Apesar de não poder votar, o público baiano pode assistir a entrega do prêmio para a diretora Ana Rieper que agradeceu a todos e se disse muito mais feliz com uma votação popular, pois traz o apoio do público que mais lhe interessa. Vou rifar meu coração, segundo ela, propõe reflexões, mas é popular, direto, pois a música brega não tem metáforas. Ana comemorou também que essa foi a primeira exibição oficial do filme no Nordeste e que a escolha do tema foi devido a sua experiência pessoal morando por um tempo em Sergipe.
Ana Rieper |
Segundo a própria diretora, o filme tem previsão de chegar ao circuito comercial em agosto desse ano.
Vou rifar meu coração
O que é brega? Esse é um questionamento que fica após a sessão de "Vou rifar meu coração". Como alguns personagens dizem no próprio filme, essa é a verdadeira Música Popular Brasileira. A música que toca no coração da população, que traduz sentimentos, que retrata realidades.
Alguns podem até dizer que o parágrafo acima ficou brega. Mas, é exatamente esse preconceito em relação ao sentimento que torna esse tipo de música periférica. Desde o renascimento, a razão tomou uma posição elitista, onde a emoção se tornou algo menor. Isso em todas as artes. Na música, não é diferente. Para uma música dita brega ser ouvida pela elite, é preciso que alguém da elite, como Caetano Veloso e Maria Bethânia a cantem. Isso já aconteceu diversas vezes. A música sempre esteve lá, mas precisou os irmãos de Santo Amaro apresentá-las para as classes mais favorecidas admitirem racionalmente que eram boas.
Enquanto isso, artistas como Agnaldo Timóteo, Wando, Amado Batista, Nelson Ned, Waldick Soriano estão segregados das grandes mídias, não tocam mais em rádios tradicionais, nem nas televisões. Foi-se o tempo em que comunicadores como Chacrinha, por exemplo, os colocava em destaque. E hoje, são raros os momentos em que eles ganham um pouco mais de visibilidade como na trilha sonora do filme O Palhaço, em que se encaixa perfeitamente com o universo retratado sem se tornar algo pitoresco.
Vou rifar meu coração ensaia essas questões, mas não existe para questioná-las. Pelo contrário, passando por cima dessa visão elitista do brega, a diretora Ana Rieper vai em busca da essência e da verdade por trás das músicas e dos sentimentos de um povo quase esquecido. É interessante a cadência do longa-metragem que vai nos apresentando personagens, famosos ou não, no mesmo nível, sem distinções. Wando, em uma de suas últimas aparições antes do falecimento, aparece em pé de igualdade com um homem cantando em um videokê em um boteco bem simples. Artistas e público se irmanam em postura e sentimentos. Talvez por isso, a diretora tem optado por não colocar letterings os identificando.
Há também uma preocupação na construção da linguagem fílmica. Não são apenas depoimentos e imagens inserts em cortes secos. Há uma preocupação em construir uma espécie de investigação e fusão de imagens que dá dinâmica à obra. Como quando a câmera passeia por um corredor, encontra uma televisão passando Amado Batista e logo depois o apresenta. Ou quando uma bicicleta na rua toca a música que dá título ao filme, e depois vemos o autor da mesma, Lindomar Castilho.
Percebe-se também um cuidado no enquadramento, ajudando a construir com imagens as camadas reflexivas da obra. Como Wando em um canto da tela, com uma cama vermelha enorme ao fundo. Ou quando o "prefeito" fala da dificuldade de ter suas famílias e sua esposa está sentada ao lado, com uma cara de insatisfação, reagindo a cada palavra. Isso sem falar nos detalhes peculiares do casal que tem um som quebrado, ligado ao aparelho de DVD e aberto por um palito, ou as três amigas na varanda com cervejas e salgadinhos para falar da desilusão com os homens.
O roteiro de Ana Rieper também acaba apresentando uma diferenciação interessante para a música brega, tirando o frentista traído no início do filme, todas as personagens que sofrem a ação, são mulheres, enquanto que os poucos homens comuns são os agentes do sofrimento, ou do resgate, no caso das duas prostitutas. Isso sem falar que os artistas entrevistados são todos homens. Como uma divisão de papéis a partir do sexo.
Vou rifar meu coração talvez peque apenas por querer ser sério demais. Não que devesse seguir o caminho cômico, pitoresco, mas é que situações ali acabam arrancando gargalhadas do público, mesmo que seja pelo nervoso, e, por não prever esse tempo de comédia, algumas informações acabam se perdendo enquanto a plateia ri e não podemos ouvir o resto das falas. Outro ponto que pode ser apontado como falha é incluir o cantor Lindomar Castilho, sem abordar abertamente o fato dele ter matado sua esposa e ficado preso sete anos por isso. O assunto fica nas entrelinhas e, por isso, pode gerar interpretações perigosas.
Mas, no geral, Vou rifar meu coração é um belo filme, um exemplar autêntico de nossa cultura, que traz uma construção envolvente e toca em um tema que merece reflexão e espaço nas grandes mídias.
Vou rifar meu coração (Vou rifar meu coração, 2012 / Brasil)
Direção: Ana Rieper
Com: Agnaldo Timóteo, Wando, Amado Batista, Nelson Ned, Walter de Afogados, Rodrigo Mell, Lindomar Castilho, entre outros.
Duração: 78 min