Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas
Há filmes que não são para todos os públicos, mas o fato de ter levado Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2010 tem sido um chamariz para encher as salas ainda hoje. O problema é que a palavra de ordem em Tio Boonme, que pode recordar suas vidas passadas é estranhamento e, mesmo em uma sala de arte, pessoas se levantando no meio da sessão com ar incrédulo foi algo comum de se ver durante a projeção do filme. Mas, é mesmo uma experiência muito interessante.
O diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul, que adotou o codinome Joe para ser mais facilmente pronunciado, não tem mesmo nenhum interesse em ser popular. Seu cinema é uma arte própria, que mistura traços do surrealismo com lirismo. O sensorial aqui é o importante, não o racional. Esqueçam o condicionamento de compreender uma história, sua narrativa, interpretando racionalmente todos os símbolos ali presentes. Este é um cinema de sensações. O visual é muito forte, com uma construção de imagem linda, contemplativa, que podemos absorver em planos longos, quase fotográficos. Aliás, em determinado momento são fotos mesmo que aparecem na tela. Da mesma forma, o sonoro é muito bem cuidado. Possível de ouvir todos os ruídos, principalmente quando estamos na floresta. O filme busca aguçar nossos sentidos e nos envolver em uma experiência única além da razão.
Ainda assim, existe uma história que pode ser decodificada, por isso, ele apenas flerta com o movimento surrealista, da mesma forma que o diretor David Lynch. Tio Boonmee, o mesmo do enorme título, está à beira da morte e resolve se refugiar em uma casa no meio da floresta tailandesa na companhia de sua cunhada, seu sobrinho e um enfermeiro. Durante um jantar na varanda, sua esposa falecida há 17 anos aparece na mesa e, logo depois, seu filho desaparecido aparece também, só que transformado em um macaco fantasma com direito a olhos vermelhos brilhantes. O óbvio estranhamento da platéia não é acompanhado por Boonmee que apenas fica feliz com a reunião familiar após tanto tempo. O filho Boonsong volta para a floresta onde vive com sua família de macacos fantasmas. Mas, o fantasma de sua esposa Huay continua acompanhando Boonmee em diversos momentos, quase como se estivesse viva novamente.
A cena da primeira aparição do fantasma é muito bem conduzida. Nos introduz nesse estranhamento de uma forma orgânica. Huay vai surgindo aos poucos, a princípio a gente pensa até que está vendo uma ilusão de ótica. Depois o sobrinho levanta assustado. E todos olham para aquela figura estranha que surgiu. A câmera, então, foca em Boonmee e sua cunhada. Eles não parecem tão assustados. Perguntam coisas a ela da maneira mais natural "onde ela está", "não envelheceu nada" e ela responde, sempre em off, já que a câmera continua mostrando os dois. É o momento chave do filme. Já no seu início diz a que veio. Principalmente que ao primeiro silêncio começamos a acompanhar a aproximação dos olhos vermelhos brilhantes que logo se revelam ser o filho macaco fantasma. Quem não conseguir passar por essa cena, não vai conseguir se envolver no filme.
A história, então, se intercala entre o tratamento de Boonmee e a recordação de suas vidas passadas que são nos apresentadas quase como fábulas distantes, sem muita preparação. Boonmee tem a capacidade de recordar e relacionar as experiências passadas com algo que está vivendo agora. E ele pode ter sido qualquer coisa, não apenas ser humano. Mas, como já disse, não há muito o que relacionar no plano racional. São sensações, induções, experiências sensoriais. A cena da caverna mesmo, é bastante simbólica e ele expressa isso na fala de Boonmee: "isso parece um útero". A composição da cena. Boonmee deixado ao lado da cunhada e do sobrinho. O fantasma de sua esposa. A família de macacos fantasmas assistindo. É uma cena forte e de uma construção visual impecável.
Talvez vocês queiram respostas para o que seja cada uma daquelas coisas. Talvez queiram tentar entender o porquê daquela cena final na frente da televisão e no restaurante. Talvez queria saber exatamente o que tio Boonmee aprendeu com suas vidas passadas. Mas, Apichatpong Weerasethakul não quer lhe explicar nada disso. Ele quer fazer sua arte experimental. Chamar a atenção e ser reconhecido como artista autoral. Sem dúvidas, isso ele já conseguiu. Desligue um pouco o seu racional e curta a experiência.
Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (Lung Boonmee Raluek Chat: 2010 / Tailândia, Inglaterra)
Direção: Apichatpong Weerasethakul
Roteiro: Apichatpong Weerasethakul
Com: Thanapat Saisaymar, Sakda Kaewbuadee, Jenjira Pongpas.
Duração: 114 min
O diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul, que adotou o codinome Joe para ser mais facilmente pronunciado, não tem mesmo nenhum interesse em ser popular. Seu cinema é uma arte própria, que mistura traços do surrealismo com lirismo. O sensorial aqui é o importante, não o racional. Esqueçam o condicionamento de compreender uma história, sua narrativa, interpretando racionalmente todos os símbolos ali presentes. Este é um cinema de sensações. O visual é muito forte, com uma construção de imagem linda, contemplativa, que podemos absorver em planos longos, quase fotográficos. Aliás, em determinado momento são fotos mesmo que aparecem na tela. Da mesma forma, o sonoro é muito bem cuidado. Possível de ouvir todos os ruídos, principalmente quando estamos na floresta. O filme busca aguçar nossos sentidos e nos envolver em uma experiência única além da razão.
Ainda assim, existe uma história que pode ser decodificada, por isso, ele apenas flerta com o movimento surrealista, da mesma forma que o diretor David Lynch. Tio Boonmee, o mesmo do enorme título, está à beira da morte e resolve se refugiar em uma casa no meio da floresta tailandesa na companhia de sua cunhada, seu sobrinho e um enfermeiro. Durante um jantar na varanda, sua esposa falecida há 17 anos aparece na mesa e, logo depois, seu filho desaparecido aparece também, só que transformado em um macaco fantasma com direito a olhos vermelhos brilhantes. O óbvio estranhamento da platéia não é acompanhado por Boonmee que apenas fica feliz com a reunião familiar após tanto tempo. O filho Boonsong volta para a floresta onde vive com sua família de macacos fantasmas. Mas, o fantasma de sua esposa Huay continua acompanhando Boonmee em diversos momentos, quase como se estivesse viva novamente.
A cena da primeira aparição do fantasma é muito bem conduzida. Nos introduz nesse estranhamento de uma forma orgânica. Huay vai surgindo aos poucos, a princípio a gente pensa até que está vendo uma ilusão de ótica. Depois o sobrinho levanta assustado. E todos olham para aquela figura estranha que surgiu. A câmera, então, foca em Boonmee e sua cunhada. Eles não parecem tão assustados. Perguntam coisas a ela da maneira mais natural "onde ela está", "não envelheceu nada" e ela responde, sempre em off, já que a câmera continua mostrando os dois. É o momento chave do filme. Já no seu início diz a que veio. Principalmente que ao primeiro silêncio começamos a acompanhar a aproximação dos olhos vermelhos brilhantes que logo se revelam ser o filho macaco fantasma. Quem não conseguir passar por essa cena, não vai conseguir se envolver no filme.
A história, então, se intercala entre o tratamento de Boonmee e a recordação de suas vidas passadas que são nos apresentadas quase como fábulas distantes, sem muita preparação. Boonmee tem a capacidade de recordar e relacionar as experiências passadas com algo que está vivendo agora. E ele pode ter sido qualquer coisa, não apenas ser humano. Mas, como já disse, não há muito o que relacionar no plano racional. São sensações, induções, experiências sensoriais. A cena da caverna mesmo, é bastante simbólica e ele expressa isso na fala de Boonmee: "isso parece um útero". A composição da cena. Boonmee deixado ao lado da cunhada e do sobrinho. O fantasma de sua esposa. A família de macacos fantasmas assistindo. É uma cena forte e de uma construção visual impecável.
Talvez vocês queiram respostas para o que seja cada uma daquelas coisas. Talvez queiram tentar entender o porquê daquela cena final na frente da televisão e no restaurante. Talvez queria saber exatamente o que tio Boonmee aprendeu com suas vidas passadas. Mas, Apichatpong Weerasethakul não quer lhe explicar nada disso. Ele quer fazer sua arte experimental. Chamar a atenção e ser reconhecido como artista autoral. Sem dúvidas, isso ele já conseguiu. Desligue um pouco o seu racional e curta a experiência.
Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (Lung Boonmee Raluek Chat: 2010 / Tailândia, Inglaterra)
Direção: Apichatpong Weerasethakul
Roteiro: Apichatpong Weerasethakul
Com: Thanapat Saisaymar, Sakda Kaewbuadee, Jenjira Pongpas.
Duração: 114 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas
2011-05-04T08:38:00-03:00
Amanda Aouad
cinema asiático|critica|cult|drama|
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