido, da ajuda que o pai dela tinha que dar. Sua vida precisava de uma válvula de escape e Anna era seu momento de paz. Com ela, ele poderia simplesmente ser um homem, amando uma mulher. Sem problemas, sem decisões, sem discussões. Que maravilha se a vida pudesse ser assim.
Quando Anna e Domenico se encontram, as regras vão sendo quebradas aos poucos. O desejo os une, apesar da razão dizer que não devem se encontrar. Os primeiros encontros são impulsos impensados, sempre interrompidos pela chegada de alguém. Isso acaba aguçando ainda mais o desejo de ambos. Quando decidem consumar a traição indo para um motel vem o nervosismo. Interessante como Soldini constrói esse nervosismo, essa cegueira de ambos através da câmera. Todo o caminho até o quarto é em uma câmera subjetiva do carro totalmente desfocada. Quando entram no quarto, o foco da imagem retorna, mas a luz vermelha toma conta do cenário. É sempre assim, em todo encontro, o vermelho construindo o clima de sedução e pecado.
As cenas de sexo são fortes, quase explícitas, há uma necessidade de expor todo o desejo do casal. Só não há uma construção sólida dos dois protagonistas. Não conseguimos ser cúmplices deles. Principalmente de Anna, seus motivos parecem frágeis, ainda mais com um marido tão bom, amigo de todos, consertando materiais dos vizinhos e compreendendo todos os rompantes dela. Em contrapartida, Domenico vai se aproximando do espectador aos poucos. O filme começa apenas com o ponto de vista de Anna. Somos apresentados à personagem, sua vida, sua rotina, Domenico só parece quando está com ela. Após a primeira cena no motel, mudamos, esquecemos Anna e vamos acompanhar Domenico, entender seu dia a dia. Após a segunda cena no motel, continuamos com os dois em paralelo. Isso acaba enfraquecendo Anna no terceiro ato, já que não temos mais o foco centrado nela e não dá forças suficientes para nos envolvermos com Domenico, já que só fomos conhecê-lo tarde demais.
O espectador fica, então, todo o último ato do filme sem se identificar com os protagonistas, achando tudo aquilo uma, com o perdão da palavra, palhaçada. Ficamos solidários ao bondoso Alessio, traído pela insensível Anna. E com pena de Míriam que não quer ser largada pelo marido com dois filhos pequenos para criar. Não torcemos pelo casal, principalmente, porque não acreditamos em sentimentos nobres naquela relação. A nosso ver parece apenas impulso, tensão sexual que logo acabará com a convivência. Coisa que uma ou duas vezes é suportável, depois se torna irritante. Ainda mais com um tema já tão explorado de formas mais interessantes.
Que mais posso querer (Cosa Voglio di Più : 2010 / Itália, Suíça)
Direção: Silvio Soldini
Roteiro: Doriana Leondeff, Angelo Carbone e Silvio Soldini
Com: Alba Rohrwacher, Pierfrancesco Favino, Giuseppe Battiston, Teresa Saponangelo.
Duração: 126 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Que mais posso querer
2011-04-27T08:47:00-03:00
Amanda Aouad
Alfred Hitchcock|cinema europeu|critica|drama|Silvio Soldini|
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