O cinema surge e, no Brasil, encontra um país subdesenvolvido. Durante a primeira república havia uma idéia de que fazer cinema era uma arte muito complexa e só estrangeiro poderia produzir. Então, apenas com a imigração o cinema nacional começa a surgir, o que não deixa de ser uma curiosa contradição. Afonso Segreto mesmo, era um italiano com equipamento francês. Havia muita dificuldade técnica e falta de equipamentos e só a partir das décadas de 10 e 20, o brasileiro começa a ensaiar algumas experiências. Mas, ainda era uma arte marginal, vista pela elite brasileira como coisa de vigarista estrangeiro. É curioso perceber que só a partir de 1910, quando os filmes americanos começam a chegar ao Brasil, o cinema conquista um público. Parece que desde o início, o que vem de fora é sempre melhor para o povo brasileiro.
A partir de 1923, começa a ser criada uma consciência nacional do cinema brasileiro, principalmente com a criação da CINEDIA. Mais uma incongruência nessa história já que a Cinédia tentou trazer o sistema americano para o Brasil. Fundada por Ademar Gonzaga, foi uma das três tentativas de industrialização do cinema nacional com os seus famosos musicais carnavalescos. Teve ainda a Atlântida criada por Moacyr Fenelon e José Carlos Burle que, com suas famosas chanchadas, tentou unir os ideais da elite com os temas brasileiros. E a Vera Cruz, fundada por Franco Zampari e Francisco Matarazzo, renegava as chanchadas, buscando um filme de classe. Seus dois maiores expoentes eram o diretor Lima Barreto e o ator Mazzaropi. Mas, apesar de ter um bom público, nenhuma das três conseguiu se sustentar como indústria cinematográfica por muito tempo. As vezes, fico me perguntando o que falta ao Brasil para conseguir tal feito, por mais que os equipamentos sejam caros e as técnicas difíceis. Todas as três empresas tinham filmes bem vistos, sucesso de público e até hoje cultuados.
Parece que o cinema brasileiro sobreviveu mesmo de movimentos esporádicos como os ciclos regionais das décadas de 20 e 30 que propiciaram o surgimento de grandes cineastas como Mário Peixoto, Gilberto Rossi, Edgar Brasil, Lulu de Barros e Humberto Mauro. Apesar de Limite, único filme de Mário Peixoto ter se tornado um ícone intelectual cultuado até hoje, coube a Humberto Mauro o cinema mais popular, tornando Minas Gerais um pólo cinematográfico interessante por um certo período. Humberto Mauro conseguia fazer seus filmes quase de forma artesanal, com a ajuda de amigos, sendo ele sempre protagonista, destaque para Ganga Bruta e O Canto da Saudade. A única vez que o Governo lhe deu dinheiro para um filme, saiu o cansativo Descobrimento do Brasil. E claro não podemos esquecer do divertido curta A Velha a Fiar.
Uma curiosidade é o tardio ciclo regional baiano que só aconteceu na década de 60, organizado por Walter da Silveira e onde surgiram expoentes como Gláuber Rocha e Roberto Pires. Pires continuo produzindo seus filmes de gênero, enquanto que Rocha foi para o Rio de Janeiro ampliar a discussão política no cinema. Assim surge o cinema novo. Inspirado nos ideais da Nouvelle Vague, traz uma proposta de ruptura e vanguarda contra a linguagem de estúdio, industrial. E onde a falta de recursos é assumida como desafio: "uma câmera na mão e uma idéia na cabeça". Basta isso para se fazer e se pensar cinema. Os dois maiores ícones do movimento são Gláuber Rocha e Nelson Pereira dos Santos. Mas, temos também Ruy Guerra, Walter Lima Jr, Roberto Faria e Paulo Cesar Sarraceni.
O grande problema do Cinema Novo foi o golpe militar que instalou a censura no país, perseguindo intelectuais de todas as classes artísticas. Os cineastas tiveram que encontrar formas de se expressar, quem poderia imaginar por exemplo, Gláuber Rocha apresentando um programa na Rede Globo? Com um tom irreverente ele conseguia passar o seu recado. Nessa época também surge o cinema marginal e as pornochanchadas. E o engraçado é que nessa mesma época surge a Embrafilmes, orgão governamental para apoiar produções nacionais. Isso já nos dá uma idéia de que cinema subsidiado pelo Governo acaba sendo mesmo conduzido por este. Para fazer realmente cinema independente não dá para depender de editais. A falta de rumo, então, faz o cinema nacional cair em qualidade, tornando-se um gênero mal visto pelos próprios brasileiros. Só se salvam os filmes do grupo Os Trapalhões que produzem em grande escala, tornando-se as maiores bilheterias do país. A situação piora com o governo Collor e a extinção da Embrafilmes, fazendo a produção nacional cair a quase zero.
Apenas em 1993, no governo de Itamar Franco, a luz retorna com a criação da Lei de Incentivo Audiovisual que traz a possibilidade de novos filmes serem feitos com recursos do próprio governo abatidos em impostos de empresas privadas. O primeiro deles foi Carlota Joaquina, de Carla Camurati, e, desde então, pelo menos um filme de longametragem passou a ser produzido por ano com esses recursos. O volume foi crescendo e hoje podemos dizer que temos uma boa produção nacional. O problema é que a idéia do fundo serviria apenas por um tempo, uma forma de educação das empresas perceberiam que investir em cinema era uma boa opção. O problema é que elas se acostumaram a investir apenas os recursos que seriam destinados a impostos e, até hoje, 28 anos depois, só se consegue fazer um filme no Brasil com a ajuda do governo.
De qualquer forma, uma nova fase do cinema nacional foi consolidada, tendo seus principais produtores no eixo Rio-São Paulo, e no Rio Grande do Sul, com a Casa de Cinema de Porto Alegre. Por vezes somos surpreendidos com filmes vindos de outros estados, principalmente Pernambuco e Bahia, mas estes possuem uma dificuldade maior na distribuição se restringindo à festivais e circuitos alternativos. Na verdade, a grande produtora de filmes nacionais se tornou a Globo Filmes, que ao se associar a produtoras menores acaba levando o filme para o circuito comercial com toda a força de distribuição e, principalmente, propaganda na Rede Globo. Filmes apoiados pela empresa aparecem em todos os programas da rede até em merchandising ou product placement em novela.
Apesar de tudo, parece que o brasileiro fez as pazes com o seu cinema, principalmente após filmes como Tropa de Elite, que traz gênero e qualidade para tela. Temos bons filmes de protesto, independente, gênero e experimentais. Diretores brasileiros são cada vez mais chamados para filmar no exterior como Fernando Meirelles, Walter Salles e agora José Padilha. O documentário é outro gênero que possui obras de grande qualidade, vide as experiências de Eduardo Coutinho ou João Moreira Salles que concorreu ao Oscar e nos trouxe esse ano um filme como Amor?. Claro que sempre precisamos crescer e construir um cinema cada vez mais forte, não tão dependente dos subsídios do Governo. Mas, após uma bela trajetória, já podemos dizer que somos um país cinematográfico. Então, três vivas ao Cinema Brasileiro e sua história.
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