Sobrenatural
O ser humano teme o desconhecido. É fato. A sensação de desproteção diante daquilo que não conhecemos pode se tornar insuportável. E como é possível nos sentirmos assim dentro de nossa própria casa, espaço que deveria ser a nossa fortaleza? Se isso acontece tira o nosso chão e nos tornamos totalmente vulneráveis. E nisso se baseia o filme de terror. O primeiro ato de Sobrenatural é uma aula do gênero. A atmosfera sombria, os personagens frágeis, o perigo iminente, tudo é construído para nos deixar dentro do clima que se vê na tela. Pena que isso não se mantêm durante toda a projeção.
A família Lambert começa a perceber coisas estranhas em sua casa. A começar pelo pequeno Dalton, filho mais velho, que não consegue dormir a noite porque tem medo do próprio quarto. Sua mãe Renai tenta acalmá-lo, mas também começa a notar fatos estranhos. A bebê e o filho do meio Foster também vivem assustados, só o pai Josh não acredita que possa haver algo errado ali. Mas, quando inexplicavelmente, Dalton entra em coma, os fenômenos aumentam. O próprio Josh presencia coisas estranhas como portas de abrindo e alarmes disparando. A situação chega a um ponto em que a família resolve se mudar de casa. O problema é que não era a casa que era assombrada, já que os seres seguem com eles para a nova morada.
O filme começa completamente tenso. A fotografia escura, baseada em contrastes chega a incomodar nossos olhos no início. Parece que estamos em uma noite eterna. O clima nos envolve, há o perigo iminente, pois não sabemos com quem estamos lidando. A trilha sonora segue os passos da fotografia abusando dos agudos e das notas destoantes. A casa daquela família parece mesmo assombrada. Mesmo que a direção de arte tente nos trazer elementos aconchegantes como o pijama da mãe e do filho com o mesmo tecido que é também a da colcha da cama, por exemplo. São pequenos símbolos de reconhecimento e segurança, mas estamos em terreno instável. O garotinho Dalton é logo colocado em foco. Ele não consegue dormir em uma noite e no dia seguinte vai explorar o sótão da casa. Sótão vazio e empoeirado é algo clássico em filme de terror, vai acontecer algo. Ainda mais com uma estranha lareira assustadora.
Quando Dalton entra em coma passamos a seguir os demais personagens da família, principalmente o casal. Ela, apavorada, sempre vendo vultos e fenômenos estranhos. Ele, em uma atitude esquisita, começa a ficar cada vez menos dentro de casa e tem uma lembrança constante de um quarto com um menino deitado na cama. Tanto Patrick Wilson quanto Rose Byrne conseguem nos passar verdade no drama que estão vivendo, ainda que ela seja um pouco mais natural. Logo a mãe de Josh entra em cena e a atriz Barbara Hershey acaba trazendo para nossa referência a sua personagem recente de Cisne Negro, tornando sua personagem de mãe e avó preocupada em uma figura estranha e digna de desconfiança. Ainda mais quando ela pega a foto da família em uma atitude suspeita.
Mesmo em outra casa, o clima continua tenso, a fotografia continua escura e o som nos envolve. O único momento em que a luz invade a tela é quando Dalton vai para o hospital, ali, tudo é branco em excesso, quase sem contraste. O filme parece mesmo que caminha para se tornar um clássico do terror. Agora, quando a avó percebe que algo estranho está mesmo acontecendo ali e chama ajuda, a trama começa a descer a ladeira. Primeiro somos apresentados aos Caça-Fantasmas. Uma dupla atrapalhada que tem mais medo de espíritos que a família, começa a investigar o local com aparelhos similares à turma de Egon e Peter, além de câmeras de fotografia e filmagem. Ao primeiro sinal de fantasma no corredor, em uma referência clara a O Iluminado, eles saem correndo e mandam chamar a chefa Elise Rainier, vivida pela atriz Lin Shaye. Esta sim, um personagem interessante, me lembrou a Eloise de Lost. Cabe a ela explicar tudo o que está acontecendo naquela casa e é aí que o roteiro de Leigh Whannell se perde de vez.
Explicações sobre fenômenos sobrenaturais sempre tendem a cair em clichês ridículos. Tentando fugir um pouco da possessão clássica, Sobrenatural acaba criando uma trama tão mirabolante que nosso cérebro tende a rejeitar e sair do clima do filme. Principalmente quando somos apresentados a uma figura estranha que mais parece Darth Maul da Saga Star Wars. A definição de Além também nos soa absurda. E parece que envolvido nesse clima decrescente até mesmo o diretor James Wan perde um pouco a mão e não confia mais em seu poder de contar a história com insinuações. Às vezes, não mostrar se torna mais ameaçador do que expor o monstro. Por exemplo, no início do filme, Renai ouve através da babá eletrônica de sua filha a voz de um ser ameaçador, ao chegar ao quarto, não há nada. Isso nos amedronta tanto quanto a ela. Em contrapartida, quando a avó vai contar sobre um sonho que teve, somos apresentados a um flashback que traduz exatamente o que a fala da avó está dizendo. Ouvir a descrição e ver as imagens acaba tirando o efeito de imaginação que torna o inimigo mais ameaçador do que é de fato.
Está cada vez mais difícil fazer um bom filme de terror. Após tantas referências, construções e efeitos repetitivos estamos mais alertas e imunes a truques baratos. É preciso brincar com o nosso próprio medo para nos manter dentro da história sem questionar alguns absurdos. Enquanto Sobrenatural brinca com isso e nos envolve em um mistério inexplicável, funciona perfeitamente. Porém, quando tenta explicar com uma justificativa que soa boba em muitos momentos, acaba nos tirando de dentro da história e nos tornando espectadores críticos. E isso é o pior inimigo de um filme de terror.
Ah, só para não dizer que não avisei, após os créditos existe uma pequena cena, quase uma piada, sem grande importância para trama, mas que pode ser curioso ver. Se não estiver com pressa para sair do cinema, dê uma olhadinha.
Sobrenatural (Insidious: 2011 / EUA)
Direção: James Wan
Roteiro: Leigh Whannell
Com: Patrick Wilson, Rose Byrne, Ty Simpkins, Andrew Astor.
Duração: 102 min
A família Lambert começa a perceber coisas estranhas em sua casa. A começar pelo pequeno Dalton, filho mais velho, que não consegue dormir a noite porque tem medo do próprio quarto. Sua mãe Renai tenta acalmá-lo, mas também começa a notar fatos estranhos. A bebê e o filho do meio Foster também vivem assustados, só o pai Josh não acredita que possa haver algo errado ali. Mas, quando inexplicavelmente, Dalton entra em coma, os fenômenos aumentam. O próprio Josh presencia coisas estranhas como portas de abrindo e alarmes disparando. A situação chega a um ponto em que a família resolve se mudar de casa. O problema é que não era a casa que era assombrada, já que os seres seguem com eles para a nova morada.
O filme começa completamente tenso. A fotografia escura, baseada em contrastes chega a incomodar nossos olhos no início. Parece que estamos em uma noite eterna. O clima nos envolve, há o perigo iminente, pois não sabemos com quem estamos lidando. A trilha sonora segue os passos da fotografia abusando dos agudos e das notas destoantes. A casa daquela família parece mesmo assombrada. Mesmo que a direção de arte tente nos trazer elementos aconchegantes como o pijama da mãe e do filho com o mesmo tecido que é também a da colcha da cama, por exemplo. São pequenos símbolos de reconhecimento e segurança, mas estamos em terreno instável. O garotinho Dalton é logo colocado em foco. Ele não consegue dormir em uma noite e no dia seguinte vai explorar o sótão da casa. Sótão vazio e empoeirado é algo clássico em filme de terror, vai acontecer algo. Ainda mais com uma estranha lareira assustadora.
Quando Dalton entra em coma passamos a seguir os demais personagens da família, principalmente o casal. Ela, apavorada, sempre vendo vultos e fenômenos estranhos. Ele, em uma atitude esquisita, começa a ficar cada vez menos dentro de casa e tem uma lembrança constante de um quarto com um menino deitado na cama. Tanto Patrick Wilson quanto Rose Byrne conseguem nos passar verdade no drama que estão vivendo, ainda que ela seja um pouco mais natural. Logo a mãe de Josh entra em cena e a atriz Barbara Hershey acaba trazendo para nossa referência a sua personagem recente de Cisne Negro, tornando sua personagem de mãe e avó preocupada em uma figura estranha e digna de desconfiança. Ainda mais quando ela pega a foto da família em uma atitude suspeita.
Mesmo em outra casa, o clima continua tenso, a fotografia continua escura e o som nos envolve. O único momento em que a luz invade a tela é quando Dalton vai para o hospital, ali, tudo é branco em excesso, quase sem contraste. O filme parece mesmo que caminha para se tornar um clássico do terror. Agora, quando a avó percebe que algo estranho está mesmo acontecendo ali e chama ajuda, a trama começa a descer a ladeira. Primeiro somos apresentados aos Caça-Fantasmas. Uma dupla atrapalhada que tem mais medo de espíritos que a família, começa a investigar o local com aparelhos similares à turma de Egon e Peter, além de câmeras de fotografia e filmagem. Ao primeiro sinal de fantasma no corredor, em uma referência clara a O Iluminado, eles saem correndo e mandam chamar a chefa Elise Rainier, vivida pela atriz Lin Shaye. Esta sim, um personagem interessante, me lembrou a Eloise de Lost. Cabe a ela explicar tudo o que está acontecendo naquela casa e é aí que o roteiro de Leigh Whannell se perde de vez.
Explicações sobre fenômenos sobrenaturais sempre tendem a cair em clichês ridículos. Tentando fugir um pouco da possessão clássica, Sobrenatural acaba criando uma trama tão mirabolante que nosso cérebro tende a rejeitar e sair do clima do filme. Principalmente quando somos apresentados a uma figura estranha que mais parece Darth Maul da Saga Star Wars. A definição de Além também nos soa absurda. E parece que envolvido nesse clima decrescente até mesmo o diretor James Wan perde um pouco a mão e não confia mais em seu poder de contar a história com insinuações. Às vezes, não mostrar se torna mais ameaçador do que expor o monstro. Por exemplo, no início do filme, Renai ouve através da babá eletrônica de sua filha a voz de um ser ameaçador, ao chegar ao quarto, não há nada. Isso nos amedronta tanto quanto a ela. Em contrapartida, quando a avó vai contar sobre um sonho que teve, somos apresentados a um flashback que traduz exatamente o que a fala da avó está dizendo. Ouvir a descrição e ver as imagens acaba tirando o efeito de imaginação que torna o inimigo mais ameaçador do que é de fato.
Está cada vez mais difícil fazer um bom filme de terror. Após tantas referências, construções e efeitos repetitivos estamos mais alertas e imunes a truques baratos. É preciso brincar com o nosso próprio medo para nos manter dentro da história sem questionar alguns absurdos. Enquanto Sobrenatural brinca com isso e nos envolve em um mistério inexplicável, funciona perfeitamente. Porém, quando tenta explicar com uma justificativa que soa boba em muitos momentos, acaba nos tirando de dentro da história e nos tornando espectadores críticos. E isso é o pior inimigo de um filme de terror.
Ah, só para não dizer que não avisei, após os créditos existe uma pequena cena, quase uma piada, sem grande importância para trama, mas que pode ser curioso ver. Se não estiver com pressa para sair do cinema, dê uma olhadinha.
Sobrenatural (Insidious: 2011 / EUA)
Direção: James Wan
Roteiro: Leigh Whannell
Com: Patrick Wilson, Rose Byrne, Ty Simpkins, Andrew Astor.
Duração: 102 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Sobrenatural
2011-04-23T11:42:00-03:00
Amanda Aouad
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