Em um mundo melhor
Pode o drama individual falar do drama universal e vice versa? A dinamarquesa Susanne Bier, pelo visto, acredita que sim, pois é isso que ela faz com seu recente Em um mundo melhor, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2011. E mesmo não tendo o impacto de seu concorrente Incêndios, é mesmo uma bela e envolvente obra.
Em um mundo melhor cruza as histórias de duas famílias através da amizade entre Elias e Cristian, duas crianças com problemas de relacionamento no colégio que frequentam. Elias é o típico garoto rejeitado, apanha todos os dias, é chamado de rato e tem o pneu de sua bicicleta esvaziado. Cristian, é o novato, sua mãe acabara de falecer de câncer, tendo ele e o pai se mudado de Londres para aquela pequena cidade na Dinamarca. Cristian, porém, ao contrário de Elias, não leva desaforo para casa, revidando sempre que ofendido ou quando vê alguém que gosta ser ofendido. E suas reações, podem causar sérias consequências. É aí que entra a dimensão macro da história de Susanne Bier, representada pelo personagem Anton, pai de Elias e médico de um campo de refugiados na África. Quando não está no país inóspito lidando com mulheres grávidas agredidas e feridos de guerrilhas urbanas, Anton está na Dinamarca tentando mostrar a seu filho Elias e ao amigo Cristian sua visão de civilidade.
É na fala de Anton que Susanne Bier expõe seu horror à guerra e o tema do seu filme. Em determinado ponto da história, os garotos vão presenciar uma agressão de um homem à Anton que não reage. O médico tenta mostrar aos pequenos que sua falta de reação não é covardia, mas consciência de que aquilo não levaria a nada. Revidar um tapa é ser tão idiota quanto o agressor e isso não vale a pena. Antes, Anton já havia sentenciado "é assim que as guerras começam". E é essa a lição de vida que o personagem de Mikael Persbrandt tenta passar durante todo o filme. Em outra situação, no acampamento na África, ele se vê "obrigado" a tratar um paciente que não merece e ao ser questionado o porquê de fazê-lo ele responde: "Eu tenho" . Claro, se não desse socorro ao assassino não estaria ele também se tornando um?
Ao mesmo tempo, Anton não é um ser humano perfeito. Apesar de bom pai, está em processo de separação de sua esposa Marianne, e pelas pistas dadas pelo filme, além de ser contra a sua vontade, a culpa foi dele. É uma boa construção do roteiro de Anders Thomas Jensen que demonstra que nenhum personagem ali é completamente bom ou mau, ou mesmo isento de falhas. O ser humano em geral é falho e em muitos momentos somos tentados, testados e surpreendidos com nossas próprias reações. É nesse jogo de mostrar e refletir sobre a condição humana que diretora e roteirista nos envolvem a cada passo, culminando em duas situações extremas próximo ao final do filme, uma na África, outra na Dinamarca. Até onde vai o certo e o errado, qual a nossa emoção e qual seria a nossa reação naquela situação? Nos surpreendemos em vários momentos.
O ritmo é lento, com um tom bastante intimista, mas nem por isso cai no vazio ou se torna cansativo. É o retrato realista de um recorte que simboliza muito. A direção é segura, com muitos planos fechados aproximando ainda mais o espectador daquela situação. O que não impede Susanne Bier de nos brindar com as belas paisagens do país, ainda que em uma profundidade de campo pequena como nas diversas cenas de Anton em seu jardim, ou nas cenas em que Cristian sobe no alto de um prédio para ver a vista da cidade. Tudo é bem realizado e feito para nos envolver. Principalmente, as interpretações, que são bastante naturalistas, nunca exagerando no tom do drama que poderia cair em uma caricatura piegas. Destaque para os dois meninos, Markus Ryggard que faz Elias e William Johnk Nielsen que interpreta Christian, que conseguem defender seus densos papéis com a maturidade de adultos.
Em um mundo melhor é daqueles filmes fortes, mas que são construídos com uma naturalidade tão grande que é preciso prestar atenção nas sutilezas construídas. A forma como ele consegue nos passar reflexões universais sobre a condição humana a partir de um exemplo tão individual e íntimo é mesmo o forte de sua obra. Não por acaso, ganhou tantos prêmios.
Em um mundo melhor (Haevnen: 2010 / Dinamarca, Suécia)
Direção: Susanne Bier
Roteiro: Anders Thomas Jensen
Com: Mikael Persbrandt, Trine Dyrholm, Ulrich Thomsen, William Johnk Nielsen.
Duração: 119 min.
Em um mundo melhor cruza as histórias de duas famílias através da amizade entre Elias e Cristian, duas crianças com problemas de relacionamento no colégio que frequentam. Elias é o típico garoto rejeitado, apanha todos os dias, é chamado de rato e tem o pneu de sua bicicleta esvaziado. Cristian, é o novato, sua mãe acabara de falecer de câncer, tendo ele e o pai se mudado de Londres para aquela pequena cidade na Dinamarca. Cristian, porém, ao contrário de Elias, não leva desaforo para casa, revidando sempre que ofendido ou quando vê alguém que gosta ser ofendido. E suas reações, podem causar sérias consequências. É aí que entra a dimensão macro da história de Susanne Bier, representada pelo personagem Anton, pai de Elias e médico de um campo de refugiados na África. Quando não está no país inóspito lidando com mulheres grávidas agredidas e feridos de guerrilhas urbanas, Anton está na Dinamarca tentando mostrar a seu filho Elias e ao amigo Cristian sua visão de civilidade.
É na fala de Anton que Susanne Bier expõe seu horror à guerra e o tema do seu filme. Em determinado ponto da história, os garotos vão presenciar uma agressão de um homem à Anton que não reage. O médico tenta mostrar aos pequenos que sua falta de reação não é covardia, mas consciência de que aquilo não levaria a nada. Revidar um tapa é ser tão idiota quanto o agressor e isso não vale a pena. Antes, Anton já havia sentenciado "é assim que as guerras começam". E é essa a lição de vida que o personagem de Mikael Persbrandt tenta passar durante todo o filme. Em outra situação, no acampamento na África, ele se vê "obrigado" a tratar um paciente que não merece e ao ser questionado o porquê de fazê-lo ele responde: "Eu tenho" . Claro, se não desse socorro ao assassino não estaria ele também se tornando um?
Ao mesmo tempo, Anton não é um ser humano perfeito. Apesar de bom pai, está em processo de separação de sua esposa Marianne, e pelas pistas dadas pelo filme, além de ser contra a sua vontade, a culpa foi dele. É uma boa construção do roteiro de Anders Thomas Jensen que demonstra que nenhum personagem ali é completamente bom ou mau, ou mesmo isento de falhas. O ser humano em geral é falho e em muitos momentos somos tentados, testados e surpreendidos com nossas próprias reações. É nesse jogo de mostrar e refletir sobre a condição humana que diretora e roteirista nos envolvem a cada passo, culminando em duas situações extremas próximo ao final do filme, uma na África, outra na Dinamarca. Até onde vai o certo e o errado, qual a nossa emoção e qual seria a nossa reação naquela situação? Nos surpreendemos em vários momentos.
O ritmo é lento, com um tom bastante intimista, mas nem por isso cai no vazio ou se torna cansativo. É o retrato realista de um recorte que simboliza muito. A direção é segura, com muitos planos fechados aproximando ainda mais o espectador daquela situação. O que não impede Susanne Bier de nos brindar com as belas paisagens do país, ainda que em uma profundidade de campo pequena como nas diversas cenas de Anton em seu jardim, ou nas cenas em que Cristian sobe no alto de um prédio para ver a vista da cidade. Tudo é bem realizado e feito para nos envolver. Principalmente, as interpretações, que são bastante naturalistas, nunca exagerando no tom do drama que poderia cair em uma caricatura piegas. Destaque para os dois meninos, Markus Ryggard que faz Elias e William Johnk Nielsen que interpreta Christian, que conseguem defender seus densos papéis com a maturidade de adultos.
Em um mundo melhor é daqueles filmes fortes, mas que são construídos com uma naturalidade tão grande que é preciso prestar atenção nas sutilezas construídas. A forma como ele consegue nos passar reflexões universais sobre a condição humana a partir de um exemplo tão individual e íntimo é mesmo o forte de sua obra. Não por acaso, ganhou tantos prêmios.
Em um mundo melhor (Haevnen: 2010 / Dinamarca, Suécia)
Direção: Susanne Bier
Roteiro: Anders Thomas Jensen
Com: Mikael Persbrandt, Trine Dyrholm, Ulrich Thomsen, William Johnk Nielsen.
Duração: 119 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Em um mundo melhor
2011-09-25T17:28:00-03:00
Amanda Aouad
cinema europeu|critica|drama|
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