Histórias Cruzadas
Há vários fatores para explicar a paixão dos americanos pelo filme Histórias Cruzadas. Primeiro ele é baseado em um best seller que ficou por 103 semanas na lista do New York Times, seis delas no primeiro lugar. Segundo, fala de relações humanas, racismo e causas sociais, temas em voga em um mundo politicamente correto. Terceiro, tem uma excelente reconstituição de época e ótimas atuações. É de fato um filme que te conquista. Daqueles filmes feitos para ganhar o Oscar, e, talvez aí, esteja seu maior problema
A história se passa em um pequeno município do Estado do Mississipi na década de 60, onde a jornalista Eugenia Skeeter, vivida por Emma Stone, resolve entrevistar mulheres negras sobre como é ser empregada doméstica. O que elas sentem ao criar crianças brancas, enquanto seus próprios filhos estão em casa sozinhos? E como é ter que usar um banheiro separado, do lado de fora da casa? E ser discriminado por tudo, só por causa do tom de pele? O problema é que, nessa época, ainda mais no Estado do Mississipi, racismo era defendido por lei, contra a lei era exigir direitos iguais. Mesmo que já esteja se discutindo a questão com os discursos de Martin Luther King. É nessa situação que Aibileen Clark, a personagem de Viola Davis, aceita o desafio de contar de forma anônima sua história. Só que para o livro de Skeeter sair é preciso muito mais depoimentos.
A idéia de falar sobre racismo é sempre louvável. Por mais óbvia que pareça a questão, ainda existe muito preconceito no mundo e ainda lidamos com empregados domésticos como se fossem escravos. É uma situação delicada, onde pessoal e profissional se misturam e ainda há muita segregação, ainda que velada. Então, é sempre bom um tema como esse para nos fazer pensar. O problema é que a história acaba por nivelar seus personagens por baixo, tornando-os rasos e maniqueístas. Só tem duas opções: você é mau e preconceituoso ou é bom e defensor das causas raciais. Não tem meio termo. Outra coisa que incomoda está inclusive na voz da personagem de Octavia Spencer: "Por que você acha que pessoas de cor precisam de você?", ela pergunta a Skeeter. Pois é, por que uma branca precisa dar voz às negras como uma salvadora beneficente? O próprio Martin Luther King não já estava dando o exemplo de que era possível sonhar e ir em busca desse sonho? Isso acaba empobrecendo a história e a força da denúncia, por isso muitos tem acusado Histórias Cruzadas de ser apenas mais um caça-Oscar.
Mas, não há como negar que Tate Taylor constrói bem sua teia de informações, nos envolvendo nos dramas de Aibileen, Minny, Constantine, entre outras. É revoltante ver as atitudes de personagens como Hilly Holbrook, por exemplo. Mas, é revoltante ver não apenas seu preconceito racial e forma de tratar os negros, mas também seu preconceito social contra Celia Foote, personagem de Jessica Chastain. É fácil, ficar do lado dos bonzinhos, dos humilhados, dos segregados, ainda mais com cenas com tanto apelo emocional quanto uma prisão no meio da rua ou uma porta na cara de uma pessoa que conviveu anos com sua família, esse o momento mais apelativo do filme, sem dúvidas. A mim, pessoalmente emociona mais os momentos de conquista, como quando Skeeter chega à casa de Aibileen após determinado acontecimento marcante, ou a cena no supermercado em que Aibileen e Minny se escondem de sua própria glória, quase não acreditando. Momentos verdadeiros e emocionantes, que o filme também tem em boa quantidade.
Se tem uma coisa impecável em Histórias Cruzadas é mesmo a direção de arte e reconstituição de época. São detalhes que não passam desapercebidos, desde moradias, roupas, penteados, maquiagem, fardamento, ônibus coletivo, passando por pratos típicos, forma de arrumar os alimentos, até o sotaque sulista da época. Uma verdadeira viagem no tempo, bem realizada e funcional para a história já que a ambientação é fundamental para compreender e absorver a trama que está sendo contada. Não apenas no visual externo, mas no clima interno. Há um medo constante no ambiente. Uma urgência de leis contra o racismo, um jogo perigoso de classes.
As atuações também ajudam nessa reconstituição de época. E temos alguns destaques no bom elenco, como a própria Emma Stone com sua idealista Skeeter, ou Bryce Dallas Howard, como a irritante Hilly. Destaque ainda para Sissy Spacek como a divertida Missus Walters ou Allison Janney como a mãe de Skeeter. Mas, as que roubam a cena são mesmo as premiadas Octavia Spencer como a desbocada Minny Jackson e Viola Davis como a contida Aibileen Clark. É a partir delas que a história de Skeeter ganha vida. São as primeiras a criar coragem para abrir a boca. São elas que nos conduzem nessa trama de dor, medo e injustiça. Elas, de fato, valem o filme.
Histórias Cruzadas traz boas histórias, contadas de uma forma bem feita, mas que caem em ranços, clichês e estereótipos que as tornam menos reais e próximas. Preconceito não apenas existiu como ainda existe, é verdade, mas ninguém é completamente bom, nem completamente mau como o filme quer nos convencer. O próprio caso do roubo do anel, por exemplo, realmente existiu. Cenas antes, vemos ela pegando a jóia atrás do sofá e guardando para si. E o filme constrói de uma forma que você quase esquece esse detalhe, focando apenas no preconceito racial. É o tipo de coisa que enfraquece a trama, mas não perde totalmente seu valor. Entre prós e contras, temos mesmo um bom filme.
Histórias Cruzadas (The Help: 2012 / Índia, Emirados Árabes, EUA)
Direção: Tate Taylor
Roteiro: Tate Taylor
Com: Emma Stone, Viola Davis, Bryce Dallas Howard, Jessica Chastain, Octavia Spencer.
Duração: 137 min.
A história se passa em um pequeno município do Estado do Mississipi na década de 60, onde a jornalista Eugenia Skeeter, vivida por Emma Stone, resolve entrevistar mulheres negras sobre como é ser empregada doméstica. O que elas sentem ao criar crianças brancas, enquanto seus próprios filhos estão em casa sozinhos? E como é ter que usar um banheiro separado, do lado de fora da casa? E ser discriminado por tudo, só por causa do tom de pele? O problema é que, nessa época, ainda mais no Estado do Mississipi, racismo era defendido por lei, contra a lei era exigir direitos iguais. Mesmo que já esteja se discutindo a questão com os discursos de Martin Luther King. É nessa situação que Aibileen Clark, a personagem de Viola Davis, aceita o desafio de contar de forma anônima sua história. Só que para o livro de Skeeter sair é preciso muito mais depoimentos.
A idéia de falar sobre racismo é sempre louvável. Por mais óbvia que pareça a questão, ainda existe muito preconceito no mundo e ainda lidamos com empregados domésticos como se fossem escravos. É uma situação delicada, onde pessoal e profissional se misturam e ainda há muita segregação, ainda que velada. Então, é sempre bom um tema como esse para nos fazer pensar. O problema é que a história acaba por nivelar seus personagens por baixo, tornando-os rasos e maniqueístas. Só tem duas opções: você é mau e preconceituoso ou é bom e defensor das causas raciais. Não tem meio termo. Outra coisa que incomoda está inclusive na voz da personagem de Octavia Spencer: "Por que você acha que pessoas de cor precisam de você?", ela pergunta a Skeeter. Pois é, por que uma branca precisa dar voz às negras como uma salvadora beneficente? O próprio Martin Luther King não já estava dando o exemplo de que era possível sonhar e ir em busca desse sonho? Isso acaba empobrecendo a história e a força da denúncia, por isso muitos tem acusado Histórias Cruzadas de ser apenas mais um caça-Oscar.
Mas, não há como negar que Tate Taylor constrói bem sua teia de informações, nos envolvendo nos dramas de Aibileen, Minny, Constantine, entre outras. É revoltante ver as atitudes de personagens como Hilly Holbrook, por exemplo. Mas, é revoltante ver não apenas seu preconceito racial e forma de tratar os negros, mas também seu preconceito social contra Celia Foote, personagem de Jessica Chastain. É fácil, ficar do lado dos bonzinhos, dos humilhados, dos segregados, ainda mais com cenas com tanto apelo emocional quanto uma prisão no meio da rua ou uma porta na cara de uma pessoa que conviveu anos com sua família, esse o momento mais apelativo do filme, sem dúvidas. A mim, pessoalmente emociona mais os momentos de conquista, como quando Skeeter chega à casa de Aibileen após determinado acontecimento marcante, ou a cena no supermercado em que Aibileen e Minny se escondem de sua própria glória, quase não acreditando. Momentos verdadeiros e emocionantes, que o filme também tem em boa quantidade.
Se tem uma coisa impecável em Histórias Cruzadas é mesmo a direção de arte e reconstituição de época. São detalhes que não passam desapercebidos, desde moradias, roupas, penteados, maquiagem, fardamento, ônibus coletivo, passando por pratos típicos, forma de arrumar os alimentos, até o sotaque sulista da época. Uma verdadeira viagem no tempo, bem realizada e funcional para a história já que a ambientação é fundamental para compreender e absorver a trama que está sendo contada. Não apenas no visual externo, mas no clima interno. Há um medo constante no ambiente. Uma urgência de leis contra o racismo, um jogo perigoso de classes.
As atuações também ajudam nessa reconstituição de época. E temos alguns destaques no bom elenco, como a própria Emma Stone com sua idealista Skeeter, ou Bryce Dallas Howard, como a irritante Hilly. Destaque ainda para Sissy Spacek como a divertida Missus Walters ou Allison Janney como a mãe de Skeeter. Mas, as que roubam a cena são mesmo as premiadas Octavia Spencer como a desbocada Minny Jackson e Viola Davis como a contida Aibileen Clark. É a partir delas que a história de Skeeter ganha vida. São as primeiras a criar coragem para abrir a boca. São elas que nos conduzem nessa trama de dor, medo e injustiça. Elas, de fato, valem o filme.
Histórias Cruzadas traz boas histórias, contadas de uma forma bem feita, mas que caem em ranços, clichês e estereótipos que as tornam menos reais e próximas. Preconceito não apenas existiu como ainda existe, é verdade, mas ninguém é completamente bom, nem completamente mau como o filme quer nos convencer. O próprio caso do roubo do anel, por exemplo, realmente existiu. Cenas antes, vemos ela pegando a jóia atrás do sofá e guardando para si. E o filme constrói de uma forma que você quase esquece esse detalhe, focando apenas no preconceito racial. É o tipo de coisa que enfraquece a trama, mas não perde totalmente seu valor. Entre prós e contras, temos mesmo um bom filme.
Histórias Cruzadas (The Help: 2012 / Índia, Emirados Árabes, EUA)
Direção: Tate Taylor
Roteiro: Tate Taylor
Com: Emma Stone, Viola Davis, Bryce Dallas Howard, Jessica Chastain, Octavia Spencer.
Duração: 137 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Histórias Cruzadas
2012-02-06T08:40:00-02:00
Amanda Aouad
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