
Em 1996, o diretor baiano
José Araripe Jr. fez um curta-metragem para homenagear o cinema que acabara de completar 100 anos. Uma história nostálgica sobre um
mágico que já não conseguia mais fazer seu ofício, até que algo acontece. Lembrei muito de
Araripe e seu singelo
filme ao assistir
O Mágico,
animação francesa que ganhou o Oscar ano passado. A nostalgia e encanto continuam aqui os mesmos, assim como o ponto de virada na vida do profissional ultrapassado.
O roteiro de
O Mágico também tem sua história de encanto já que une a alma do diretor francês
Jacques Tati, morto em 1982 e autor original da obra, e o espírito do já não tão jovem animador francês
Sylvain Chomet, que reescreveu algumas partes e dirigiu o
filme. Assim acompanhamos a trajetória melancólica de um
mágico tradicional que parece não encontrar mais espaço em um mundo modernizado onde jovens tem preferências estranhas. Quando parece não ter mais perspectivas, o
mágico conhece em uma pequena cidade na Escócia a jovem Alice, única que ainda parece se encantar com essa antiga técnica. Ele a presenteia com um sapato e ela o segue à cidade grande onde começará sua transformação pessoal.

Há muitas simbologias nesta história. A começar pela relação conturbada de Tati com sua filha Sofia, tanto que o filme é dedicado a ela. Mas, aqui também tem uma relação entre o próprio
cinema antigo e o público atual que prefere barulho e correria. Não por acaso
O Mágico é quase sem falas, muitas coisas são passadas através de técnicas do
cinema mudo, gestos, expressões, uma verdadeira viagem no tempo e na alma dessa arte que tanto amamos. Há também uma certa crítica à ditadura da moda através da transformação de Alice de menina tímida e humilde para mulher moderna com todas as roupas e acessórios de última linha. A cena em que ela passa na vitrine e a roupa é exatamente igual a exposta enquanto que uma outra garota se aproxima da forma como ela era, é um resumo de tudo.

Aliás, a
animação de
Sylvain Chomet está repleta de detalhes que enriquecem a obras. Não faltam cenas de passagens, piadinhas visuais, cuidados nas pequenas coisas. Temos momentos como ela após ganhar o sapato olhando a vitrine com outro ítem e ele a puxando para não gastar mais. Ou ela tentando andar de salto alto, toda desequilibrada e quase caindo, ou ele lavando o carro na chuva, valorizando cada gesto. Isso sem falar nas constantes piadas com o
coelho, que sempre foge e em determinado momento ele pensa que virou sopa. São inserções cômicas de um bom humorista como sempre foi
Jacques Tati na obra melancólica de
Sylvain Chomet.

Mas, mais do que melancolia e auto-referências,
O Mágico é uma obra que reflete a passagem do tempo. Do novo vindo para substituir o antigo, da transformação natural da vida. Da impossibilidade de continuar fazendo as mesmas coisas de antes, pois o mundo girou e não podemos ficar apegados ao passado. Ainda que Alices nos demonstrem empolgação inicial com isso. É preciso seguir em frente, renovar as atitudes. É uma nostalgia consciente, de uma época que não volta mais.
E que nos leva novamente ao
cinema e suas transformações, por isso lembrei tanto do filme de
Araripe ao ver
O Mágico. Uma mesma premissa, uma mesma história com resultados aparentemente diferentes, mas que no fundo dizem a mesma coisa. O novo sempre vem, já dizia Belchior. Ou nos transformamos e nos adaptamos a ele, ou ficamos para trás. Ainda assim, é sempre belo e nostálgico contemplar um bom artista do passado.
O Mágico (L'Illusionniste: 2011 / França, Inglaterra)
Direção: Sylvain Chomet
Roteiro: Sylvain Chomet, baseado na história original de Jacques Tati
Com: Jean-Claude Donda, Eilidh Rankin, Duncan MacNeil, Raymond Mearns.
Duração: 90 min.