Ginger e Fred
Federico Fellini, ícone do cinema, autor de clássicos como Roma de Fellini, Oito e Meio e Amarcord, construiu nesta obra de 1985 uma das sátiras mais contundentes à televisão ao mesmo tempo em que deu um tom nostálgico ao cinema de sua época.
Ginger e Fred foi seu penúltimo filme produzido, não é uma obra-prima, mas tem seus momentos. Inteligente e com boas sacadas nos mostra a saga de dois antigos parceiros que se reúnem trinta anos depois para uma exibição na televisão. Pippo Botticella e Amelia Bonetti, interpretados por Marcello Mastroianni e Giulietta Masina, eram dois bailarinos que passaram a juventude imitando Ginger Rogers e Fred Astaire, ícones do cinema musical de Hollywood. Bem mais velhos, cansados e sem se ver há anos, o reencontro mexe com as emoções de ambos, mas se transforma em uma missão quase ingrata pela companhia não muito agradável de criaturas estranhas que compartilharão com ele o mesmo programa.
Fellini é ferino em sua construção do mundo dos horrores que se tornou a década de 80. A começar pelos cenários que envolvem a cidade, com propagandas grotescas, exageradas, em tons berrantes e exagerando na exposição e visão capitalista. Desde uma ação na estação de trem onde Amélia / Ginger chega, passando por outdoors até os breaks da própria televisão. E o veículo é mesmo o maior alvo de sua crítica. Uma frase irônica perto do final define o programa que mata "a sede cultural do país".
Seria uma espécie de programa de auditório bem parecido com o que vemos por aí, que explora todo tipo de bobagem sensacionalista. Junto ao velho casal vemos atrações como um grupo de anões, um transexual, um almirante que não explica a que veio e diversos sósias de figuras famosas como Kafka, Proust, Clark Gable e Woody Allen. Quando eles começam a se amontoar no hotel, a pobre Amélia começa a se perguntar porque se meteu naquela encrenca. E a simpática velhinha ainda se justifica dizendo que aceitou o convite para agradar a neta.
O humor ácido de Fellini não perde oportunidade para piadas. A começar pelos funcionários do hotel que só querem assistir ao jogo de futebol na televisão e não dão atenção aos hóspedes. Quando um de má vontade, leva as malas de Amélia para o quarto, reclama dos jogadores dizendo que hoje em dia eles não são mais profissionais, só pensam na fama. Enquanto que ele próprio só está pensando no futebol e na gorjeta, não se preocupando com o seu próprio trabalho.
Nos bastidores do estúdio de televisão, o circo dos horrores aumenta, deixando Amélia cada vez mais nervosa, e Pippo mais rebelde. A construção dos dois personagens, no entanto, é pouco desenvolvida. Ficamos com vários hiatos em suas personalidades e nos verdadeiros propósitos deles ali. Apenas quando estão no palco, há um vislumbre, por causa de um detalhe que atrasa sua apresentação e nos dá tempo de conhecer algo do passado. A própria relação dos dois não estava clara até então. Mas, não deixa de ser o elemento nostálgico, representação do cinema que foi "engolido" pela cultural fácil da televisão e que provavelmente tirava o sono do diretor.
Mas, nada impede que Marcello Mastroianni brilhe, demonstrando todo o seu talento. Ele está à vontade no papel de Pippo e da sombra decadente de Fred Astaire. Sua expressão, seus movimentos corporais, até os passos de sapateado que arrisca, imitando o mestre da dança. Envelhecido para a época, inclusive com uma peruca, o ator nos passa muito do seu personagem. Ao contrário de Giulietta Masina que nos dá a impressão apenas de uma senhorinha simpática, há pouca expressões e até mesmo passos de dança. Tanto que Fellini usa muito recurso do plano fechado para não entregar sua dificuldade.
Ginger e Fred é um misto do medo do futuro e uma saudade do passado. Um desabafo de um diretor que amava a película, o circo, sua arte e que estava no ocaso da vida. É belo, exótico e emocionante em vários aspectos. Ainda que não seja genial, como sempre esperamos que o mestre o seja.
Ginger e Fred (Ginger & Fred, 1986 / Itália)
Direção: Federico Fellini
Roteiro: Federico Fellini e Tonino Guerra
Com: Marcello Mastroianni, Giulietta Masina e Franco Fabrizi
Duração: 125 min.
Ginger e Fred foi seu penúltimo filme produzido, não é uma obra-prima, mas tem seus momentos. Inteligente e com boas sacadas nos mostra a saga de dois antigos parceiros que se reúnem trinta anos depois para uma exibição na televisão. Pippo Botticella e Amelia Bonetti, interpretados por Marcello Mastroianni e Giulietta Masina, eram dois bailarinos que passaram a juventude imitando Ginger Rogers e Fred Astaire, ícones do cinema musical de Hollywood. Bem mais velhos, cansados e sem se ver há anos, o reencontro mexe com as emoções de ambos, mas se transforma em uma missão quase ingrata pela companhia não muito agradável de criaturas estranhas que compartilharão com ele o mesmo programa.
Fellini é ferino em sua construção do mundo dos horrores que se tornou a década de 80. A começar pelos cenários que envolvem a cidade, com propagandas grotescas, exageradas, em tons berrantes e exagerando na exposição e visão capitalista. Desde uma ação na estação de trem onde Amélia / Ginger chega, passando por outdoors até os breaks da própria televisão. E o veículo é mesmo o maior alvo de sua crítica. Uma frase irônica perto do final define o programa que mata "a sede cultural do país".
Seria uma espécie de programa de auditório bem parecido com o que vemos por aí, que explora todo tipo de bobagem sensacionalista. Junto ao velho casal vemos atrações como um grupo de anões, um transexual, um almirante que não explica a que veio e diversos sósias de figuras famosas como Kafka, Proust, Clark Gable e Woody Allen. Quando eles começam a se amontoar no hotel, a pobre Amélia começa a se perguntar porque se meteu naquela encrenca. E a simpática velhinha ainda se justifica dizendo que aceitou o convite para agradar a neta.
O humor ácido de Fellini não perde oportunidade para piadas. A começar pelos funcionários do hotel que só querem assistir ao jogo de futebol na televisão e não dão atenção aos hóspedes. Quando um de má vontade, leva as malas de Amélia para o quarto, reclama dos jogadores dizendo que hoje em dia eles não são mais profissionais, só pensam na fama. Enquanto que ele próprio só está pensando no futebol e na gorjeta, não se preocupando com o seu próprio trabalho.
Nos bastidores do estúdio de televisão, o circo dos horrores aumenta, deixando Amélia cada vez mais nervosa, e Pippo mais rebelde. A construção dos dois personagens, no entanto, é pouco desenvolvida. Ficamos com vários hiatos em suas personalidades e nos verdadeiros propósitos deles ali. Apenas quando estão no palco, há um vislumbre, por causa de um detalhe que atrasa sua apresentação e nos dá tempo de conhecer algo do passado. A própria relação dos dois não estava clara até então. Mas, não deixa de ser o elemento nostálgico, representação do cinema que foi "engolido" pela cultural fácil da televisão e que provavelmente tirava o sono do diretor.
Mas, nada impede que Marcello Mastroianni brilhe, demonstrando todo o seu talento. Ele está à vontade no papel de Pippo e da sombra decadente de Fred Astaire. Sua expressão, seus movimentos corporais, até os passos de sapateado que arrisca, imitando o mestre da dança. Envelhecido para a época, inclusive com uma peruca, o ator nos passa muito do seu personagem. Ao contrário de Giulietta Masina que nos dá a impressão apenas de uma senhorinha simpática, há pouca expressões e até mesmo passos de dança. Tanto que Fellini usa muito recurso do plano fechado para não entregar sua dificuldade.
Ginger e Fred é um misto do medo do futuro e uma saudade do passado. Um desabafo de um diretor que amava a película, o circo, sua arte e que estava no ocaso da vida. É belo, exótico e emocionante em vários aspectos. Ainda que não seja genial, como sempre esperamos que o mestre o seja.
Ginger e Fred (Ginger & Fred, 1986 / Itália)
Direção: Federico Fellini
Roteiro: Federico Fellini e Tonino Guerra
Com: Marcello Mastroianni, Giulietta Masina e Franco Fabrizi
Duração: 125 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Ginger e Fred
2012-05-09T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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