Por que não usar o clichê?
A criatividade está em baixa no cinema. Muitos reclamam disso e não deixa de ser fato. Contamos nos dedos da mão os filmes que estreiam com uma obra original. Uma onda de adaptações seja de peça, livro ou histórias em quadrinhos invadiu a tela, isso sem falar dos remakes e continuações. Criar do zero parece mesmo uma coisa difícil e mais difícil ainda é inovar nessa criação. É aí que aparecem os famosos clichês. Tenho visto a cada dia pessoas reclamando que não gostaram do filme A ou B porque é clichê ou repete a situação de outros tantos filmes. E fico me perguntando, afinal, o que é ser original?
Lavoisier já dizia, "na natureza nada se cria, tudo se transforma". Na publicidade, brincamos, repetindo a frase de Chacrinha, que "nada se cria, tudo se copia". O que não deixa de ter o mesmo fundo de verdade. Na verdade, o ato criativo parte da junção de todas as referências que um sujeito tem em sua trajetória de vida. A criatividade está em recontar isso de uma forma envolvente, interessante e aparentemente diferente. Porque no fundo, toda trama conta a história de uma pessoa que quer algo, tem algum impedimento para conseguir esse algo e vai fazer de tudo para superá-lo e atingir seu objetivo. Simples assim. Então, quanto mais tempo passa e mais histórias são contadas, mais difícil fica surgir algo original. É o mau da tal pós-modernidade que Featherstone alertava.
Dentro dessa lógica capitalista de cinema como indústria e filme como produto que deva atingir as massas, ainda tem mais um empecilho para a criatividade. O público em geral adora um clichê. Na verdade, ele é a base da construção de gêneros cinematográficos no viés comercial. Ao pegar um filme de ação, a pessoa já sabe o que irá encontrar ali, o mesmo acontece para a comédia romântica, o melodrama, o western, a ficção científica, etc. É a partir do clichê, ou seja, da repetição espera seja de construção de personagens ou situação a ser resolvida, que o gênero se constitui e se reconhece. Então, dizer simplesmente, não gostei porque é clichê, é muito vago na verdade, pois espera-se que um filme de gênero seja clichê. Ou alguém entra para assistir a uma comédia romântica esperando que o casal não fique junto no final? Ou acreditando que ao ver um filme de ação, o protagonista vai ser morto pelo vilão no terceiro ato?
O problema acontece quando esse clichê, ou essa repetição se torna exagerado. Onde é visível que aquilo está sendo realmente uma repetição exata de algo já visto, ou quando é forçado apenas para cumprir a sina do final feliz. Aí, é um problema de roteiro grave, de estrutura da narrativa, não apenas de repetição de tema e falta de criatividade. Esse fato pode causar ainda o problema maior que é o chamado Deus ex-machina, ou seja uma solução que vem de fora para resolver um impasse. O nome vem do teatro grego, quando em determinado momento da peça, um ator vestido de um Deus, descia em uma máquina para resolver uma situação que não tinha mais saída. É válido lembrar que as peças na Grécia Antiga eram feitas em homenagem aos deuses, logo, sua interferência ali não era mesmo algo tão inesperado. Hoje em dia, o espectador se sente traído se algo externo à narrativa que estão vendo aparece do nada para resolver a história.
Mas, com isso, não quero dizer que não se possa ser criativo, ousado e quebrar o clichê, mas aí corre-se risco. Seu filme pode se transformar em um clássico ou em ser execrado pela platéia. As duas coisas aconteceram com o filme Enterrado Vivo de Rodrigo Cortés. Por subverter o gênero fugindo do clichê final, foi elogiado por boa parte da crítica e odiado por boa parte da plateia, aqui no CinePipocaCult a crítica até hoje foi uma das mais xingadas pelos que odiaram seu final. Na verdade, quando um gênero quebra o clichê, ele se torna memorável, foi assim com o primeiro Planeta dos Macacos, por exemplo, ninguém jamais esperaria aquele final para o personagem de Charlton Heston, estava todo mundo acreditando que ele fugiria daquele planeta maluco. Da mesma forma que ninguém esperava que a mocinha fosse morta a facadas no meio do filme Psicose.
Nem por isso, ser clichê é sinônimo de ruim. Grandes filmes também se baseiam em clichês. Quer algo mais clichê do gênero melodrama que E.T., o extraterrestre? Ele não apenas ressuscita com o amor de Elliot como consegue voltar para casa em um final emocionante, mas totalmente esperado e repetitivo. E A Noviça Rebelde? Ela consegue cativar as crianças, transformar a casa e ainda casar com o capitão que se apaixona perdidamente por ela. E claro, ainda conseguem fugir dos nazistas. A gente espera, gosta, torce por alguns clichês, uma prova disso acontece no filme Amor a Toda Prova, e aqui se você ainda não assistiu, pule para o próximo parágrafo. Quando pensamos que o final será melancólico devido a determinada situação algo dentro de nós começa a se revoltar e torcer para que exista tempo ainda para uma última virada onde tudo possa terminar bem. E é ótimo quando isso acontece. Em O Senhor dos Anéis, não é um grande clichê que Frodo destrua o anel no final? Mas também é inteligente e bem feito quando não é exatamente Frodo que o destrói e sim Gollum. Não quebra com o pacto fílmico, não é um Deus Ex-machina e ainda inova ao criar um fim inusitado para o que já era aguardado há três filmes.
Tudo isso foram apenas reflexões sobre a situação em que vivemos atualmente e questionamentos sobre como devemos analisar e observar os filmes que nos chegam. Como cinéfilos, sempre seremos mais exigentes, temos maior repertório e conhecimento das repetições dos clichês. Porém, filmes comerciais se valem muitas vezes dele para atingir ao grande público de forma eficiente e nem por isso, se torna menos digno de aplausos. Cada obra tem seu propósito e não podemos esperar de todas uma obra-prima artística. Cinema também é pipoca, ou seja, puro entretenimento.
Lavoisier já dizia, "na natureza nada se cria, tudo se transforma". Na publicidade, brincamos, repetindo a frase de Chacrinha, que "nada se cria, tudo se copia". O que não deixa de ter o mesmo fundo de verdade. Na verdade, o ato criativo parte da junção de todas as referências que um sujeito tem em sua trajetória de vida. A criatividade está em recontar isso de uma forma envolvente, interessante e aparentemente diferente. Porque no fundo, toda trama conta a história de uma pessoa que quer algo, tem algum impedimento para conseguir esse algo e vai fazer de tudo para superá-lo e atingir seu objetivo. Simples assim. Então, quanto mais tempo passa e mais histórias são contadas, mais difícil fica surgir algo original. É o mau da tal pós-modernidade que Featherstone alertava.
Dentro dessa lógica capitalista de cinema como indústria e filme como produto que deva atingir as massas, ainda tem mais um empecilho para a criatividade. O público em geral adora um clichê. Na verdade, ele é a base da construção de gêneros cinematográficos no viés comercial. Ao pegar um filme de ação, a pessoa já sabe o que irá encontrar ali, o mesmo acontece para a comédia romântica, o melodrama, o western, a ficção científica, etc. É a partir do clichê, ou seja, da repetição espera seja de construção de personagens ou situação a ser resolvida, que o gênero se constitui e se reconhece. Então, dizer simplesmente, não gostei porque é clichê, é muito vago na verdade, pois espera-se que um filme de gênero seja clichê. Ou alguém entra para assistir a uma comédia romântica esperando que o casal não fique junto no final? Ou acreditando que ao ver um filme de ação, o protagonista vai ser morto pelo vilão no terceiro ato?
O problema acontece quando esse clichê, ou essa repetição se torna exagerado. Onde é visível que aquilo está sendo realmente uma repetição exata de algo já visto, ou quando é forçado apenas para cumprir a sina do final feliz. Aí, é um problema de roteiro grave, de estrutura da narrativa, não apenas de repetição de tema e falta de criatividade. Esse fato pode causar ainda o problema maior que é o chamado Deus ex-machina, ou seja uma solução que vem de fora para resolver um impasse. O nome vem do teatro grego, quando em determinado momento da peça, um ator vestido de um Deus, descia em uma máquina para resolver uma situação que não tinha mais saída. É válido lembrar que as peças na Grécia Antiga eram feitas em homenagem aos deuses, logo, sua interferência ali não era mesmo algo tão inesperado. Hoje em dia, o espectador se sente traído se algo externo à narrativa que estão vendo aparece do nada para resolver a história.
Mas, com isso, não quero dizer que não se possa ser criativo, ousado e quebrar o clichê, mas aí corre-se risco. Seu filme pode se transformar em um clássico ou em ser execrado pela platéia. As duas coisas aconteceram com o filme Enterrado Vivo de Rodrigo Cortés. Por subverter o gênero fugindo do clichê final, foi elogiado por boa parte da crítica e odiado por boa parte da plateia, aqui no CinePipocaCult a crítica até hoje foi uma das mais xingadas pelos que odiaram seu final. Na verdade, quando um gênero quebra o clichê, ele se torna memorável, foi assim com o primeiro Planeta dos Macacos, por exemplo, ninguém jamais esperaria aquele final para o personagem de Charlton Heston, estava todo mundo acreditando que ele fugiria daquele planeta maluco. Da mesma forma que ninguém esperava que a mocinha fosse morta a facadas no meio do filme Psicose.
Nem por isso, ser clichê é sinônimo de ruim. Grandes filmes também se baseiam em clichês. Quer algo mais clichê do gênero melodrama que E.T., o extraterrestre? Ele não apenas ressuscita com o amor de Elliot como consegue voltar para casa em um final emocionante, mas totalmente esperado e repetitivo. E A Noviça Rebelde? Ela consegue cativar as crianças, transformar a casa e ainda casar com o capitão que se apaixona perdidamente por ela. E claro, ainda conseguem fugir dos nazistas. A gente espera, gosta, torce por alguns clichês, uma prova disso acontece no filme Amor a Toda Prova, e aqui se você ainda não assistiu, pule para o próximo parágrafo. Quando pensamos que o final será melancólico devido a determinada situação algo dentro de nós começa a se revoltar e torcer para que exista tempo ainda para uma última virada onde tudo possa terminar bem. E é ótimo quando isso acontece. Em O Senhor dos Anéis, não é um grande clichê que Frodo destrua o anel no final? Mas também é inteligente e bem feito quando não é exatamente Frodo que o destrói e sim Gollum. Não quebra com o pacto fílmico, não é um Deus Ex-machina e ainda inova ao criar um fim inusitado para o que já era aguardado há três filmes.
Tudo isso foram apenas reflexões sobre a situação em que vivemos atualmente e questionamentos sobre como devemos analisar e observar os filmes que nos chegam. Como cinéfilos, sempre seremos mais exigentes, temos maior repertório e conhecimento das repetições dos clichês. Porém, filmes comerciais se valem muitas vezes dele para atingir ao grande público de forma eficiente e nem por isso, se torna menos digno de aplausos. Cada obra tem seu propósito e não podemos esperar de todas uma obra-prima artística. Cinema também é pipoca, ou seja, puro entretenimento.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Por que não usar o clichê?
2011-09-11T09:28:00-03:00
Amanda Aouad
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