Habemus Papam
A pior coisa para um filme é a expectativa. Quando li a sinopse de Habemus Papam esperei algo completamente diferente do encontrado em seus 102 minutos de projeção. Ainda mais sendo um filme de Nanni Moretti, diretor conhecido por sua ironia e sarcasmo, além de assumidamente ateu. A premissa de um Papa recém eleito no Conclave que entra em pânico e não quer assumir era um prato cheio para uma sátira bem realizada. A crítica está ali, mas perde-se uma ótima oportunidade para uma obra mais profunda que se perde em tolices metafóricas.
O início é promissor. Todo aquele ritual, o Papa morto, a reunião dos Cardeais, o repórter italiano atrapalhado (vide a primeira fumaça preta) que nos apresenta os personagens daquela encenação, a multidão lá fora. Fecham-se as portas e já vem a primeira ironia de Moretti com os Cardeais no escuro, um deles até toma uma queda, antes que lembrem-se de acender as luzes. As piadas são inúmeras desde então, as expressões dos votantes, um dos Cardeais tentando "colar" do outro, os pensamentos de "por favor, não eu", as reações a cada nome citado. Vem a escolha do Cardeal Melville e o único momento emocionante do filme, com todos se virando aos poucos para bater palmas ao novo pontífice. A câmera de Moretti é bastante feliz ao conduzir o momento, focando no futuro Papa, sua expressão de surpresa, seu temor.
A instalação do drama é também bem realizada, com um humor ferino. Primeiro, no grito incontrolado ao ser chamado para se apresentar em público, depois na chegada do psicanalista que irá tratá-lo. A forma como os Cardeais os cercam, as perguntas proibidas, as brincadeiras com as fórmulas psicanalistas, tudo isso prometia um filme e tanto. Mas, aí vem a mudança. Melville foge do Vaticano se escondendo pelas ruas de Roma enquanto o psicanalista vivido pelo próprio Nanni Moretti fica preso junto aos demais Cardeais tendo que encontrar formas de passar o tempo. O mote que prometia muito com a terapia do Papa se perde, mesmo que ele ainda tenha uma pequena sessão com a esposa obcecada pelo "déficit de aceitação". A crítica se torna tola, se perde em meio a piadas sem sentido como Cardeais jogando vôlei em um torneio absurdo. Ainda que restem pequenos momentos de inteligência como as discussões sobre a depressão na Bíblia ou as sombras do falso pontífice que emocionam a todos.
No lado de Melville, o que vale é a metáfora do ator que ele sempre quis ser, e no fundo não o deixaria, já que aquilo tudo se transforma em um verdadeiro teatro da vida real. Mas, nem isso é tão aprofundado, já que o Cardeal parece mesmo sincero em suas questões internas de não merecimento do cargo. Questionamentos válidos principalmente pelo talento do ator Michel Piccoli que nos envolve em sua interpretação impressionante. O medo é possível de ser vislumbrado em seu olhar, mas sem nunca perder a doçura, o cuidado, a ingenuidade até. Sua paixão pelo teatro também é bem desenvolvida, nos convencendo de que aquele é mesmo um personagem real, com diversas camadas. O questionamento de sua figura humana repleta de falhas diante de um cargo que o compara a um santo é outro ponto positivo da trama, que poderia ser melhor explorado.
O roteiro poderia ser melhor encadeado, com uma linha crítica definida, e um mesmo tom. Ao alternar ternura com escracho, Moretti acaba deixando seu público confuso em relação a sua verdadeira intenção em cada cena e no filme como um todo. Por mais que a sátira ao ritual nos deixe claro seu desprezo a católicos e a psicanalistas, há momentos que em que ele nos conduz com respeito e comoção por aquela figura eleita. Assim como nos faz crer na possibilidade de um tratamento psicanalítico, para logo depois desacreditá-lo reclamando do tempo ou do diagnóstico repetitivo (o tal "déficit de aceitação").
Com material suficiente para um ótimo drama, Nanni Moretti acaba nos levando em uma comédia instável, com momentos memoráveis e outros deploráveis. A crítica deixa de ser inteligente e se torna rasa em muitos momentos, ofendendo até católicos e psicanalistas em denúncias vazias. Tudo poderia ser melhor trabalhado, melhor explorado, melhor criticado. Fica a inconstância de um filme que poderia ter sido, mas que não deixa de ser corajoso em seu final.
Habemus Papam (Habemus Papam, 2012 / Itália)
Direção: Nanni Moretti
Roteiro: Nanni Moretti e Francesco Piccolo
Com: Michel Piccoli, Jerzy Stuhr, Margherita Buy, Nanni Moretti, Renato Scarpa.
Duração: 102 min.
O início é promissor. Todo aquele ritual, o Papa morto, a reunião dos Cardeais, o repórter italiano atrapalhado (vide a primeira fumaça preta) que nos apresenta os personagens daquela encenação, a multidão lá fora. Fecham-se as portas e já vem a primeira ironia de Moretti com os Cardeais no escuro, um deles até toma uma queda, antes que lembrem-se de acender as luzes. As piadas são inúmeras desde então, as expressões dos votantes, um dos Cardeais tentando "colar" do outro, os pensamentos de "por favor, não eu", as reações a cada nome citado. Vem a escolha do Cardeal Melville e o único momento emocionante do filme, com todos se virando aos poucos para bater palmas ao novo pontífice. A câmera de Moretti é bastante feliz ao conduzir o momento, focando no futuro Papa, sua expressão de surpresa, seu temor.
A instalação do drama é também bem realizada, com um humor ferino. Primeiro, no grito incontrolado ao ser chamado para se apresentar em público, depois na chegada do psicanalista que irá tratá-lo. A forma como os Cardeais os cercam, as perguntas proibidas, as brincadeiras com as fórmulas psicanalistas, tudo isso prometia um filme e tanto. Mas, aí vem a mudança. Melville foge do Vaticano se escondendo pelas ruas de Roma enquanto o psicanalista vivido pelo próprio Nanni Moretti fica preso junto aos demais Cardeais tendo que encontrar formas de passar o tempo. O mote que prometia muito com a terapia do Papa se perde, mesmo que ele ainda tenha uma pequena sessão com a esposa obcecada pelo "déficit de aceitação". A crítica se torna tola, se perde em meio a piadas sem sentido como Cardeais jogando vôlei em um torneio absurdo. Ainda que restem pequenos momentos de inteligência como as discussões sobre a depressão na Bíblia ou as sombras do falso pontífice que emocionam a todos.
No lado de Melville, o que vale é a metáfora do ator que ele sempre quis ser, e no fundo não o deixaria, já que aquilo tudo se transforma em um verdadeiro teatro da vida real. Mas, nem isso é tão aprofundado, já que o Cardeal parece mesmo sincero em suas questões internas de não merecimento do cargo. Questionamentos válidos principalmente pelo talento do ator Michel Piccoli que nos envolve em sua interpretação impressionante. O medo é possível de ser vislumbrado em seu olhar, mas sem nunca perder a doçura, o cuidado, a ingenuidade até. Sua paixão pelo teatro também é bem desenvolvida, nos convencendo de que aquele é mesmo um personagem real, com diversas camadas. O questionamento de sua figura humana repleta de falhas diante de um cargo que o compara a um santo é outro ponto positivo da trama, que poderia ser melhor explorado.
O roteiro poderia ser melhor encadeado, com uma linha crítica definida, e um mesmo tom. Ao alternar ternura com escracho, Moretti acaba deixando seu público confuso em relação a sua verdadeira intenção em cada cena e no filme como um todo. Por mais que a sátira ao ritual nos deixe claro seu desprezo a católicos e a psicanalistas, há momentos que em que ele nos conduz com respeito e comoção por aquela figura eleita. Assim como nos faz crer na possibilidade de um tratamento psicanalítico, para logo depois desacreditá-lo reclamando do tempo ou do diagnóstico repetitivo (o tal "déficit de aceitação").
Com material suficiente para um ótimo drama, Nanni Moretti acaba nos levando em uma comédia instável, com momentos memoráveis e outros deploráveis. A crítica deixa de ser inteligente e se torna rasa em muitos momentos, ofendendo até católicos e psicanalistas em denúncias vazias. Tudo poderia ser melhor trabalhado, melhor explorado, melhor criticado. Fica a inconstância de um filme que poderia ter sido, mas que não deixa de ser corajoso em seu final.
Habemus Papam (Habemus Papam, 2012 / Itália)
Direção: Nanni Moretti
Roteiro: Nanni Moretti e Francesco Piccolo
Com: Michel Piccoli, Jerzy Stuhr, Margherita Buy, Nanni Moretti, Renato Scarpa.
Duração: 102 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Habemus Papam
2012-03-27T08:12:00-03:00
Amanda Aouad
cinema europeu|comedia|critica|Michel Piccoli|Nanni Moretti|
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