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A Grande Ilusão
A Grande Ilusão
Quando um grande clássico é refilmado, fica difícil construir uma crítica sobre ele sem comparar com o anterior. Por isto, resolvi fazer com A Grande Ilusão o mesmo que fizemos com A Hora do Espanto, uma comparação, buscando analisar o porquê das mudanças tão significativas de uma época para outra. Vou tentar não entregar toda a trama, mas, no texto terão alguns spoilers. Então, é recomendado ver o filme antes, pelo menos um deles.
São dois bons filmes, antes de tudo, cada um a sua época e com seus chamarizes especiais. O filme de 1949 era a estreia de Mercedes McCambridge nas telas, e já nele venceu o Oscar de melhor atriz coadjuvante, assim como Broderick Crawford levou o de melhor ator. Sem falar que a obra foi o vencedor do Oscar de 1950 de Melhor Filme, além de levar o Globo de Ouro e ser indicado ao Leão de Ouro em Veneza no mesmo ano. Tornou-se um clássico, com sua construção de um político que começa honesto e ingênuo, mas vai se corrompendo aos poucos. Já o filme de 2006, apesar de chamar a atenção pelo elenco estelar, não apenas por fama, mas por talento, não conseguiu o mesmo desempenho, tendo uma bilheteria abaixo dos 10 milhões nos Estados Unidos e sendo lançado no Brasil diretamente em DVD (fonte).
Os filmes contam a história de Willie Stark, um homem simples do campo que acredita poder mudar a situação política do seu estado. Ao descobrir que estava sendo usado como massa de manobra de políticos corruptos, ele resolve virar o jogo, investindo pesado na campanha e se tornando um Governador popular que faz muitas obras e traz melhorias para o povo. O problema é que o poder acaba influenciando sua personalidade, tornando-o um homem sem escrúpulos, quase um ditador sutil, que controla imprensa e orgãos públicos em geral, passando por cima de quem for preciso para atingir seus objetivos. O povo, no entanto, continua amando-o profundamente.
Um dos grandes problemas do filme de Steven Zaillian, de 2006, está na construção desse personagem. Apesar de um roteiro frangmentado e pouco objetivo, o filme de 1949, dirigido por Robert Rossen, nos mostra um Willie Stark simples, honesto, mas com ideais bem definidos. Sua primeira aparição é em um comício informal, onde tenta "abrir os olhos" dos seus conterrâneos para a corrupção vigente. Ele sofre muito antes de chegar ao poder. Perde a eleição para Prefeito, é usado na primeira eleição para Governador, percebe a manobra, tenta tomar as rédeas da situação, mas ainda assim, perde novamente. Só então, ele percebe que precisa fazer alianças com a classe dominante (parece até um presidente que a gente conhece), e começa a fazer de sua possível eleição uma moeda de troca. Aos poucos, o Willie Stark se torna um ditador egocêntrico, que acha ser permitido a ele fazer qualquer coisa, passando por cima de mulher, filho, amigos e colegas. A transformação é imensa. E o público sente esse impacto, pois em algum momento no princípio da trama, acreditou nele tal qual o repórter Jack Burden.
Já no filme de 2006, Steven Zaillian nos oferece um Willie Stark mais estável. Primeiro, ele opta por um prólogo no futuro, quando o personagem já é governador, só depois retorna cinco anos e encontramos o ingênuo homem do campo, já não tão ingênuo quanto o do filme de Robert Rossen, nem tão idealista, já que nunca se candidatou a nada, nem tentou mudar o mundo. Outro problema da refilmagem é não apresentar Stark às derrotas. Ele só se candidata ao governo do Estado, percebe a manobra, muda a postura e já é eleito. Não vemos sua transformação gradual, nem há uma justificativa para sua corrupção aos poucos. O primeiro precisa sofrer para perceber que na política não tem jeito, o segundo já segue o curso. Ele também parece menos humano. A história com sua esposa e filho são pouco exploradas. O filho, então, é quase um figurante e sua trama não ganha força como no primeiro filme.
Neste ponto, a diferença de foco é também a diferença de gênero dos dois filmes. E é interessante perceber isso, sabendo que ambos vem de uma mesma fonte, o livro de Robert Penn Warren, publicado em 1946. O primeiro filme é um drama, com um toque forte do melodrama usado na época, com defesa de honra, maniqueísmo, amor eterno corrompido, lutas de classes, etc. Há um toque noir, claro, na narração do ator John Ireland como o repórter Jack Burden, mas as emoções estão ali todas "à flor da pele". Já o segundo filme é em plenos anos 2000, muitos dos valores e estilos importantes para época soam quase ridículos aqui, por isso, o drama perde maior profundidade e se torna um thriller psicológico, quase um suspense. O roteiro foca, então, no jogo de poder entre Willie Stark e o juiz Irwin. E o desfecho é diferente em sua essência, apesar de igual nas ações. Os próprios irmãos Anne e Adam Stanton ganham outra perspectiva. Não são mais mocinhos modelos que tomam caminhos diferentes com a chegada de Stark, são seres traumatizados, reclusos, doídos.
É importante ressaltar que entre os dois filmes existe outra diferença grande no fazer cinema em Hollywood. O primeiro é antes da popularização do Actors Studio, que modificou a forma de interpretação inspirada em Stanislavski. Assim como é antes também dos manuais de roteiro popularizados por Syd Field, que criou normas claras para construção da curva dramática da trama. É visível a diferença disso, para o filme de 2006, após tudo isso. A formatação do filme se modifica profundamente. No filme de 1949, as interpretações são todas em um tom acima, ampliando o melodrama e o caráter teatral da história, assim como o roteiro possui uma cadência estranha aos atuais, bastante fragmentada no início, com várias tramas, vários aparentes inícios, como se o "ponto de ataque" da história demorasse a acontecer. Apesar disso, ou até por causa disso, ele acaba sendo mais claro, nos dando os pontos de vista e motivações dos diversos personagens, nos tornando mais próximos de todos. O filme de 2006, apesar de objetivo, acaba se tornando confuso, raso, com muitas pontas soltas.
Em contrapartida, o filme de 2006 possui uma direção mais inspirada, não apenas pelas possibilidades técnicas e orçamentárias, mas pelo interesse de Steven Zaillian em construir os detalhes das cenas, nos mostrando metáforas através de imagens, uma fotografia trabalhada e movimentos de câmeras e enquadramentos diversos. A cena do discurso de Willie Stark na feira, por exemplo, ganha outro peso. Apesar do filme de 1949 já ser forte e impactante, temos aqui um Sean Penn inspirado e apoiado pela ambientação inicial, com detalhes da feira, o parque, as pessoas se divertindo, enquanto que o comício está quase vazio. À medida em que ele vai falando, as pessoas vão se aproximando, saindo de diversos lugares, até de cima de árvores. Há força nas imagens. O discurso de 1949 se resume a cena no palanque. Isso sem falar na cena seguinte de 2006, que mostra um clipe com Sean Penn discursando para diversas plateias, dando a dimensão do crescimento do movimento e do candidato.
O elenco é outro forte do filme de 2006. Ver o embate entre Sean Penn e Anthony Hopkins por exemplo, já nos vale o filme. Jude Law está muito bem como o repórter, apesar de seu personagem ser quase um observador privilegiado da história, ao contrário do primeiro filme, onde tinha uma trama própria mais presente. Kate Winslet dá outro fôlego a personagem Anne, construindo novas camadas para personagem, que a tornam mais crível que a mocinha do filme de 1949, indo para o "mau caminho". Já Mark Ruffalo tem um Adam muito mais fragilizado que o herói honrado do primeiro filme, e se sai bem na construção do perfil, ainda que considere a mudança de personalidade uma perda para a história.
De qualquer maneira, sendo em 1949 ou 2006, A Grande Ilusão é um filme interessante de se conhecer e acompanhar. Sua construção política e ideológica do homem do campo corrompido pelo poder não é nova, mas ainda levanta diversas questões válidas. Dois filmes diferentes, de épocas diferentes e tão próximos ao mesmo tempo.
A Grande Ilusão (All the King's Men: 1949/ EUA)
Diretor: Robert Rossen
Roteiro: Robert Rossen
Com: Broderick Crawford, John Ireland, Joanne Dru, John Derek e Mercedes McCambridge
Duração: 109 min.
A Grande Ilusão (All the King's Men: 2006/ EUA)
Diretor: Steven Zaillian
Roteiro: Steven Zaillian
Com: Sean Penn, Jude Law, Kate Winslet, Anthony Hopkins, Mark Ruffalo, Patricia Clarkson, Jackie Earle Haley.
Duração: 128 min.
São dois bons filmes, antes de tudo, cada um a sua época e com seus chamarizes especiais. O filme de 1949 era a estreia de Mercedes McCambridge nas telas, e já nele venceu o Oscar de melhor atriz coadjuvante, assim como Broderick Crawford levou o de melhor ator. Sem falar que a obra foi o vencedor do Oscar de 1950 de Melhor Filme, além de levar o Globo de Ouro e ser indicado ao Leão de Ouro em Veneza no mesmo ano. Tornou-se um clássico, com sua construção de um político que começa honesto e ingênuo, mas vai se corrompendo aos poucos. Já o filme de 2006, apesar de chamar a atenção pelo elenco estelar, não apenas por fama, mas por talento, não conseguiu o mesmo desempenho, tendo uma bilheteria abaixo dos 10 milhões nos Estados Unidos e sendo lançado no Brasil diretamente em DVD (fonte).
Os filmes contam a história de Willie Stark, um homem simples do campo que acredita poder mudar a situação política do seu estado. Ao descobrir que estava sendo usado como massa de manobra de políticos corruptos, ele resolve virar o jogo, investindo pesado na campanha e se tornando um Governador popular que faz muitas obras e traz melhorias para o povo. O problema é que o poder acaba influenciando sua personalidade, tornando-o um homem sem escrúpulos, quase um ditador sutil, que controla imprensa e orgãos públicos em geral, passando por cima de quem for preciso para atingir seus objetivos. O povo, no entanto, continua amando-o profundamente.
Um dos grandes problemas do filme de Steven Zaillian, de 2006, está na construção desse personagem. Apesar de um roteiro frangmentado e pouco objetivo, o filme de 1949, dirigido por Robert Rossen, nos mostra um Willie Stark simples, honesto, mas com ideais bem definidos. Sua primeira aparição é em um comício informal, onde tenta "abrir os olhos" dos seus conterrâneos para a corrupção vigente. Ele sofre muito antes de chegar ao poder. Perde a eleição para Prefeito, é usado na primeira eleição para Governador, percebe a manobra, tenta tomar as rédeas da situação, mas ainda assim, perde novamente. Só então, ele percebe que precisa fazer alianças com a classe dominante (parece até um presidente que a gente conhece), e começa a fazer de sua possível eleição uma moeda de troca. Aos poucos, o Willie Stark se torna um ditador egocêntrico, que acha ser permitido a ele fazer qualquer coisa, passando por cima de mulher, filho, amigos e colegas. A transformação é imensa. E o público sente esse impacto, pois em algum momento no princípio da trama, acreditou nele tal qual o repórter Jack Burden.
Já no filme de 2006, Steven Zaillian nos oferece um Willie Stark mais estável. Primeiro, ele opta por um prólogo no futuro, quando o personagem já é governador, só depois retorna cinco anos e encontramos o ingênuo homem do campo, já não tão ingênuo quanto o do filme de Robert Rossen, nem tão idealista, já que nunca se candidatou a nada, nem tentou mudar o mundo. Outro problema da refilmagem é não apresentar Stark às derrotas. Ele só se candidata ao governo do Estado, percebe a manobra, muda a postura e já é eleito. Não vemos sua transformação gradual, nem há uma justificativa para sua corrupção aos poucos. O primeiro precisa sofrer para perceber que na política não tem jeito, o segundo já segue o curso. Ele também parece menos humano. A história com sua esposa e filho são pouco exploradas. O filho, então, é quase um figurante e sua trama não ganha força como no primeiro filme.
Neste ponto, a diferença de foco é também a diferença de gênero dos dois filmes. E é interessante perceber isso, sabendo que ambos vem de uma mesma fonte, o livro de Robert Penn Warren, publicado em 1946. O primeiro filme é um drama, com um toque forte do melodrama usado na época, com defesa de honra, maniqueísmo, amor eterno corrompido, lutas de classes, etc. Há um toque noir, claro, na narração do ator John Ireland como o repórter Jack Burden, mas as emoções estão ali todas "à flor da pele". Já o segundo filme é em plenos anos 2000, muitos dos valores e estilos importantes para época soam quase ridículos aqui, por isso, o drama perde maior profundidade e se torna um thriller psicológico, quase um suspense. O roteiro foca, então, no jogo de poder entre Willie Stark e o juiz Irwin. E o desfecho é diferente em sua essência, apesar de igual nas ações. Os próprios irmãos Anne e Adam Stanton ganham outra perspectiva. Não são mais mocinhos modelos que tomam caminhos diferentes com a chegada de Stark, são seres traumatizados, reclusos, doídos.
É importante ressaltar que entre os dois filmes existe outra diferença grande no fazer cinema em Hollywood. O primeiro é antes da popularização do Actors Studio, que modificou a forma de interpretação inspirada em Stanislavski. Assim como é antes também dos manuais de roteiro popularizados por Syd Field, que criou normas claras para construção da curva dramática da trama. É visível a diferença disso, para o filme de 2006, após tudo isso. A formatação do filme se modifica profundamente. No filme de 1949, as interpretações são todas em um tom acima, ampliando o melodrama e o caráter teatral da história, assim como o roteiro possui uma cadência estranha aos atuais, bastante fragmentada no início, com várias tramas, vários aparentes inícios, como se o "ponto de ataque" da história demorasse a acontecer. Apesar disso, ou até por causa disso, ele acaba sendo mais claro, nos dando os pontos de vista e motivações dos diversos personagens, nos tornando mais próximos de todos. O filme de 2006, apesar de objetivo, acaba se tornando confuso, raso, com muitas pontas soltas.
Em contrapartida, o filme de 2006 possui uma direção mais inspirada, não apenas pelas possibilidades técnicas e orçamentárias, mas pelo interesse de Steven Zaillian em construir os detalhes das cenas, nos mostrando metáforas através de imagens, uma fotografia trabalhada e movimentos de câmeras e enquadramentos diversos. A cena do discurso de Willie Stark na feira, por exemplo, ganha outro peso. Apesar do filme de 1949 já ser forte e impactante, temos aqui um Sean Penn inspirado e apoiado pela ambientação inicial, com detalhes da feira, o parque, as pessoas se divertindo, enquanto que o comício está quase vazio. À medida em que ele vai falando, as pessoas vão se aproximando, saindo de diversos lugares, até de cima de árvores. Há força nas imagens. O discurso de 1949 se resume a cena no palanque. Isso sem falar na cena seguinte de 2006, que mostra um clipe com Sean Penn discursando para diversas plateias, dando a dimensão do crescimento do movimento e do candidato.
O elenco é outro forte do filme de 2006. Ver o embate entre Sean Penn e Anthony Hopkins por exemplo, já nos vale o filme. Jude Law está muito bem como o repórter, apesar de seu personagem ser quase um observador privilegiado da história, ao contrário do primeiro filme, onde tinha uma trama própria mais presente. Kate Winslet dá outro fôlego a personagem Anne, construindo novas camadas para personagem, que a tornam mais crível que a mocinha do filme de 1949, indo para o "mau caminho". Já Mark Ruffalo tem um Adam muito mais fragilizado que o herói honrado do primeiro filme, e se sai bem na construção do perfil, ainda que considere a mudança de personalidade uma perda para a história.
De qualquer maneira, sendo em 1949 ou 2006, A Grande Ilusão é um filme interessante de se conhecer e acompanhar. Sua construção política e ideológica do homem do campo corrompido pelo poder não é nova, mas ainda levanta diversas questões válidas. Dois filmes diferentes, de épocas diferentes e tão próximos ao mesmo tempo.
A Grande Ilusão (All the King's Men: 1949/ EUA)
Diretor: Robert Rossen
Roteiro: Robert Rossen
Com: Broderick Crawford, John Ireland, Joanne Dru, John Derek e Mercedes McCambridge
Duração: 109 min.
A Grande Ilusão (All the King's Men: 2006/ EUA)
Diretor: Steven Zaillian
Roteiro: Steven Zaillian
Com: Sean Penn, Jude Law, Kate Winslet, Anthony Hopkins, Mark Ruffalo, Patricia Clarkson, Jackie Earle Haley.
Duração: 128 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A Grande Ilusão
2012-03-18T08:19:00-03:00
Amanda Aouad
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