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Reflexões de um Liquidificador
Reflexões de um Liquidificador
Reflexões de um liquidificador. Não há como negar que o título do filme de André Klotzel já dá um texto. É curioso, interessante, repleto de significados. Um liquidificador que reflete sobre a condição humana e a coisificação dos objetos. Aliás, ele reflete sobre a sua nova condição de ser pensante, com a "tal da consciência" e o quanto isso é difícil. "Não ser gente já é uma forma de ser feliz", ele afirma. E para justificar essa forma surreal de personagem, o roteirista José Antônio de Souza nos apresenta uma história bem interessante.
Elvira está passando por uma situação atípica, seu marido sumiu e, ao dar parte na polícia sobre o caso, é avisada de que é a principal suspeita do caso. De volta a sua casa, ela conversa com seu liquidificador. Sim, ela conversa. Não é uma situação simbólica como Shirley Valentine que conversava com as paredes. Seu liquidificador responde, aconselha e teme junto a ela a complicação da situação que vivem. Fica claro desde o início que eles compartilham um segredo. Não é no suspense que o filme se baseia e sim na construção do estranhamento. Dadas as primeiras informações, vamos ouvir o liquidificador nos contar como tudo começou. O filme retrocede a quando ele ganhou sua "consciência" e embarcamos em sua nova filosofia.
É inusitado, mas interessante, esse personagem coisa, principalmente porque sua voz ganha vida através da interpretação de Selton Mello. Não temos aqui animações ou escolhas forçadas, o velho eletrodoméstico simplesmente está lá, parado, mas ouvimos sua voz, seus pensamentos, suas interferências. Ele é fundamental para a trama que se desenrola, não apenas pela cumplicidade de conversar com Elvira, mas por sua própria condição de coisa cortante. E suas reflexões sobre o trabalho mecânico que fazia e a sua nova forma de visualizar o mundo nos envolve em uma lógica ilógica muito bem feita. A sua reflexão é tão importante para a condução da história que em vários momentos ficamos apenas com ele e paisagens diversas. A própria cozinha do início, sua viagem no fundo do caminhão vendo a vista do caminho, uma tomada aérea da cidade onde ele mostra o mundo que criamos e reafirma que é fácil ser máquina, difícil é ser homem.
A fotografia acompanha a diferenciação de coisa e homem. Quando vemos apenas o liquidificador com outros objetos, a fotografia é mais crua, com uma imagem menos trabalhada. Nas cenas em que estão pessoas na tela, há um tratamento na luz, na textura dando uma sensação mais conhecida. E claro, é possível brincar com a visão subjetiva do próprio objeto. Ele está em cima da geladeira, vemos o que ele vê, se vai para mesa, também temos uma idéia de sua visão, quando está no caminhão de mudança vemos as várias possibilidades de vista ali e, quando está ligado, podemos ter a sensação de ver o mundo girar. O mais interessante que esse efeito, que poderia ser exaustivamente utilizado, criando um cansaço insuportável, só vemos uma vez e no momento onde amplia os sentidos. É o tempo girando junto com ele.
Interessante reparar também nas construções do cenário. A casa de Elvira é toda arrumadinha, pintada de amarelo, quase de boneca. Sua fachada é mostrada diversas vezes, dá um contraste ótimo com o que acontece dentro dela. Da mesma forma, a própria personagem aparenta ser aquela dona de casa certinha, mas tem como hobby empalhar animais, atividade que faz desde criança. Quer algo mais estranho que isso? Em contrapartida, a construção da polícia é meio exagerada, por mais interessante que seja a interpretação de Aramis Trindade, o policial Fuinha chega a incomodar pelo excesso de caricatura. Fora que é surreal demais eles desconfiarem de Elvira sem nenhuma prova ou indício. Mas, ele acaba protagonizando cenas muito inteligentes como a da sopa de beterraba. Destaque ainda para ótima interpretação de Ana Lúcia Torre como Elvira e Selton Melo como a voz do liquidificador. Deve ter sido difícil criar a personalidade dele.
Reflexões de um Liquidificador é daqueles filmes estranhos que trazem um frescor ao já estabelecido, tal qual O Cheiro do Ralo. Reflete sobre a condição humana, seu contraste com a condição de coisa de uma forma inusitada. A gente fica até na dúvida se a coisa é Elvira ou o liquidificador de sua casa. Bem realizado, com um bom roteiro e ótimas interpretações. É bom ver opções assim no cinema brasileiro.
Reflexões de um Liquidificador (Reflexões de um Liquidificador: 2010 /Brasil)
Direção: André Klotzel
Roteiro: José Antônio de Souza
Com: Ana Lúcia Torre, Selton Mello, Germano Haiut, Fabíula Nascimento.
Duração: 80 min.
Elvira está passando por uma situação atípica, seu marido sumiu e, ao dar parte na polícia sobre o caso, é avisada de que é a principal suspeita do caso. De volta a sua casa, ela conversa com seu liquidificador. Sim, ela conversa. Não é uma situação simbólica como Shirley Valentine que conversava com as paredes. Seu liquidificador responde, aconselha e teme junto a ela a complicação da situação que vivem. Fica claro desde o início que eles compartilham um segredo. Não é no suspense que o filme se baseia e sim na construção do estranhamento. Dadas as primeiras informações, vamos ouvir o liquidificador nos contar como tudo começou. O filme retrocede a quando ele ganhou sua "consciência" e embarcamos em sua nova filosofia.
É inusitado, mas interessante, esse personagem coisa, principalmente porque sua voz ganha vida através da interpretação de Selton Mello. Não temos aqui animações ou escolhas forçadas, o velho eletrodoméstico simplesmente está lá, parado, mas ouvimos sua voz, seus pensamentos, suas interferências. Ele é fundamental para a trama que se desenrola, não apenas pela cumplicidade de conversar com Elvira, mas por sua própria condição de coisa cortante. E suas reflexões sobre o trabalho mecânico que fazia e a sua nova forma de visualizar o mundo nos envolve em uma lógica ilógica muito bem feita. A sua reflexão é tão importante para a condução da história que em vários momentos ficamos apenas com ele e paisagens diversas. A própria cozinha do início, sua viagem no fundo do caminhão vendo a vista do caminho, uma tomada aérea da cidade onde ele mostra o mundo que criamos e reafirma que é fácil ser máquina, difícil é ser homem.
A fotografia acompanha a diferenciação de coisa e homem. Quando vemos apenas o liquidificador com outros objetos, a fotografia é mais crua, com uma imagem menos trabalhada. Nas cenas em que estão pessoas na tela, há um tratamento na luz, na textura dando uma sensação mais conhecida. E claro, é possível brincar com a visão subjetiva do próprio objeto. Ele está em cima da geladeira, vemos o que ele vê, se vai para mesa, também temos uma idéia de sua visão, quando está no caminhão de mudança vemos as várias possibilidades de vista ali e, quando está ligado, podemos ter a sensação de ver o mundo girar. O mais interessante que esse efeito, que poderia ser exaustivamente utilizado, criando um cansaço insuportável, só vemos uma vez e no momento onde amplia os sentidos. É o tempo girando junto com ele.
Interessante reparar também nas construções do cenário. A casa de Elvira é toda arrumadinha, pintada de amarelo, quase de boneca. Sua fachada é mostrada diversas vezes, dá um contraste ótimo com o que acontece dentro dela. Da mesma forma, a própria personagem aparenta ser aquela dona de casa certinha, mas tem como hobby empalhar animais, atividade que faz desde criança. Quer algo mais estranho que isso? Em contrapartida, a construção da polícia é meio exagerada, por mais interessante que seja a interpretação de Aramis Trindade, o policial Fuinha chega a incomodar pelo excesso de caricatura. Fora que é surreal demais eles desconfiarem de Elvira sem nenhuma prova ou indício. Mas, ele acaba protagonizando cenas muito inteligentes como a da sopa de beterraba. Destaque ainda para ótima interpretação de Ana Lúcia Torre como Elvira e Selton Melo como a voz do liquidificador. Deve ter sido difícil criar a personalidade dele.
Reflexões de um Liquidificador é daqueles filmes estranhos que trazem um frescor ao já estabelecido, tal qual O Cheiro do Ralo. Reflete sobre a condição humana, seu contraste com a condição de coisa de uma forma inusitada. A gente fica até na dúvida se a coisa é Elvira ou o liquidificador de sua casa. Bem realizado, com um bom roteiro e ótimas interpretações. É bom ver opções assim no cinema brasileiro.
Reflexões de um Liquidificador (Reflexões de um Liquidificador: 2010 /Brasil)
Direção: André Klotzel
Roteiro: José Antônio de Souza
Com: Ana Lúcia Torre, Selton Mello, Germano Haiut, Fabíula Nascimento.
Duração: 80 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Reflexões de um Liquidificador
2011-05-10T08:57:00-03:00
Amanda Aouad
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