Rio Sonata: Nana Caymmi
Rio Sonata é um documentário musical, como muitos outros que tem surgido no Brasil nos últimos tempos. Mas este tem algumas particularidades interessantes. Primeiro, é sobre uma brasileira, mas dirigido por um francês / suiço, Georges Gachot, o mesmo que dirigiu o documentário de Maria Bethânia, Música é Perfume. Depois, ele não é uma simples compilação de depoimentos que constroem a vida de Nana Caymmi. Rio Sonata busca um sentido macro, uma poesia, uma construção fílmica que encadeia a história da cantora.
É por vários aspectos muito interessante. A começar pelo título Rio Sonata. Rio de Janeiro cidade natal da cantora, onde ambienta a maioria das cenas do filme e da qual ela fala bastante, bem e mal. Afinal ela é carioca e pode reclamar, é o que afirma em determinado momento. Sonata, estilo musical que se contrapõe ao canto, foi feita para soar. Som instrumental principalmente para sopro e cordas. Aí Nana explica no início do filme que aos dois anos ela cantarolava música clássica e um psiquiatra diria que era maluca. Pensando um pouco mais na construção do filme, Nana seria o som de um Rio pouco conhecido, sem as paisagens turísticas e os estereótipos característicos. Uma cantora que afirma não querer rótulos. Nana Caymmi canta o que gosta, independente de estilo. Vemos, então, um Rio chuvoso, fechado, pouco atrativo até. Um Rio que só quem vive ali conhece bem.
Da mesma forma, a cantora Nana Caymmi não é das mais populares, não está nas paradas de sucesso, nem é a primeira a ser lembrada. Apesar de ninguém contestar o seu talento. Isso é evidenciado em vários momentos do filme. É o camelô que diz que gosta muito dela e sua voz rouca, mas não consegue lembrar uma música para cantar. É o depoimento de Dori, falando que em determinada música seu parceiro Nelson Motta pensou logo em Elis para interpretar, mas ele foi firme ao exigir a irmã. Ou no depoimento de Milton que fala que a música Cais era para Elis e Nana. Mas, o momento mais marcante, que evidencia a dificuldade de apelo popular da cantora é quando entra a história de Resposta ao Tempo. Ela diz que a música foi gravada e ela apostava no sucesso, mas nada aconteceu. Aí, foi para a minissérie anos depois e estourou. Mart´nália completa o raciocínio dizendo que adora a música e, como fã de Nana, ficou feliz que, com ela, finalmente Nana Caymmi iria vender discos e ser reconhecida. Não que, antes dela, a cantora não vendesse, mas nunca foi recorde de vendas.
O raciocínio de relacionar o Rio chuvoso à Nana Caymmi me pareceu ainda mais claro quando o único momento em que vemos a cidade ao sol é quando escutamos Resposta ao Tempo. Parece que a fotografia quer reforçar que ali o sucesso brilhou para ambos. Principalmente que todo o filme é costurado por inserts do Rio, sejam aéreas da cidade, pessoas na praia, andando no calçadão de Copacabana ou ruas menos conhecidas. Gente, muita gente na tela. Nos bares, nas casas, nos pontos de ônibus ou em uma interessante cena de uma aula de dança de salão. Nana e sua voz estão pairando por toda a cidade, em lugares pouco vistos, pouco conhecidos ou pouco divulgados. É uma construção única, poética, bastante interessante, principalmente porque em vários momentos o filme foca Nana Caymmi em sua intimidade, seja em casa, em um carteado sem compromisso ou no estúdio de gravação, locação mais explorada em todo o documentário. E aqui, vemos uma Nana solta, desbocada, sem cerimônias. Uma mulher do povo.
Os clássicos depoimentos estão lá, até mesmo de duas importantes figuras já falecidas mas bem presentes na vida da cantora. O pai, Dorival Caymmi e Tom Jobim. Temos, então, Dori Caymmi, Mart´nália, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Erasmo Carlos, João Donato, Suely Costa dando seus depoimentos sobre a cantora. Além de Maria Bethânia e Miucha em uma participação nos bastidores do show de Bethânia em conversa mais informal. Mesmo assim, há um encadeamento, os depoimentos não entram de forma solta. São sempre puxados por algum caso, uma música que é cantada ou uma imagem que aparece. Nada é gratuito no filme, nem mesmo os trechos de shows que vemos. Tudo constrói a imagem dessa cantora do povo, simples, talentosa, mas que não tem um apelo de multidões. É o aconchego dos conhecidos.
Rio Sonata: Nana Caymmi é um documentário encantador. Não chega a ser uma obra-prima, tem uns poucos defeitos, alguns erros de montagem até, com músicas sendo interrompidas de forma brusca. Mas é gostoso de assistir, nos conduz em uma história bonita, envolvente, de uma personagem carismática e cheia de talento. Além de não ser nem um pouco modesta. Em determinado momento ela solta: "Eu me adoro cantando". Mas, quem é louco de discordar?
Rio Sonata: Nana Caymmi (Rio Sonata: Nana Caymmi : 2011 / Suíça)
Direção: Georges Gachot
Roteiro: Georges Gachot
Com: Nana Caymmi, Maria Bethânia, Erasmo Carlos, Dori Caymmi.
Duração: 85 min
É por vários aspectos muito interessante. A começar pelo título Rio Sonata. Rio de Janeiro cidade natal da cantora, onde ambienta a maioria das cenas do filme e da qual ela fala bastante, bem e mal. Afinal ela é carioca e pode reclamar, é o que afirma em determinado momento. Sonata, estilo musical que se contrapõe ao canto, foi feita para soar. Som instrumental principalmente para sopro e cordas. Aí Nana explica no início do filme que aos dois anos ela cantarolava música clássica e um psiquiatra diria que era maluca. Pensando um pouco mais na construção do filme, Nana seria o som de um Rio pouco conhecido, sem as paisagens turísticas e os estereótipos característicos. Uma cantora que afirma não querer rótulos. Nana Caymmi canta o que gosta, independente de estilo. Vemos, então, um Rio chuvoso, fechado, pouco atrativo até. Um Rio que só quem vive ali conhece bem.
Da mesma forma, a cantora Nana Caymmi não é das mais populares, não está nas paradas de sucesso, nem é a primeira a ser lembrada. Apesar de ninguém contestar o seu talento. Isso é evidenciado em vários momentos do filme. É o camelô que diz que gosta muito dela e sua voz rouca, mas não consegue lembrar uma música para cantar. É o depoimento de Dori, falando que em determinada música seu parceiro Nelson Motta pensou logo em Elis para interpretar, mas ele foi firme ao exigir a irmã. Ou no depoimento de Milton que fala que a música Cais era para Elis e Nana. Mas, o momento mais marcante, que evidencia a dificuldade de apelo popular da cantora é quando entra a história de Resposta ao Tempo. Ela diz que a música foi gravada e ela apostava no sucesso, mas nada aconteceu. Aí, foi para a minissérie anos depois e estourou. Mart´nália completa o raciocínio dizendo que adora a música e, como fã de Nana, ficou feliz que, com ela, finalmente Nana Caymmi iria vender discos e ser reconhecida. Não que, antes dela, a cantora não vendesse, mas nunca foi recorde de vendas.
O raciocínio de relacionar o Rio chuvoso à Nana Caymmi me pareceu ainda mais claro quando o único momento em que vemos a cidade ao sol é quando escutamos Resposta ao Tempo. Parece que a fotografia quer reforçar que ali o sucesso brilhou para ambos. Principalmente que todo o filme é costurado por inserts do Rio, sejam aéreas da cidade, pessoas na praia, andando no calçadão de Copacabana ou ruas menos conhecidas. Gente, muita gente na tela. Nos bares, nas casas, nos pontos de ônibus ou em uma interessante cena de uma aula de dança de salão. Nana e sua voz estão pairando por toda a cidade, em lugares pouco vistos, pouco conhecidos ou pouco divulgados. É uma construção única, poética, bastante interessante, principalmente porque em vários momentos o filme foca Nana Caymmi em sua intimidade, seja em casa, em um carteado sem compromisso ou no estúdio de gravação, locação mais explorada em todo o documentário. E aqui, vemos uma Nana solta, desbocada, sem cerimônias. Uma mulher do povo.
Os clássicos depoimentos estão lá, até mesmo de duas importantes figuras já falecidas mas bem presentes na vida da cantora. O pai, Dorival Caymmi e Tom Jobim. Temos, então, Dori Caymmi, Mart´nália, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Erasmo Carlos, João Donato, Suely Costa dando seus depoimentos sobre a cantora. Além de Maria Bethânia e Miucha em uma participação nos bastidores do show de Bethânia em conversa mais informal. Mesmo assim, há um encadeamento, os depoimentos não entram de forma solta. São sempre puxados por algum caso, uma música que é cantada ou uma imagem que aparece. Nada é gratuito no filme, nem mesmo os trechos de shows que vemos. Tudo constrói a imagem dessa cantora do povo, simples, talentosa, mas que não tem um apelo de multidões. É o aconchego dos conhecidos.
Rio Sonata: Nana Caymmi é um documentário encantador. Não chega a ser uma obra-prima, tem uns poucos defeitos, alguns erros de montagem até, com músicas sendo interrompidas de forma brusca. Mas é gostoso de assistir, nos conduz em uma história bonita, envolvente, de uma personagem carismática e cheia de talento. Além de não ser nem um pouco modesta. Em determinado momento ela solta: "Eu me adoro cantando". Mas, quem é louco de discordar?
Rio Sonata: Nana Caymmi (Rio Sonata: Nana Caymmi : 2011 / Suíça)
Direção: Georges Gachot
Roteiro: Georges Gachot
Com: Nana Caymmi, Maria Bethânia, Erasmo Carlos, Dori Caymmi.
Duração: 85 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Rio Sonata: Nana Caymmi
2011-05-02T08:15:00-03:00
Amanda Aouad
cinema europeu|critica|documentario|musical|
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