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Assassinato

Assassinato - Hitchcock"Nós artistas temos duas funções: usamos a vida para criar a arte e a arte para criticar a vida."

Esta frase dita em determinado momento do filme Assassinato apesar de não servir para a resolução do mistério passa a essência da obra que utiliza o efeito peça dentro da peça em uma história aparentemente banal. Reforço, só aparentente. Um dos poucos filmes de Hitchcock com artifício whodunits, contração da pergunta "who has done it?", que literalmente seria "quem fez isso", vulgo quem matou?. Assassinato é baseado na peça Enter, Sir John, de Clemence Dane e Helen Simpson, trazendo muitas inovações para a linguagem cinematográfica.

A história gira em torno do assassinato de Edna Durce. Sua colega de teatro, a jovem Diana Baring foi encontrada na cena do crime, mas afirma não se lembrar de nada. A garota vai a julgamento e é condenada a morte, mas um dos jurados, Sir John Menier, não está totalmente convencido de sua culpa e resolve investigar por conta própria. Tudo indica que a resolução do crime está na companhia de teatro à qual as moças pertenciam.

Assassinato - HitchcockO filme começa com gritos e dois vizinhos observando pela janela a confusão. Este recurso de janela será utilizado várias vezes por Hitchcock durante o filme. A expectativa, a cena do crime, o burburinho. Tudo vai nos sendo pincelado aos poucos. A investigação policial começa e a cena mais interessante é quando vão interrogar os atores da peça. Os depoimentos acontecem durante o espetáculo, então, nunca são concluídos, sempre interrompidos pela frase: "um momento que é a minha vez" e o ator entra em cena. Este detalhe dá uma dinâmica cômica à cena, onde prestamos mais atenção ao balé que ao que é dito em si. A cena do julgamento também é padrão da época. Resumida, com bastante fusão de um plano para o outro, traz outro viés cômico ao colocar o júri olhando para um lado e para o outro a cada mudança de cena, como se assistisse a uma partida de tênis.

A sala do júri, a luta pela unanimidade lembra o posterior Doze homens e uma sentença, mas Sir John não tem força para convencer seus colegas e acaba cedendo a pressão. A cena em que todos estão ao seu redor, quase o sufocando para que declare a ré culpada é interessante. Há uma rima que todos repetem a cada argumento para convencê-lo. "Já se decidiu, Sir. John?". A câmera vai se fechando também, aglomerando todos ao redor do Sir John, nos dando a impressão de que não há saída. Seu desalento é grande, mas sem argumentos, vota. Interessante é que Hitchcock deixa todos irem embora, mantendo sua câmera na sala do júri. Ouvimos o veredito em off, enquanto um faxinheiro arruma o local. A sensação de vazio, derrota, é grande.

Assassinato - HitchcockDepois de todo este primeiro ato, vem a cena que chamou a atenção na época e ponto de virada da história: a de Sir John no espelho. Primeiro, é bom ressaltar que Assassinato é o primeiro filme falado de Herbert Marshall, a expectativa de como ele se sairia com as palavras era grande. E ele não apenas foi bastante natural como protagonizou o primeiro monólogo no cinema. Em Truffaut entrevista Hitchcock, o diretor explica bem esta inovação, tão comum no teatro, mas que não era ainda utilizada nos cinemas. Era necessário que o público conhecesse os pensamentos do personagem, mas não queria ter que utilizar um personagem, segundo ele, inútil apenas para servir de orelha. Então, ele resolveu assumir o monólogo na frente do espelho, criando o pensamento em off. Hoje em dia, pode parecer banal, mas na época foi uma grande inovação.

Assassinato - HitchcockAliás, o filme está repleto de recursos datados, exagerando nos detalhes explicativos que hoje não são mais necessários. Como um plano detalhe de uma autorização na mão do protagonista para dizer que ele pode visitar a ré. Ou algumas caras e bocas dos atores que ainda estão muito próximas da forma de interpretar do cinema mudo. Outras passagens, mesmo desnecessárias ainda nos parecem belas como a sombra da forca na parede em uma cena de passagem do tempo, indicando que o momento crucial está se aproximando. A forma como o assassino se revela a partir do jogo que Sir John propõe é uma boa solução. Ele estaria fazendo uma peça sobre o caso e convida o suspeito para interpretar o assassino. Apesar de o próprio Hitchcock dizer que não gosta do recurso whodunits, por achá-lo tolo, onde toda expectativa gira em torno do final, o diretor conseguiu construir um suspense interessante.

P.S. - SPOILER
Apesar de ser um filme de mais de oitenta anos, preferi não comentar no texto corrido. Assassinato trouxe outra inovação para época. Não ficou explícito, mas há uma homossexualidade velada na resolução do filme. O assassino Handel Fane era noivo da acusada, e mata Edna Durce antes que esta revele a outra suas tendências sexuais. A cena no circo, onde ele aparece transvestido de mulher e se enforca, é forte e a comprovação vem na cena escrita que ele deixa para Sir John, onde revela "Que matou uma mulher que conhecia seu íntimo, pois estava proibido de amar".

Aqui está o filme completo sem legendas, com mais de 1h30 de duração. Uma cortesia do Youtube pelo Canal OpenFlix.


Assassinato (Murder: 1930 / Inglaterra)
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Alfred Hitchcock, Walter C. Mycroft
Com: Herbert Marshall, Norah Baring, Phyllis Konstam, Edward Chapman, Miles Mander, Esme Percy.
Duração: 90 min

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