Os Sonhadores
Poucos conseguem tratar temas polêmicos com tanta sensibilidade quanto Bernardo Bertolucci. E em Os Sonhadores, o diretor italiano consegue conduzir muito bem incesto, insinuações homossexuais, ménage a trois, dificuldades sentimentais e um certo jogo infantil. Tudo isso tendo como pano de fundo as revoltas de 68 na França, principalmente, claro, o Maio de 68 em um final forte. Além de permear tudo isso com uma paixão cinematográfica irresistível.
Matthew é um jovem americano que vai estudar em Paris e conhece dois irmãos incomuns. Isabelle e Theo possuem uma relação incestuosa velada e é incrível como conseguem ser extremamente sensuais e ao mesmo tempo infantis. Isabelle é quase uma criança, não cresceu, vide o seu quarto. Apenas brinca com temas sexuais, e tem um amor incondicional por seu irmão. Matthew chega para formar esse triângulo apresentando seu conhecimento na paixão de ambos: o cinema. Os jogos de descubra-qual-filme com a imitação de algumas cenas é um teste, um jogo e um código de reconhecimento. E Bertolucci aproveita esses momentos para inserir cenas de seus filmes preferidos.
Enquanto os três personagens brincam em seu mundo particular, já que os pais dos gêmeos viajaram. Lá fora o mundo vive a maior efervescência cultural da história na França. O ano de 1968 é simbólico, não apenas pela greve geral, pela revolta e contestação da juventude, pela produção cinematográfica, pelas artes, enfim, o mundo estava mudando. É a luta pela liberdade de expressão, pela liberação sexual, pela vida. É a questão universal representada no individual daqueles três personagens. Há um resumo inicial muito bem feito e depois nos internamos no apartamento junto com o trio.
A direção é sutil e joga com as imagens, o corredor que leva ao quarto de Theo onde tudo acontece é vermelho, a cor da libido. Os enquadramentos são variados, há muitos planos detalhe. Há uma cena no banheiro onde o jogo com espelhos é genial. Theo está escovando os dentes, Matthew chega, os dois ficam de frente para o espelho, a câmera faz uma pequena pan, revela Isabelle sentada ao fundo. Ela se levanta, se aproxima falando com Matthew, Theo some de campo, a câmera corrige novamente e já vemos Theo ao fundo tirando a roupa para tomar banho. É um jogo de revela / esconde que também representa o jogo dos personagens em uma conquista perigosa. Na primeira cena de sexo entre Matthew e Isabelle, o desconforto de Theo é minimizado com ele fritando ovos. A composição é interessantíssima, os dois no chão se entregando ao prazer, e ele em pé na beira do fogão.
A fotografia é bem saturada, com cores fortes que constrastam com as cenas em preto e branco dos filmes antigos. A reconstituição de época também é bem feita, com detalhes na direção de arte. Os atores são outro destaque, Michael Pitt, Louis Garrel e Eva Green, defendem bem seus personagens em todas as nuanças de sentimentos durante a trama. Eva Green passeia entre o ar infantil e a erotização de Isabelle de uma forma muito natural. Enquanto Louis Garrel constrói um Theo sem demonstrar sentimentos, é difícil compreender exatamente o que ele sente com aquilo tudo, a exceção de alguns momentos de ciúme. Já Michael Pitt cresce junto com o seu personagem que começa tímido e ganha voz aos poucos.
Quando o mundo estava completamente voltado para dentro daquela relação, somos arrancados pelo Maio de 68 de uma forma muito orgânica, coroando aquela história, principalmente pela música de Piaf nos créditos "Non, je ne regrette rien", ou seja, "não, não me arrependo de nada". Combina perfeitamene com tudo aquilo que vimos. Sem julgamentos, sem culpas, sem preconceitos, uma espécie de retrato de sentimentos. Os Sonhadores não é a obra-prima de Bernardo Bertolucci, mas merece destaque em uma filmografia tão vasta.
Os Sonhadores (The Dreamers: 2003 / França, Itália, EUA)
Direção: Bernardo Bertolucci
Roteiro: Gilbert Adair
Com: Michael Pitt, Louis Garrel, Eva Green, Robin Renucci.
Duração: 130 min
Matthew é um jovem americano que vai estudar em Paris e conhece dois irmãos incomuns. Isabelle e Theo possuem uma relação incestuosa velada e é incrível como conseguem ser extremamente sensuais e ao mesmo tempo infantis. Isabelle é quase uma criança, não cresceu, vide o seu quarto. Apenas brinca com temas sexuais, e tem um amor incondicional por seu irmão. Matthew chega para formar esse triângulo apresentando seu conhecimento na paixão de ambos: o cinema. Os jogos de descubra-qual-filme com a imitação de algumas cenas é um teste, um jogo e um código de reconhecimento. E Bertolucci aproveita esses momentos para inserir cenas de seus filmes preferidos.
Enquanto os três personagens brincam em seu mundo particular, já que os pais dos gêmeos viajaram. Lá fora o mundo vive a maior efervescência cultural da história na França. O ano de 1968 é simbólico, não apenas pela greve geral, pela revolta e contestação da juventude, pela produção cinematográfica, pelas artes, enfim, o mundo estava mudando. É a luta pela liberdade de expressão, pela liberação sexual, pela vida. É a questão universal representada no individual daqueles três personagens. Há um resumo inicial muito bem feito e depois nos internamos no apartamento junto com o trio.
A direção é sutil e joga com as imagens, o corredor que leva ao quarto de Theo onde tudo acontece é vermelho, a cor da libido. Os enquadramentos são variados, há muitos planos detalhe. Há uma cena no banheiro onde o jogo com espelhos é genial. Theo está escovando os dentes, Matthew chega, os dois ficam de frente para o espelho, a câmera faz uma pequena pan, revela Isabelle sentada ao fundo. Ela se levanta, se aproxima falando com Matthew, Theo some de campo, a câmera corrige novamente e já vemos Theo ao fundo tirando a roupa para tomar banho. É um jogo de revela / esconde que também representa o jogo dos personagens em uma conquista perigosa. Na primeira cena de sexo entre Matthew e Isabelle, o desconforto de Theo é minimizado com ele fritando ovos. A composição é interessantíssima, os dois no chão se entregando ao prazer, e ele em pé na beira do fogão.
A fotografia é bem saturada, com cores fortes que constrastam com as cenas em preto e branco dos filmes antigos. A reconstituição de época também é bem feita, com detalhes na direção de arte. Os atores são outro destaque, Michael Pitt, Louis Garrel e Eva Green, defendem bem seus personagens em todas as nuanças de sentimentos durante a trama. Eva Green passeia entre o ar infantil e a erotização de Isabelle de uma forma muito natural. Enquanto Louis Garrel constrói um Theo sem demonstrar sentimentos, é difícil compreender exatamente o que ele sente com aquilo tudo, a exceção de alguns momentos de ciúme. Já Michael Pitt cresce junto com o seu personagem que começa tímido e ganha voz aos poucos.
Quando o mundo estava completamente voltado para dentro daquela relação, somos arrancados pelo Maio de 68 de uma forma muito orgânica, coroando aquela história, principalmente pela música de Piaf nos créditos "Non, je ne regrette rien", ou seja, "não, não me arrependo de nada". Combina perfeitamene com tudo aquilo que vimos. Sem julgamentos, sem culpas, sem preconceitos, uma espécie de retrato de sentimentos. Os Sonhadores não é a obra-prima de Bernardo Bertolucci, mas merece destaque em uma filmografia tão vasta.
Os Sonhadores (The Dreamers: 2003 / França, Itália, EUA)
Direção: Bernardo Bertolucci
Roteiro: Gilbert Adair
Com: Michael Pitt, Louis Garrel, Eva Green, Robin Renucci.
Duração: 130 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Os Sonhadores
2011-07-19T08:29:00-03:00
Amanda Aouad
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