O Que Eu Mais Desejo
Uma família desmembrada, um irmão segue com o pai para uma cidade, enquanto que o outro fica com a mãe e os avós. Uma visão infantil ingênua e egocêntrica ao mesmo tempo. Um vulcão, dois trens, um sonho. Essas são as questões chaves de O Que Eu Mais Desejo, um interessante drama do diretor Hirokazu Kore-eda.
A trama é construída a partir da visão de Koichi, o irmão mais velho que sonha em reunir novamente a família separada após a briga dos pais. Seu pai é um músico desempregado que vive de sonhos, irritando sua esposa que prefere dar um basta na relação. Ao contrário do irmãozinho Ryunosuke, que parece se divertir vivendo na bagunça que se tornou a vida do pai, Koichi vive triste, pensativo. Só que a ideia caótica que ele tem para reunir a família é desejar que o vulcão que circula a cidade entre em erupção e, para isso, ele acredita que basta ir até um ponto onde dois trens-bala se cruzam e pedir com vontade.
A trama seria absurda se fosse construída a partir de uma mente adulta. Afinal, acender um vulcão que pode matar milhares de pessoas apenas para reunir uma família, é de um egoísmo sem limites. Assim como acreditar que a passagem de dois trens-bala faz realizar desejo é de uma ingenuidade imensa. Mas, tratam-se de crianças e o que era absurdo torna-se tenro, emocionante até. A saga de Koichi e seus amigos para encontrar os tais trens é envolvente. Uma lição de companheirismo, amizade e imaginação.
O problema do roteiro do mesmo Hirokazu Kore-eda é prolongar demais o início disso. O filme fica cansativo com mais de duas horas de projeção, sendo que a saga da busca pelos trens só acontece na metade do filme. Não que um filme sobre uma rotina seja ruim, mas aqui há algo que se arrasta na repetição diária dos dois garotos na escola, na natação e em casa. Cada um em sua cidade, com sua própria rotina em uma montagem paralela, mas que se aproxima em muitos pontos.
Em contrapartida os irmãos atores, não apenas na ficção como na vida real, dão vida à trama com muita simpatia e emoção. Ohshirô Maeda faz o irmão menor com muita graça. Esperto, inteligente, divertido, é o alívio cômico da trama, dando dinamismo em muitos momentos. Já Koki Maeda, que faz o Koichi, consegue passar toda a tristeza do garoto introspectivo que sonha com algo que não tem mais. Os amigos de ambos também ajudam na ambientação daquelas turmas, o garoto com o cachorro, a garotinha que sonha em ser atriz, o apaixonado pela professora. Tudo funciona muito bem.
A espontaneidade infantil também está na forma de filmar de Hirokazu Kore-eda. Há sempre muito lirismo nas imagens, nos enquadramentos nunca preguiçosos, na forma como vamos conhecendo os personagens aos poucos. Muita coisa é passada por gestos, como o avô que leva Koichi para experimentar um doce típico em uma roda gigante. Ou nas cenas onde grupos catam cinzas que caem do vulcão. Há também muita coisa que se diz no acompanhamento da rotina de Ryunosuke, que limpa a casa, faz seu próprio lanche, cuida da horta no jardim, enquanto seu pai e colegas de banda dormem.
O Que Eu Mais Desejo traz também um ponto de vista pouco usual da cultura nipônica, sempre vista pelos ocidentais como rígida e disciplinada ao extremo. É interessante, então, ver uma mãe e uma avó japonesas tomando cerveja. Um pai irresponsável sonhando em ser músico, ou mesmo uma professora ou enfermeira que passam por cima de regras para ajudar sonhos infantis. Apesar de uma certa nostalgia de um tempo ingênuo que não volta mais, temos também uma visão bastante atual da sociedade em geral.
Com uma estética indie, que tem até uma brincadeira com a palavra em determinado momento, O Que Eu Mais Desejo é, então, um filme gostoso de acompanhar. Poderia ser mais enxuto, sem tanta repetição em sua primeira parte, mas até mesmo essa falta de pressa em conduzir os acontecimentos nos ajuda a entrar na atmosfera daquela turma.
O Que Eu Mais Desejo (Kiseki, 2011 / Japão)
Direção: Hirokazu Kore-eda
Roteiro: Hirokazu Kore-eda
Com: Koki Maeda, Ohshirô Maeda e Ryôga Hayashi
Duração: 128 min.
A trama é construída a partir da visão de Koichi, o irmão mais velho que sonha em reunir novamente a família separada após a briga dos pais. Seu pai é um músico desempregado que vive de sonhos, irritando sua esposa que prefere dar um basta na relação. Ao contrário do irmãozinho Ryunosuke, que parece se divertir vivendo na bagunça que se tornou a vida do pai, Koichi vive triste, pensativo. Só que a ideia caótica que ele tem para reunir a família é desejar que o vulcão que circula a cidade entre em erupção e, para isso, ele acredita que basta ir até um ponto onde dois trens-bala se cruzam e pedir com vontade.
A trama seria absurda se fosse construída a partir de uma mente adulta. Afinal, acender um vulcão que pode matar milhares de pessoas apenas para reunir uma família, é de um egoísmo sem limites. Assim como acreditar que a passagem de dois trens-bala faz realizar desejo é de uma ingenuidade imensa. Mas, tratam-se de crianças e o que era absurdo torna-se tenro, emocionante até. A saga de Koichi e seus amigos para encontrar os tais trens é envolvente. Uma lição de companheirismo, amizade e imaginação.
O problema do roteiro do mesmo Hirokazu Kore-eda é prolongar demais o início disso. O filme fica cansativo com mais de duas horas de projeção, sendo que a saga da busca pelos trens só acontece na metade do filme. Não que um filme sobre uma rotina seja ruim, mas aqui há algo que se arrasta na repetição diária dos dois garotos na escola, na natação e em casa. Cada um em sua cidade, com sua própria rotina em uma montagem paralela, mas que se aproxima em muitos pontos.
Em contrapartida os irmãos atores, não apenas na ficção como na vida real, dão vida à trama com muita simpatia e emoção. Ohshirô Maeda faz o irmão menor com muita graça. Esperto, inteligente, divertido, é o alívio cômico da trama, dando dinamismo em muitos momentos. Já Koki Maeda, que faz o Koichi, consegue passar toda a tristeza do garoto introspectivo que sonha com algo que não tem mais. Os amigos de ambos também ajudam na ambientação daquelas turmas, o garoto com o cachorro, a garotinha que sonha em ser atriz, o apaixonado pela professora. Tudo funciona muito bem.
A espontaneidade infantil também está na forma de filmar de Hirokazu Kore-eda. Há sempre muito lirismo nas imagens, nos enquadramentos nunca preguiçosos, na forma como vamos conhecendo os personagens aos poucos. Muita coisa é passada por gestos, como o avô que leva Koichi para experimentar um doce típico em uma roda gigante. Ou nas cenas onde grupos catam cinzas que caem do vulcão. Há também muita coisa que se diz no acompanhamento da rotina de Ryunosuke, que limpa a casa, faz seu próprio lanche, cuida da horta no jardim, enquanto seu pai e colegas de banda dormem.
O Que Eu Mais Desejo traz também um ponto de vista pouco usual da cultura nipônica, sempre vista pelos ocidentais como rígida e disciplinada ao extremo. É interessante, então, ver uma mãe e uma avó japonesas tomando cerveja. Um pai irresponsável sonhando em ser músico, ou mesmo uma professora ou enfermeira que passam por cima de regras para ajudar sonhos infantis. Apesar de uma certa nostalgia de um tempo ingênuo que não volta mais, temos também uma visão bastante atual da sociedade em geral.
Com uma estética indie, que tem até uma brincadeira com a palavra em determinado momento, O Que Eu Mais Desejo é, então, um filme gostoso de acompanhar. Poderia ser mais enxuto, sem tanta repetição em sua primeira parte, mas até mesmo essa falta de pressa em conduzir os acontecimentos nos ajuda a entrar na atmosfera daquela turma.
O Que Eu Mais Desejo (Kiseki, 2011 / Japão)
Direção: Hirokazu Kore-eda
Roteiro: Hirokazu Kore-eda
Com: Koki Maeda, Ohshirô Maeda e Ryôga Hayashi
Duração: 128 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O Que Eu Mais Desejo
2012-07-08T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
cinema asiático|critica|Hirokazu Kore-eda|infantil|
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