O filme traz a história de Will Hunting, vivido por Matt Damon, um gênio da matemática que já teve vários problemas com a polícia e é servente de uma faculdade. Quando seu talento é descoberto, oportunidades surgem, mas para isso é preciso ser acompanhado por um tratamento terapêutico. Como um bom rebelde, Will não se identifica com nenhum dos analistas que frequenta, fazendo de seus tratamentos brincadeiras sem fim. Até que conhece Sean Maguire, o personagem de Robin Williams. Experiente e com métodos diferentes para ganhar a confiança do paciente, Sean se aproxima de Will, tornando-se um amigo. Mas, é preciso tocar no núcleo emocional do rapaz para vislumbrar alguma solução para o seu caso.
A cena escolhida para análise não possui grandes escolhas de câmera. O diretor Gus Van Sant é até mesmo tradicional no enquadramento, utilizando basicamente plano e contraplano dos dois. Mas é interessante perceber, por exemplo, que, tirando um plano médio de Sean no início da cena, os dois estão sempre juntos, enquadrados. Quando Will está de frente, vemos o perfil ou as costas de Sean e vice-versa. Essa é uma boa forma de demonstrar a cumplicidade dos dois dentro da cena. Will aqui está completamente entregue a Sean, mesmo que não demonstre a confiança que tem no terapeuta. Ele continua a usar a máscara de garoto rebelde que pouco se importa com seu futuro. Já Sean precisa dar o seu parecer, está sendo pressionado.
O jogo de palavras é bem construído e a interpretação de Matt Damon e Robin Williams só ajudam na carga dramática da mesma. Não por acaso Williams levou o Oscar de melhor ator coadjuvante e Damon o Urso de Prata. A forma como a emoção vai sendo construída em uma cadência nessa cena impressiona. Sean se aproxima de Will aos poucos. Tenta um último recurso para mostrar que ele não precisa ser aquele rebelde sem futuro. Já Will tenta não demonstrar, mas está curioso para saber o que o terapeuta escreveu em seu relatório. Os dois se encaram, Will pergunta se Sean já teve experiência com isso.
Após o plano detalhe com as as fotos das marcas de violência no corpo de Will, Sean entra no jogo trazendo a experiência para si. Ele fala de um pai alcoólatra e de sua atitude de se colocar na frente para que ele não batesse na mãe e no irmão mais novo. Provavelmente um recurso para fazer Will falar de sua experiência. O garoto fala com facilidade pela primeira vez. O ponto central de suas atitudes está ali, no trauma da infância. Na incapacidade de confiar em uma figura paterna. É quando Sean se aproxima um pouco mais do paciente e diz sinceramente que não sabe de muita coisa, mas sabe que tudo aquilo não é culpa dele.
"Não é sua culpa". Frase forte e significativa que pode atingir o centro do inconsciente de um ser humano. Todos nós nos sentimos culpados por algo em nossas vidas. E acabamos inconscientemente alimentando essa culpa em um jogo psicológico com menor ou maior consequência. O caso de Will era uma grande consequência, a destruição da própria vida, das possibilidades de futuro. Uma fuga e desperdício de suas qualidades. Quando Sean repete sem parar, olhando para o rapaz a mágica frase "Não é sua culpa", ele tente a repelir a verdade, dizendo da boca para fora que sabe. Mas, a cada nova repetição do analista, ele vai se incomodando, desviando o olhar, tentando fugir da catarse emocional.
A cada repetição da frase, Sean se aproxima de Will e a câmera aproxima o espectador dos dois, fechando o quadro, tornando aquela situação cada vez mais íntima, intensa. A transformação de Will aos poucos, com o olhar, os gestos corporais, a sensação de estar encurralado, vai nos deixando angustiados junto a ele. Sentimos sua emoção, seu medo em se libertar daquele círculo vicioso de destruição. É uma catarse conjunta, muito bem realizada e que merece destaque dentro da história do cinema.
A cena diz tudo, vejam: