Reis e Ratos
Com baixo orçamento e poucos dias de filmagem (foram apenas 17 dias), o diretor Mauro Lima conseguiu várias proezas para o cinema nacional. Primeiro um elenco estelar para ninguém botar defeito, só o fato de reunir Selton Mello, Cauã Reymond e Rodrigo Santoro já chama a atenção. Segundo, traz um roteiro inteligente, irônico em um tom farsesco que diverte e encanta a platéia. Reis e Ratos é daqueles filmes nonsense que chamam a atenção desde o trailer.
As vésperas do Golpe Militar de 64, vamos encontrar um grupo de personagens bem peculiar. De um lado, temos Troy Somerset, um agente da CIA que vive no Brasil a fim de inibir a revolução comunista e inflamar as Forças Armadas Brasileiras para um golpe. O problema é que Troy se apaixonou pelo Brasil, casou com uma brasileira e não quer voltar para os Estados Unidos. Então, seus atos podem mudar a qualquer momento. Do outro lado temos a cantora de boate Amélia Castanho, romântica e sonhadora, é ela que nos narra essa insólita história de bastidores da Guerra Fria no Brasil. Seu sonho é vencer na profissão, mas logo ela se vê envolvida entre fazendeiros, presidentes e agentes da CIA que a usam como isca e alvo de um plano maior. Sorte que ela conta com uma ajudinha do além, incorporada no locutor de rádio Hervê Gianini, um médium sem controle que por vezes se transforma em um agente russo e outras em um guerreiro cossaco.
O roteiro é envolvente e inteligente, em uma construção não-linear que mistura presente e passado, por vezes, diferenciando-o com o preto & branco na imagem. Esse recurso acaba aproximando ainda mais o filme do estilo noir, claro que em um tom de brincadeira, mais para Cliente Morto Não Paga do que qualquer filme de Billy Wilder. Aliás, sátiras e referências a filmes é o que não faltam em Reis e Ratos, tem até a Casablanca. E os atores parecem soltos nessa grande brincadeira, a começar por Selton Mello que faz um tipo canastrão típico de filmes policiais da década de 50, até sua voz é uma espécie de dublagem de si mesmo. Nesse mesmo nível, está Cauã Reymond como um locutor afeminado, mas que fala com o mesmo tom dos locutores do saudoso Repórter Esso. Já Rodrigo Santoro se despe completamente da vaidade para construir um ser asqueroso, viciado em anfetamina, com problemas de pele e dentes podres, que vive no submundo, um verdadeiro rato, Roni Rato. O resto do elenco segue o bom nível de atuação, com destaque ainda para Rafaela Mandelli como a cantora Amélia e Otávio Müller como o Major Esdras.
Ainda no roteiro, chamam a atenção os diálogos irônicos principalmente da dupla Selton Mello e Otávio Müller. É divertido e quase irreal acompanhar o raciocínio dos dois personagens a cada momento chave da trama. Lembra um pouco o tom dos irmãos Coen em Queime Depois de Ler. As brincadeiras com a Guerra Fria, com a revolta dos marinheiros (Ping Pong foi ótimo), os bastidores da Casa Branca pressionando o Brasil, tudo é incrivelmente irreal e ao mesmo tempo tão próximo da verdade. Chama a atenção, principalmente por ser um filme histórico apesar de tudo. Sem armas, sangue ou tortura, estamos presenciando uma parte da história do nosso país, ainda que de forma distorcida e exagerada.
Mauro Lima, que também assina o roteiro, traz em Reis e Ratos uma marca bastante diferente de seu filme anterior, Meu Nome Não é Johnny. A câmera também parece brincar nesse jogo de rei e rato, procurando ângulos diversos para nos envolver com os personagens, vide uma câmera girando em uma mesa redonda onde são definidos os destinos do país, ou pelo menos do presidente. A forma como mostra e esconde as provas de infidelidade também não deixa de ser uma brincadeira interessante: "reconheceu a foca?", o personagem pergunta, mas o espectador só pode imaginar o que está sendo mostrado, por exemplo. Isso sem falar na montagem do roteiro não-linear que segue um caminho próprio capaz de fazer confundir algumas sinopses. A explosão do coreto no início do filme, por exemplo, é causa e não consequência do plano do pavão.
E como a narradora Amélia Castanho nos avisa, alguns poderão ver aquela história como espionagem, guerra e golpe, mas ela vê como uma história de amor. Por isso, o tom de romance folhetim na trilha sonora e na música tema de Caetano Veloso, ainda que também nela haja uma ironia típica do roteiro. Afinal, Amélia é apenas a mulher, de verdade, que lava os pratos e os homens que povoam o filme são todos reis e ratos. Uma grande piada, mas bem contada e bem feita que abrilhanta mais uma vez o cinema nacional.
Reis e Ratos (Reis e Ratos: 2012 / Brasil)
Direção: Mauro Lima
Roteiro: Mauro Lima
Com: Selton Mello, Otávio Müller, Cauã Reymond, Rafaela Mandelli, Rodrigo Santoro, Seu Jorge, Paula Burlamaqui, Bel Kutner.
Duração: 111 min.
As vésperas do Golpe Militar de 64, vamos encontrar um grupo de personagens bem peculiar. De um lado, temos Troy Somerset, um agente da CIA que vive no Brasil a fim de inibir a revolução comunista e inflamar as Forças Armadas Brasileiras para um golpe. O problema é que Troy se apaixonou pelo Brasil, casou com uma brasileira e não quer voltar para os Estados Unidos. Então, seus atos podem mudar a qualquer momento. Do outro lado temos a cantora de boate Amélia Castanho, romântica e sonhadora, é ela que nos narra essa insólita história de bastidores da Guerra Fria no Brasil. Seu sonho é vencer na profissão, mas logo ela se vê envolvida entre fazendeiros, presidentes e agentes da CIA que a usam como isca e alvo de um plano maior. Sorte que ela conta com uma ajudinha do além, incorporada no locutor de rádio Hervê Gianini, um médium sem controle que por vezes se transforma em um agente russo e outras em um guerreiro cossaco.
O roteiro é envolvente e inteligente, em uma construção não-linear que mistura presente e passado, por vezes, diferenciando-o com o preto & branco na imagem. Esse recurso acaba aproximando ainda mais o filme do estilo noir, claro que em um tom de brincadeira, mais para Cliente Morto Não Paga do que qualquer filme de Billy Wilder. Aliás, sátiras e referências a filmes é o que não faltam em Reis e Ratos, tem até a Casablanca. E os atores parecem soltos nessa grande brincadeira, a começar por Selton Mello que faz um tipo canastrão típico de filmes policiais da década de 50, até sua voz é uma espécie de dublagem de si mesmo. Nesse mesmo nível, está Cauã Reymond como um locutor afeminado, mas que fala com o mesmo tom dos locutores do saudoso Repórter Esso. Já Rodrigo Santoro se despe completamente da vaidade para construir um ser asqueroso, viciado em anfetamina, com problemas de pele e dentes podres, que vive no submundo, um verdadeiro rato, Roni Rato. O resto do elenco segue o bom nível de atuação, com destaque ainda para Rafaela Mandelli como a cantora Amélia e Otávio Müller como o Major Esdras.
Ainda no roteiro, chamam a atenção os diálogos irônicos principalmente da dupla Selton Mello e Otávio Müller. É divertido e quase irreal acompanhar o raciocínio dos dois personagens a cada momento chave da trama. Lembra um pouco o tom dos irmãos Coen em Queime Depois de Ler. As brincadeiras com a Guerra Fria, com a revolta dos marinheiros (Ping Pong foi ótimo), os bastidores da Casa Branca pressionando o Brasil, tudo é incrivelmente irreal e ao mesmo tempo tão próximo da verdade. Chama a atenção, principalmente por ser um filme histórico apesar de tudo. Sem armas, sangue ou tortura, estamos presenciando uma parte da história do nosso país, ainda que de forma distorcida e exagerada.
Mauro Lima, que também assina o roteiro, traz em Reis e Ratos uma marca bastante diferente de seu filme anterior, Meu Nome Não é Johnny. A câmera também parece brincar nesse jogo de rei e rato, procurando ângulos diversos para nos envolver com os personagens, vide uma câmera girando em uma mesa redonda onde são definidos os destinos do país, ou pelo menos do presidente. A forma como mostra e esconde as provas de infidelidade também não deixa de ser uma brincadeira interessante: "reconheceu a foca?", o personagem pergunta, mas o espectador só pode imaginar o que está sendo mostrado, por exemplo. Isso sem falar na montagem do roteiro não-linear que segue um caminho próprio capaz de fazer confundir algumas sinopses. A explosão do coreto no início do filme, por exemplo, é causa e não consequência do plano do pavão.
E como a narradora Amélia Castanho nos avisa, alguns poderão ver aquela história como espionagem, guerra e golpe, mas ela vê como uma história de amor. Por isso, o tom de romance folhetim na trilha sonora e na música tema de Caetano Veloso, ainda que também nela haja uma ironia típica do roteiro. Afinal, Amélia é apenas a mulher, de verdade, que lava os pratos e os homens que povoam o filme são todos reis e ratos. Uma grande piada, mas bem contada e bem feita que abrilhanta mais uma vez o cinema nacional.
Reis e Ratos (Reis e Ratos: 2012 / Brasil)
Direção: Mauro Lima
Roteiro: Mauro Lima
Com: Selton Mello, Otávio Müller, Cauã Reymond, Rafaela Mandelli, Rodrigo Santoro, Seu Jorge, Paula Burlamaqui, Bel Kutner.
Duração: 111 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Reis e Ratos
2012-02-18T08:18:00-02:00
Amanda Aouad
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