Dawson Ilha 10 é um filme quase documental, pelo menos em seu ritmo, em sua proposta. Com uma narração pontual do ator Benjamín Vicuña, que interpreta Bitar, vamos conhecendo os dias difíceis desse grupo na ilha de Pinochet. Mas, apesar do início significativo do Ilha 10, ele não é exatamente o protagonista da trama, isso pode confundir alguns. São diversos personagens, com diversas histórias que se misturam na rotina cruel. Dentre eles o arquiteto Miguel Lawner, interpretado pelo ator baiano Bertrand Duarte, que vai ganhando espaço durante a trama, principalmente por seus desenhos e intenção de reformar a pequena igreja local. Ou o ex-ministro da Defesa, José Tohá, vivido por Pablo Krögh, o mais fiel a Allende, que não aceita admitir que ele tenha se suicidado.
Aliás, um dos pontos que mais chama a atenção em Dawson Ilha 10 é a defesa da memória do presidente Allende. O filme começa e termina com seu último discurso, que foi até musicado, demonstrando sua perseverança em resistir ao golpe. Tudo isso destoa da versão oficial do suicídio, deixando claro nas entre-linhas que ele foi "suicidado", pelos militares em conivência com o governo dos Estados Unidos. Esta é a história das Américas na "luta" contra o comunismo. Para não deixar que a América Latina fosse "contaminada" por Cuba, os Estados Unidos financiou os exércitos locais em ditaduras intermináveis. Foi assim no Chile e também no Brasil.
O filme de Miguel Littin nos mostra com detalhes esse momento inicial no Chile. A forma como aquelas pessoas ficaram de mãos atadas, sofrendo horrores de prisioneiros de guerra, sem nem mesmo um contato com o mundo exterior. Em um frio terrível, carregando toras de madeira, se amontoando em barracas pequenas onde não havia cama para todos, sem remédios ou alimentação correta. Pelo menos eles tinham suas roupas de frio e aos poucos foram se adaptando à pequenas situações, com materiais que reciclavam e aproveitavam, a exemplo de um precário rádio, por onde tinham notícias do mundo.
É esse rádio que proporciona, por exemplo, uma das cenas mais tocantes do filme. O anúncio da morte do poeta Pablo Neruda. Sua poesia é declamada com um tom de homenagem e pesar. A música triste acompanha a câmera passeando pelos olhares perdidos dos ex-ministros. Neruda é ali um símbolo para todos que perdem com ele também um pouco mais da graça e poesia das próprias vidas. Nesse momento, até a fotografia, que é sempre fria, parece ganhar cores mais quentes, aconchegando todos na tela.
Mas, é importante ressaltar que, mesmo denunciando o que ele chama de "a verdade sobre a ilha de Pinochet", Miguel Littin não cai no maniqueísmo fácil, tornando os militares algozes insensíveis e os prisioneiros vítimas inocentes. Há momentos de ternura de alguns comandantes, conversas, divisão de alimentos ou simulação de tortura. Isso torna o filme ainda mais realista em sua construção. Afinal, ninguém é mau, nem bom o tempo todo. E mesmo um general cruel tem medo da morte, por exemplo, como é demonstrado em uma cena com uma granada na cabana.
Co-produção Chile/Brasil/Venezuela, Dawson Ilha 10 é um belo exemplar da nossa história recente. Afinal, a ditadura acabou no Chile há pouco mais de vinte anos. Sensível em sua construção da dor e do isolamento, realista em seu tom quase documental e envolvente, por nos conduzir naquele drama quase desconhecido.
Dawson Ilha 10 (Dawson Isla 10: 2009 / Chile, Venezuela, Brasil)
Direção: Miguel Littin
Roteiro: Miguel Littin
Com: Benjamín Vicuña, Bertrand Duarte, Cristián de la Fuente, Sergio Allard, Pablo Krögh, Horacio Videla, Caco Monteiro.
Duração: 117 min.