Pina
"Dancem, dancem, ou estaremos perdidos", sentencia Pina Bausch, uma das coreógrafas mais conhecidas do mundo. E Wim Wenders obedece de maneira esplêndida, conseguindo passar em imagens o sentimento da artista que praticamente inventou a dança teatral, mesclando pedaços de suas coreografias, no teatro ou no meio das ruas de Wuppertal, com depoimentos dos integrantes de sua companhia. Tudo isso, filmado em 3D, o que dá um plus as imagens, nos transportando para um lugar privilegiado da platéia. A sensação de profundidade é mesmo incrível e cresce nossa apreciação. O único porém é que não é um filme para todos.
Para quem gosta de dança moderna, Pina é um deleite. Ficamos próximos ao trabalho dessa incrível coreógrafa e seu corpo de balé, composto por pessoas de todo o mundo, tem até uma brasileira. E também de todas as idades. Pina não tinha preconceitos, nem estereótipos, ela construía sua arte a partir da realidade do dia a dia, dos acontecimentos nas ruas e do que via nos países que visitava em suas turnês. Muito da inspiração vinha também da vivência dos próprios bailarinos. O palco também não lhe era espaço limitador, ela poderia colocar lá um rio, chuva, tempestade de areia ou terra. Os elementos eram obstáculos e companheiros dos artistas que se mostram de corpo e alma. Como um depoimento afirma, Pina tinha o poder de fazê-los querer entregar sua alma à dança.
Inquieto como sempre, Wim Wenders não poderia mesmo fazer um documentário padrão. Pelo menos o padrão que se tornou o gênero desde a década de 60 com o Cinema Verdade. Se ele mesmo fez questão de questionar o cinema em Quarto 666 e já fez experiências em sue premiado Buena Vista Social Club, em Pina ele flerta muito com o vídeo arte. E, de certa, forma, mesmo que a câmera nunca interfira nos acontecimentos, sendo quase uma mosca na parede (ou no caso, na platéia) como defendia o Cinema Direto, há uma espécie de encenação das coreografias apenas para o filme. O que não tira seu caráter documental, afinal, um documentário não precisa ser uma biografia. Cada filme tem seu propósito, e fica claro que o principal objetivo de Wim Wenders é registrar a alma de Pina.
A coreógrafa aparece pouco em cena, é verdade. Abre com uma explicação para seu teatro, sua dança, sua companhia e aparece em alguns vídeos registros. Mas, ela está presente em cada frame, seja na alma de suas coreografias, nos depoimentos de seus pupilos ou no desejo maior de deixar um registro para o mundo do que ela pode fazer durante todos esses anos. O projeto, iniciado por ela, foi interrompido por sua morte repentina em 2009. Mas, Wim Wenders soube dar continuidade em uma homenagem digna e bela. Prestando atenção nas coreografias e nos depoimentos conseguimos construir um retrato da essência de Pina Bausch, do que, para ela, era o principal. A comunicação através da dança e da encenação de sentimentos.
Os depoimentos são outro ponto que chama a atenção. Assim como fez em Buena Vista Social Club, Wim Wenders nunca coloca as pessoas falando diretamente para a câmera. Os depoimentos vem em voz over, sobreposta a imagem do depoente. A diferença é que, se lá o músico estava tocando seu instrumento enquanto ouvíamos sua voz, aqui, o bailarino está sentado em um banquinho, parado, olhando para câmera, enquanto a voz é ouvida. Só depois, começam a mostrar as cenas deles dançando seja no palco ou nas ruas. Mais do que quebrar o padrão, esse recurso dá a sensação de que aqueles são pensamentos do bailarino, não um simples depoimento, como se invadíssemos sua alma e compreendêssemos o que tem de mais profundo. Cada um narra lembranças de como era trabalhar com Pina e como ela os melhorou.
Os espetáculos e coreografias são pincelados em tela, demonstrando vários estilos, sempre com escolhas de enquadramentos incríveis em aproximação e distanciamento. Inclusive uma câmera subjetiva de um bailarino em determinada coreografia, que nos deixa com uma visão privilegiada da angústia das mulheres em ter que se aproximar dele. Há ainda um momento especial dedicado à "Café Müller", espetáculo em que Pina dançou depois de muito tempo. Começa em um campo com uma maquete do palco e dois dos seus dançarinos relembrando os detalhes como as cadeiras que ela pediu para colocar, e o fato da dançarina "não querer" aprender os passos só para força Pina a dançar. A fusão da maquete para o o palco real com o início do espetáculo é muito bem realizada. Assim como flui bem todas as cenas do espetáculo com depoimentos diversos sobre aquele momento. Outro corte interessante é quando o corpo está reunido em formato de baile e a montagem em paralelo mistura dançarinos mais jovem e mais velhos realizando a mesma coreografia.
Todos os detalhes e forma de montar esse grande espetáculo só engrandecem o filme, que fica mesmo uma apreciação incrivelmente bela, ainda mais em 3D. Não por acaso foi um dos cinco indicados a melhor documentário do Oscar e representante da Alemanha na categoria de Filme Estrangeiro (que acabou não finalista). Mas, não é mesmo um filme fácil para platéias que esperam um roteiro cartesiano que nos conta uma história, mesmo que esta também seja uma história real como registrada na maioria dos documentários. Como já foi dito, Pina caminha mais pelo lado do vídeo arte, experimentando tal qual sua coreógrafa sempre fez em seus espetáculos. É um registro poético, artístico e extremamente sensível. Tomara que cative boas platéias.
Pina (Pina: 2011 / Alemanha)
Direção: Wim Wenders
Roteiro: Wim Wenders
Com: Pina Bausch, Regina Advento, Malou Airaudo
Duração: 106 min.
Para quem gosta de dança moderna, Pina é um deleite. Ficamos próximos ao trabalho dessa incrível coreógrafa e seu corpo de balé, composto por pessoas de todo o mundo, tem até uma brasileira. E também de todas as idades. Pina não tinha preconceitos, nem estereótipos, ela construía sua arte a partir da realidade do dia a dia, dos acontecimentos nas ruas e do que via nos países que visitava em suas turnês. Muito da inspiração vinha também da vivência dos próprios bailarinos. O palco também não lhe era espaço limitador, ela poderia colocar lá um rio, chuva, tempestade de areia ou terra. Os elementos eram obstáculos e companheiros dos artistas que se mostram de corpo e alma. Como um depoimento afirma, Pina tinha o poder de fazê-los querer entregar sua alma à dança.
Inquieto como sempre, Wim Wenders não poderia mesmo fazer um documentário padrão. Pelo menos o padrão que se tornou o gênero desde a década de 60 com o Cinema Verdade. Se ele mesmo fez questão de questionar o cinema em Quarto 666 e já fez experiências em sue premiado Buena Vista Social Club, em Pina ele flerta muito com o vídeo arte. E, de certa, forma, mesmo que a câmera nunca interfira nos acontecimentos, sendo quase uma mosca na parede (ou no caso, na platéia) como defendia o Cinema Direto, há uma espécie de encenação das coreografias apenas para o filme. O que não tira seu caráter documental, afinal, um documentário não precisa ser uma biografia. Cada filme tem seu propósito, e fica claro que o principal objetivo de Wim Wenders é registrar a alma de Pina.
A coreógrafa aparece pouco em cena, é verdade. Abre com uma explicação para seu teatro, sua dança, sua companhia e aparece em alguns vídeos registros. Mas, ela está presente em cada frame, seja na alma de suas coreografias, nos depoimentos de seus pupilos ou no desejo maior de deixar um registro para o mundo do que ela pode fazer durante todos esses anos. O projeto, iniciado por ela, foi interrompido por sua morte repentina em 2009. Mas, Wim Wenders soube dar continuidade em uma homenagem digna e bela. Prestando atenção nas coreografias e nos depoimentos conseguimos construir um retrato da essência de Pina Bausch, do que, para ela, era o principal. A comunicação através da dança e da encenação de sentimentos.
Os depoimentos são outro ponto que chama a atenção. Assim como fez em Buena Vista Social Club, Wim Wenders nunca coloca as pessoas falando diretamente para a câmera. Os depoimentos vem em voz over, sobreposta a imagem do depoente. A diferença é que, se lá o músico estava tocando seu instrumento enquanto ouvíamos sua voz, aqui, o bailarino está sentado em um banquinho, parado, olhando para câmera, enquanto a voz é ouvida. Só depois, começam a mostrar as cenas deles dançando seja no palco ou nas ruas. Mais do que quebrar o padrão, esse recurso dá a sensação de que aqueles são pensamentos do bailarino, não um simples depoimento, como se invadíssemos sua alma e compreendêssemos o que tem de mais profundo. Cada um narra lembranças de como era trabalhar com Pina e como ela os melhorou.
Os espetáculos e coreografias são pincelados em tela, demonstrando vários estilos, sempre com escolhas de enquadramentos incríveis em aproximação e distanciamento. Inclusive uma câmera subjetiva de um bailarino em determinada coreografia, que nos deixa com uma visão privilegiada da angústia das mulheres em ter que se aproximar dele. Há ainda um momento especial dedicado à "Café Müller", espetáculo em que Pina dançou depois de muito tempo. Começa em um campo com uma maquete do palco e dois dos seus dançarinos relembrando os detalhes como as cadeiras que ela pediu para colocar, e o fato da dançarina "não querer" aprender os passos só para força Pina a dançar. A fusão da maquete para o o palco real com o início do espetáculo é muito bem realizada. Assim como flui bem todas as cenas do espetáculo com depoimentos diversos sobre aquele momento. Outro corte interessante é quando o corpo está reunido em formato de baile e a montagem em paralelo mistura dançarinos mais jovem e mais velhos realizando a mesma coreografia.
Todos os detalhes e forma de montar esse grande espetáculo só engrandecem o filme, que fica mesmo uma apreciação incrivelmente bela, ainda mais em 3D. Não por acaso foi um dos cinco indicados a melhor documentário do Oscar e representante da Alemanha na categoria de Filme Estrangeiro (que acabou não finalista). Mas, não é mesmo um filme fácil para platéias que esperam um roteiro cartesiano que nos conta uma história, mesmo que esta também seja uma história real como registrada na maioria dos documentários. Como já foi dito, Pina caminha mais pelo lado do vídeo arte, experimentando tal qual sua coreógrafa sempre fez em seus espetáculos. É um registro poético, artístico e extremamente sensível. Tomara que cative boas platéias.
Pina (Pina: 2011 / Alemanha)
Direção: Wim Wenders
Roteiro: Wim Wenders
Com: Pina Bausch, Regina Advento, Malou Airaudo
Duração: 106 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Pina
2012-03-13T08:23:00-03:00
Amanda Aouad
critica|documentario|Win Wenders|
Assinar:
Postar comentários (Atom)
cadastre-se
Inscreva seu email aqui e acompanhe
os filmes do cinema com a gente:
os filmes do cinema com a gente:
No Cinema podcast
anteriores deste site
mais populares do site
-
King Richard: Criando Campeãs (2021), dirigido por Reinaldo Marcus Green , é mais do que apenas uma cinebiografia : é um retrato emocionalm...
-
Cinema Sherlock Homes O filme de destaque atualmente é esta releitura do clássico do mistério pelas mãos de Guy Ritchie. O ex de Madonna p...
-
O Soterópolis programa cultural da TVE Bahia, fez uma matéria muito interessante sobre blogs baianos. Esta que vos fala deu uma pequena con...
-
Clint Eastwood me conquistou aos poucos. Ele sabe como construir um filme que emociona e, agora, parece ter escolhido Matt Damon como seu ...
-
Eletrizante é a melhor palavra para definir esse filme de Tony Scott . Que o diretor sabe fazer filmes de ação não é novidade, mas uma tra...
-
Olhando para A Múmia (1999), mais de duas décadas após seu lançamento, é fácil perceber como o filme se tornou um marco do final dos anos ...
-
Amor à Queima Roupa (1993), dirigido por Tony Scott e roteirizado por Quentin Tarantino , é um daqueles filmes que, ao longo dos anos, se...
-
Com previsão de lançamento para maio desse ano, Estranhos , primeiro longa do diretor Paulo Alcântara terá pré-estreia (apenas convidados) ...
-
Fui ao cinema sem grandes pretensões. Não esperava um novo Matrix, nem mesmo um grande filme de ação. Difícil definir Gamer, que recebeu du...