Os Descendentes
Uma questão sempre em voga é o que faz um filme ser considerado o melhor? Nem sempre é a inovação, a genialidade diante de um impasse, uma interpretação arrebatadora. Às vezes, está na simplicidade da história, da técnica, do prazer de simplesmente fazer bem feito. Nessa categoria se encaixa Os Descendentes, um filme certo, que não enche os olhos, mas é extremamente competente em todos os quesitos.
Aqui conhecemos Matt King, um cara comum que vive no Havaí e se irrita com as pessoas que acham que, por isso, ele vive no paraíso, bebendo Mai Tais, rebolando e surfando. Isso me lembrou muito a realidade baiana e todos aqueles que acreditam que vivemos em um eterno Carnaval ou deitados em uma rede, bebendo água de côco e comendo acarajé. A diferença de Matt King para os seres humanos comuns é que ele é descendente da nobreza havaiana e de missionários e, com isso, um dos herdeiros dos últimos hectares de praia virgem local. Enquanto está em plena negociação familiar para decidir se vendem as terras e para quem, a esposa de Matt sofre um acidente de lancha e fica em coma. Para completar, ele descobre que ela o estava traindo. Em meio a um turbilhão de emoções, Matt terá que repensar sua vida, reconquistar suas filhas e decidir o futuro da herança de seus ancestrais.
Antes de tudo, Os Descendentes é curioso. Afinal, utilizar uma ilha vista pelo mundo com o estereótipo que o protagonista começa o filme reclamando, para falar de decisões tão particulares já traz vigor e novidade ao filme de Alexander Payne, que, além de dirigir, assina o roteiro com mais duas pessoas. E foi esse clima exótico que chamou a atenção do diretor no livro de Kaui Hart Hemmings. Tanto que a direção de arte é caprichosa em colocar elementos teoricamente estereotipados no filme, como colares havaianos, ou o figurino de George Clooney que está sempre com uma camisa florida. Ainda assim, o tratamento é bastante cotidiano, simples, intimista, mesmo ao retratar uma reunião familiar com diversos parentes de uma herança nobre.
Mas, o que chama a atenção mesmo no filme é a interpretação de George Clooney. Sempre um ótimo ator, mas nunca fenomenal, aqui ele está indiscutivelmente extraordinário. Volto às explicações do primeiro parágrafo. Nem sempre uma boa interpretação vem de rompantes emocionais chaves, mas de detalhes simples que tornam o personagem próximo de nós. Clooney consegue aqui uma emoção contida de um homem que se vê em meio a um turbilhão de emoções. É forte, sincero, sofrido, encantador. O resto do elenco o acompanha em bons desempenhos, mas nada que se destaque tanto.
O roteiro fluído, com boas viradas e a voz over de George Clooney ajuda na construção do personagem e empatia com o mesmo. Tudo se torna mais fácil ao nos colocarmos no lugar de Matt King. Amamos e odiamos cada personagem que se aproxima dele a partir de suas emoções. A montagem também é bastante feliz, dando ritmo ao drama e não nos deixando ver o tempo passar. E a direção de Alexander Payne é consistente. É bom, ainda, ver as belas praias do Havaí, e ter a sensação de ainda existe lugar para se aproveitar a natureza virgem, apesar desse ponto ser apenas o pano de fundo do drama do protagonista.
Outro trunfo do filme é a busca de Matt King pelo amante de sua esposa. Seria improvável tudo o que se desenrola nesse caso, mas pela empatia, embarcamos na jornada de Matt sem questionar muito. Tudo parece fazer sentido, mesmo envolver sua filha de apenas dezessete anos. Este é o plus do filme para que não seja apenas mais uma história. As coisas inusitadas, coincidências e outras situações não tão coincidentes assim é que tornam a trajetória do personagem, suas escolhas e decisões mais consistentes. E o filme mais encantador em vários aspectos, inclusive na tradução da natureza humana.
Os Descendentes é daqueles filmes que a gente termina de ver tendo a certeza de que viu uma obra de qualidade. Ainda que não tenha um rompante de genialidade, nem status de obra prima. É gostoso de assistir, envolvente, encantador. Agora, se merece prêmios ou entrar na lista dos dez mais, já é outra história.
Os Descendentes (The Descendants: 2012 / Estados Unidos)
Direção: Alexander Payne
Roteiro: Alexander Payne, Nat Faxon e Jim Rash
Com: George Clooney, Shailene Woodley, Matthew Lillard, Beau Bridges.
Duração: 115 min.
Aqui conhecemos Matt King, um cara comum que vive no Havaí e se irrita com as pessoas que acham que, por isso, ele vive no paraíso, bebendo Mai Tais, rebolando e surfando. Isso me lembrou muito a realidade baiana e todos aqueles que acreditam que vivemos em um eterno Carnaval ou deitados em uma rede, bebendo água de côco e comendo acarajé. A diferença de Matt King para os seres humanos comuns é que ele é descendente da nobreza havaiana e de missionários e, com isso, um dos herdeiros dos últimos hectares de praia virgem local. Enquanto está em plena negociação familiar para decidir se vendem as terras e para quem, a esposa de Matt sofre um acidente de lancha e fica em coma. Para completar, ele descobre que ela o estava traindo. Em meio a um turbilhão de emoções, Matt terá que repensar sua vida, reconquistar suas filhas e decidir o futuro da herança de seus ancestrais.
Antes de tudo, Os Descendentes é curioso. Afinal, utilizar uma ilha vista pelo mundo com o estereótipo que o protagonista começa o filme reclamando, para falar de decisões tão particulares já traz vigor e novidade ao filme de Alexander Payne, que, além de dirigir, assina o roteiro com mais duas pessoas. E foi esse clima exótico que chamou a atenção do diretor no livro de Kaui Hart Hemmings. Tanto que a direção de arte é caprichosa em colocar elementos teoricamente estereotipados no filme, como colares havaianos, ou o figurino de George Clooney que está sempre com uma camisa florida. Ainda assim, o tratamento é bastante cotidiano, simples, intimista, mesmo ao retratar uma reunião familiar com diversos parentes de uma herança nobre.
Mas, o que chama a atenção mesmo no filme é a interpretação de George Clooney. Sempre um ótimo ator, mas nunca fenomenal, aqui ele está indiscutivelmente extraordinário. Volto às explicações do primeiro parágrafo. Nem sempre uma boa interpretação vem de rompantes emocionais chaves, mas de detalhes simples que tornam o personagem próximo de nós. Clooney consegue aqui uma emoção contida de um homem que se vê em meio a um turbilhão de emoções. É forte, sincero, sofrido, encantador. O resto do elenco o acompanha em bons desempenhos, mas nada que se destaque tanto.
O roteiro fluído, com boas viradas e a voz over de George Clooney ajuda na construção do personagem e empatia com o mesmo. Tudo se torna mais fácil ao nos colocarmos no lugar de Matt King. Amamos e odiamos cada personagem que se aproxima dele a partir de suas emoções. A montagem também é bastante feliz, dando ritmo ao drama e não nos deixando ver o tempo passar. E a direção de Alexander Payne é consistente. É bom, ainda, ver as belas praias do Havaí, e ter a sensação de ainda existe lugar para se aproveitar a natureza virgem, apesar desse ponto ser apenas o pano de fundo do drama do protagonista.
Outro trunfo do filme é a busca de Matt King pelo amante de sua esposa. Seria improvável tudo o que se desenrola nesse caso, mas pela empatia, embarcamos na jornada de Matt sem questionar muito. Tudo parece fazer sentido, mesmo envolver sua filha de apenas dezessete anos. Este é o plus do filme para que não seja apenas mais uma história. As coisas inusitadas, coincidências e outras situações não tão coincidentes assim é que tornam a trajetória do personagem, suas escolhas e decisões mais consistentes. E o filme mais encantador em vários aspectos, inclusive na tradução da natureza humana.
Os Descendentes é daqueles filmes que a gente termina de ver tendo a certeza de que viu uma obra de qualidade. Ainda que não tenha um rompante de genialidade, nem status de obra prima. É gostoso de assistir, envolvente, encantador. Agora, se merece prêmios ou entrar na lista dos dez mais, já é outra história.
Os Descendentes (The Descendants: 2012 / Estados Unidos)
Direção: Alexander Payne
Roteiro: Alexander Payne, Nat Faxon e Jim Rash
Com: George Clooney, Shailene Woodley, Matthew Lillard, Beau Bridges.
Duração: 115 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Os Descendentes
2012-01-25T08:14:00-02:00
Amanda Aouad
Alexander Payne|critica|drama|George Clooney|livro|oscar2012|
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