Inquietos
Tirando a infeliz idéia de refilmar Psicose em 1998 como uma "homenagem" a Hitchcock, Gus Van Sant é um diretor de boas escolhas. Inquietos é mais uma delas, uma comédia romântica às avessas no que ficou rotulado como filme indie americano, nos traz algumas reflexões interessantes diante de uma realidade pouco palpável, mas que nos envolve em seus 91 minutos de projeção.
Assim que conhece Enoch, o personagem de Henry Hopper, Elizabeth (Schuyler Fisk) pergunta por que ela deveria estar preocupada por ele ser a nova companhia de sua irmã Annabel, vivida por Mia Wasikowska. "Só por que você é um garoto orfão, que não frequenta a escola, passa os dias como penetra em funerais e tem um amigo fantasma?" Essa ironia que define o protagonista da trama tão bem é o tom de Inquietos. Nós temos aqui dois jovens muito estranhos que por algum motivo se olham em um funeral e parecem terem sido flechados pelo cupido. Ele, esse garoto problemático que em vez de ser levado a um terapeuta ou psiquiatra vaga por cemitérios. Ela, uma garota com câncer no cérebro que tem apenas três meses de vida.
Claro que um garoto orfão, traumatizado, expulso da escola e sem outra atividade que não seja penetrar velórios alheios era pouco. Por isso, surge o personagem de Ryo Kase. Hiroshi Takahashi é um fantasminha camarada, um verdadeiro kamikaze da Segunda Guerra Mundial, que ainda veste a farda com a qual se jogou em algum navio inimigo. Talvez seja o personagem mais interessante, apesar de não sabermos nem se ele é real ou fruto da imaginação de Enoch. Sua cena após "descobrir" o que aconteceu com Nagasaki, por exemplo, é um detalhe que quase passa despercebido, mas traz em sua essência o tema principal do filme: a inutilidade, ou não, de nossos sacrifícios na vida.
São três garotos em momentos extremos que não conseguem se recolocar no mundo. Aliás, tanto Hiroshi quanto Annabel podem ser considerados partes da personalidade do próprio Enoch que se sente injustiçado pela vida por ter perdido os pais tão cedo e nem ter podido se despedir deles. Talvez por isso, ele vague pelos velórios alheios imaginando que possa resgatar alguma espécie de momento. Talvez por isso, tenha um amigo kamikaze, que deu a vida acreditando que estava salvando o seu país e este foi destruído por duas bombas atômicas. E, de repente, ele conhece uma bela garota, inteligente, que adora ler Darwin e suas teorias evolucionistas e que ironicamente está sendo destruída pelo seu próprio organismo. Afinal, o câncer nada mais é do que uma célula humana que se degenera e ataca as outras.
É um mundo atípico, e por isso, tão inquieto e com tantas situações estranhas como o ensaio de um adeus ou uma visita a um necrotério. E Gus Van Sant consegue colocar a sua mão nesse drama, observando a rotina estranha desse casal que nos envolve aos poucos. O diretor observa seus personagens fluírem em cena, quase como um documentarista do cinema direto. Contemplando cada momento, cada silêncio, cada direcionamento de olhar. E a entrega dos dois jovens atores às mãos desse mestre da emoção simples ajuda no melhor encadeamento da trama. Mia Wasikowska e Henry Hopper se envolvem no absurdo com lógica e nos passam a segurança de que aquilo possa mesmo existir. Seja por apatia, por medo, por conformismo.
Inquietos segue seu próprio ritmo. O ritmo da espera pela morte ou por um milagre que possa fazer os personagens compreenderem o sentido de tudo aquilo. O sentido da vida, o sentido da morte, o sentido do amor e do encontro de duas almas tão díspares.
Inquietos (Restless: 2011 / EUA)
Direção: Gus Van Sant
Roteiro: Jason Lew
Com: Mia Wasikowska, Henry Hopper, Ryo Kase, Schuyler Fisk.
Duração: 91 min.
Assim que conhece Enoch, o personagem de Henry Hopper, Elizabeth (Schuyler Fisk) pergunta por que ela deveria estar preocupada por ele ser a nova companhia de sua irmã Annabel, vivida por Mia Wasikowska. "Só por que você é um garoto orfão, que não frequenta a escola, passa os dias como penetra em funerais e tem um amigo fantasma?" Essa ironia que define o protagonista da trama tão bem é o tom de Inquietos. Nós temos aqui dois jovens muito estranhos que por algum motivo se olham em um funeral e parecem terem sido flechados pelo cupido. Ele, esse garoto problemático que em vez de ser levado a um terapeuta ou psiquiatra vaga por cemitérios. Ela, uma garota com câncer no cérebro que tem apenas três meses de vida.
Claro que um garoto orfão, traumatizado, expulso da escola e sem outra atividade que não seja penetrar velórios alheios era pouco. Por isso, surge o personagem de Ryo Kase. Hiroshi Takahashi é um fantasminha camarada, um verdadeiro kamikaze da Segunda Guerra Mundial, que ainda veste a farda com a qual se jogou em algum navio inimigo. Talvez seja o personagem mais interessante, apesar de não sabermos nem se ele é real ou fruto da imaginação de Enoch. Sua cena após "descobrir" o que aconteceu com Nagasaki, por exemplo, é um detalhe que quase passa despercebido, mas traz em sua essência o tema principal do filme: a inutilidade, ou não, de nossos sacrifícios na vida.
São três garotos em momentos extremos que não conseguem se recolocar no mundo. Aliás, tanto Hiroshi quanto Annabel podem ser considerados partes da personalidade do próprio Enoch que se sente injustiçado pela vida por ter perdido os pais tão cedo e nem ter podido se despedir deles. Talvez por isso, ele vague pelos velórios alheios imaginando que possa resgatar alguma espécie de momento. Talvez por isso, tenha um amigo kamikaze, que deu a vida acreditando que estava salvando o seu país e este foi destruído por duas bombas atômicas. E, de repente, ele conhece uma bela garota, inteligente, que adora ler Darwin e suas teorias evolucionistas e que ironicamente está sendo destruída pelo seu próprio organismo. Afinal, o câncer nada mais é do que uma célula humana que se degenera e ataca as outras.
É um mundo atípico, e por isso, tão inquieto e com tantas situações estranhas como o ensaio de um adeus ou uma visita a um necrotério. E Gus Van Sant consegue colocar a sua mão nesse drama, observando a rotina estranha desse casal que nos envolve aos poucos. O diretor observa seus personagens fluírem em cena, quase como um documentarista do cinema direto. Contemplando cada momento, cada silêncio, cada direcionamento de olhar. E a entrega dos dois jovens atores às mãos desse mestre da emoção simples ajuda no melhor encadeamento da trama. Mia Wasikowska e Henry Hopper se envolvem no absurdo com lógica e nos passam a segurança de que aquilo possa mesmo existir. Seja por apatia, por medo, por conformismo.
Inquietos segue seu próprio ritmo. O ritmo da espera pela morte ou por um milagre que possa fazer os personagens compreenderem o sentido de tudo aquilo. O sentido da vida, o sentido da morte, o sentido do amor e do encontro de duas almas tão díspares.
Inquietos (Restless: 2011 / EUA)
Direção: Gus Van Sant
Roteiro: Jason Lew
Com: Mia Wasikowska, Henry Hopper, Ryo Kase, Schuyler Fisk.
Duração: 91 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Inquietos
2012-03-12T08:56:00-03:00
Amanda Aouad
critica|drama|Gus Van Sant|Henry Hopper|Mia Wasikowska|romance|
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