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Joelma 23º Andar
Joelma 23º Andar
Muito antes da onda espírita que invadiu os cinemas brasileiros com o centenário de Chico Xavier. Antes até dos filmes espiritualistas de Hollywood como Além da Eternidade, Ghost, O Sexto Sentido, Além da Vida. O Brasil lançou Joelma 23º Andar, filme baseado no livro Somos Seis, psicografado por Chico Xavier. O filme de Clery Cunha ganhou versão especial em DVD recentemente e tem alguns pontos positivos, mas no geral, se tornou uma obra datada, com clichês e recursos que soam tolos atualmente.
O acidente do Edifício Joelma marcou a cidade de São Paulo. Foram 183 mortos em um incêndio com imagens assustadoras de desespero, pessoas se jogando do alto do prédio, outras correndo no terraço e uma multidão de curiosos a observar. Seis anos depois, Cunha leva a história às telas com roteiro de Dulce Santucci concentrando a trama na figura da jovem Lucimar (nome fictício para a vítima) e sua família. Tímida, generosa e trabalhadora, a garota trabalha o dia inteiro e faz cursinho a noite por pretender prestar vestibular para Letras. Seu irmão, Alfredo lhe consegue um emprego melhor no mesmo edifício onde trabalha: O Joelma e tudo parece bem na vida da família, exceto pelos sonhos e premonições de Lucimar, que tem estudado a doutrina espírita e parece ter um sexto sentido eficiente.
O maior pecado de Joelma 23º Andar é protelar por tanto tempo a real intenção da obra. Tal qual As Mães de Chico Xavier, sua sinopse promete algo que só acontece no ato final do filme. Somos apresentados lentamente a Lucimar, sua rotina, sua família, em um roteiro que se arrasta na expectativa do tal incêndio esperado. As cenas dela e a amiga comemorando a matrícula no cursinho pré-vestibular, por exemplo, são desnecessárias. Ainda mais que depois, a informação de que ela passou na prova é dita de uma forma tão displicente que nem parece que estava tão empolgada antes. As informações sobre sua religião também entra de uma forma estranha, quando ela passeia com a mãe e vê, em uma vitrine, o livro Nosso Lar. Lucimar simplesmente pára, assustada e começam a vir imagens de Chico Xavier. Mais natural seu sonho premonitório logo no início do filme com o incêndio do Edifício Andraus.
Os recursos sonoros também não ajudam sendo quase fotos legendas a nos preparar para o inevitável. Há uma música tensa quando Lucimar se aproxima do Edifício Joelma pela primeira vez e a câmera dá um close no nome do prédio. Isso sem falar na música tecnológica toda vez que entramos no andar 23 que é onde fica a sala de processamento de dados. Outro momento lamentável é quando Lucimar acende o fogão, e o fogo descomunal toma conta do local. Neste momento, entra a música de Psicose, para criar o clima de tensão. Clery Cunha e Dulce Santucci procuram dar sempre um tom de Documento Verdade ao filme, marcando as datas importantes com legendas, nos fazendo acompanhar o passo a passo da chegada do momento do incêndio. Há recursos fáceis também como Alfredo perguntando que dia é aquele e ainda brincando que não é uma sexta-feira 13, e quando o curto-circuito começa no ar-condicionado, há um close em um relógio de parede nos deixando claro o horário do acidente.
Passada toda essa preparação que traz momentos lamentáveis na obra, vem o que todos esperavam e a sinopse prometida: o incêndio, o desencarne de Lucimar, Chico Xavier e as comunicações e explicações após desencarne. O filme toma um novo fôlego e se torna bastante interessante, uma pena que não reste muito tempo para apreciá-lo. A partir desse instante, até mesmo a dublagem problemática da obra é perdoada devido a tensão crescente, cenas realistas e soluções bem empregadas. A própria questão da doutrina espírita é passada de uma forma natural, sem os excessos didáticos de filmes recentes como Nosso Lar e o próprio As Mães de Chico Xavier.
As cenas do incêndio são bem realizadas, tensas, ainda mais por misturarem imagens filmadas com as imagens reais do ocorrido em 1974. É forte e doloroso acompanhar o desespero daquelas pessoas, os corpos caindo das janelas em chamas por não conseguir esperar um socorro que parecia impossível. As pessoas correndo no terraço do prédio traz imagens que assustam. O fogo também não é cenográfico, dando uma tensão ainda maior para as cenas dentro do prédio. Há muita fumaça, muita gente correndo sem saber para onde, muita gritaria. É possível ter uma noção ainda que vaga do drama daquelas pessoas. A maquiagem das pessoas queimadas também merece um destaque positivo. É tudo bastante realista, bem feito e que assusta.
O drama da família de Lucimar também segue o crescente emocional. A moça está presa no 23º andar, o fogo não parece se acalmar. Sua mãe e irmão estão desesperados à sua procura. É interessante o paralelo construído entre eles. As cenas são fortes, bem realizadas e com boas interpretações. É posssível acreditar na dor deles. Carlos Marques, que interpreta Alfredo, emociona em determinada cena de tensão e Beth Goulart, que faz a Lucimar, consegue passar o medo e ao mesmo tempo fé da personagem naquela situação extrema. As cenas em Uberaba com Chico Xavier também enriquecem o filme e o seu aspecto de drama documental.
Se fosse um curta-metragem começando no momento em que o incêndio inicia, Joelma 23º Andar seria um excelente exemplar cinematográfico. Envolvente, bem realizado, com um bom ritmo e um tema que atrai a atenção do público. Uma pena que existe toda a parte inicial, que se perde em vários momentos, construindo uma trama frágil, em erros e acertos da produção. Sem falar dos recursos datados dos anos 80 no Brasil. Ainda assim, o público espiritualista brasileiro vai gostar.
Vejam alguns minutos do filme.
Joelma 23º Andar (Joelma 23º Andar: Brasil / 1980)
Direção: Clery Cunha
Roteiro: Dulce Santucci
Com: Beth Goulart, Liana Duval, Carlos Marques, Ed Carlos, Márcia Fraga, Maria Ferreira, Vilma Camargo, Alvamar Taddei
Duração: 80 min.
O acidente do Edifício Joelma marcou a cidade de São Paulo. Foram 183 mortos em um incêndio com imagens assustadoras de desespero, pessoas se jogando do alto do prédio, outras correndo no terraço e uma multidão de curiosos a observar. Seis anos depois, Cunha leva a história às telas com roteiro de Dulce Santucci concentrando a trama na figura da jovem Lucimar (nome fictício para a vítima) e sua família. Tímida, generosa e trabalhadora, a garota trabalha o dia inteiro e faz cursinho a noite por pretender prestar vestibular para Letras. Seu irmão, Alfredo lhe consegue um emprego melhor no mesmo edifício onde trabalha: O Joelma e tudo parece bem na vida da família, exceto pelos sonhos e premonições de Lucimar, que tem estudado a doutrina espírita e parece ter um sexto sentido eficiente.
O maior pecado de Joelma 23º Andar é protelar por tanto tempo a real intenção da obra. Tal qual As Mães de Chico Xavier, sua sinopse promete algo que só acontece no ato final do filme. Somos apresentados lentamente a Lucimar, sua rotina, sua família, em um roteiro que se arrasta na expectativa do tal incêndio esperado. As cenas dela e a amiga comemorando a matrícula no cursinho pré-vestibular, por exemplo, são desnecessárias. Ainda mais que depois, a informação de que ela passou na prova é dita de uma forma tão displicente que nem parece que estava tão empolgada antes. As informações sobre sua religião também entra de uma forma estranha, quando ela passeia com a mãe e vê, em uma vitrine, o livro Nosso Lar. Lucimar simplesmente pára, assustada e começam a vir imagens de Chico Xavier. Mais natural seu sonho premonitório logo no início do filme com o incêndio do Edifício Andraus.
Os recursos sonoros também não ajudam sendo quase fotos legendas a nos preparar para o inevitável. Há uma música tensa quando Lucimar se aproxima do Edifício Joelma pela primeira vez e a câmera dá um close no nome do prédio. Isso sem falar na música tecnológica toda vez que entramos no andar 23 que é onde fica a sala de processamento de dados. Outro momento lamentável é quando Lucimar acende o fogão, e o fogo descomunal toma conta do local. Neste momento, entra a música de Psicose, para criar o clima de tensão. Clery Cunha e Dulce Santucci procuram dar sempre um tom de Documento Verdade ao filme, marcando as datas importantes com legendas, nos fazendo acompanhar o passo a passo da chegada do momento do incêndio. Há recursos fáceis também como Alfredo perguntando que dia é aquele e ainda brincando que não é uma sexta-feira 13, e quando o curto-circuito começa no ar-condicionado, há um close em um relógio de parede nos deixando claro o horário do acidente.
Passada toda essa preparação que traz momentos lamentáveis na obra, vem o que todos esperavam e a sinopse prometida: o incêndio, o desencarne de Lucimar, Chico Xavier e as comunicações e explicações após desencarne. O filme toma um novo fôlego e se torna bastante interessante, uma pena que não reste muito tempo para apreciá-lo. A partir desse instante, até mesmo a dublagem problemática da obra é perdoada devido a tensão crescente, cenas realistas e soluções bem empregadas. A própria questão da doutrina espírita é passada de uma forma natural, sem os excessos didáticos de filmes recentes como Nosso Lar e o próprio As Mães de Chico Xavier.
As cenas do incêndio são bem realizadas, tensas, ainda mais por misturarem imagens filmadas com as imagens reais do ocorrido em 1974. É forte e doloroso acompanhar o desespero daquelas pessoas, os corpos caindo das janelas em chamas por não conseguir esperar um socorro que parecia impossível. As pessoas correndo no terraço do prédio traz imagens que assustam. O fogo também não é cenográfico, dando uma tensão ainda maior para as cenas dentro do prédio. Há muita fumaça, muita gente correndo sem saber para onde, muita gritaria. É possível ter uma noção ainda que vaga do drama daquelas pessoas. A maquiagem das pessoas queimadas também merece um destaque positivo. É tudo bastante realista, bem feito e que assusta.
O drama da família de Lucimar também segue o crescente emocional. A moça está presa no 23º andar, o fogo não parece se acalmar. Sua mãe e irmão estão desesperados à sua procura. É interessante o paralelo construído entre eles. As cenas são fortes, bem realizadas e com boas interpretações. É posssível acreditar na dor deles. Carlos Marques, que interpreta Alfredo, emociona em determinada cena de tensão e Beth Goulart, que faz a Lucimar, consegue passar o medo e ao mesmo tempo fé da personagem naquela situação extrema. As cenas em Uberaba com Chico Xavier também enriquecem o filme e o seu aspecto de drama documental.
Se fosse um curta-metragem começando no momento em que o incêndio inicia, Joelma 23º Andar seria um excelente exemplar cinematográfico. Envolvente, bem realizado, com um bom ritmo e um tema que atrai a atenção do público. Uma pena que existe toda a parte inicial, que se perde em vários momentos, construindo uma trama frágil, em erros e acertos da produção. Sem falar dos recursos datados dos anos 80 no Brasil. Ainda assim, o público espiritualista brasileiro vai gostar.
Vejam alguns minutos do filme.
Joelma 23º Andar (Joelma 23º Andar: Brasil / 1980)
Direção: Clery Cunha
Roteiro: Dulce Santucci
Com: Beth Goulart, Liana Duval, Carlos Marques, Ed Carlos, Márcia Fraga, Maria Ferreira, Vilma Camargo, Alvamar Taddei
Duração: 80 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Joelma 23º Andar
2011-12-12T10:41:00-02:00
Amanda Aouad
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