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Grandes Cenas: Central do Brasil (com spoilers)
Grandes Cenas: Central do Brasil (com spoilers)
Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, com Fernanda Montenegro tendo uma indicação como melhor atriz, Central do Brasil foi o filme que projetou Walter Salles mundialmente. Ele que já tinha feito o belo Terra Estrangeira, ganhou com o filme prêmios como Urso de Ouro em Berlim, além de Prêmio Especial do Júri, o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, o Bafta de Melhor Filme em Língua Estrangeira e o Satellite Awards de Melhor Filme em Língua Estrangeira. Isso sem falar nas inúmeras outras indicações em Festivais nos anos de 98 e 99.
Central do Brasil é um melodrama muito bem construído sobre uma amizade improvável e a busca por sua origem. Um road movie, filme estrada, onde Dora, uma mulher amargurada pela vida, vê-se em uma aventura inusitada pelo Brasil. Ela tem que ajudar Josué a encontrar seu pai. Ele que acaba de ver sua mãe morrer em plena Central do Brasil, principal estação do Rio de Janeiro e que só tem essa busca como esperança de continuidade de vida.
Todo o filme é uma grande viagem interna e externa, que vai modificando ambos os personagens, criando uma cumplicidade e uma convivência franca. Os dois se envolvem emocionalmente, se tornam parte de uma mesma família, mas pertencem a mundos diferentes. Essa é a chave que o roteiro de João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein constroem tão bem: a verossimilhança. Não há aqui soluções mágicas, todas as atitudes dos personagens são plausíveis. O próprio envolvimento de Dora é justificado pelo seu passado e a dor de ter sido abandonada pelo pai. E o final dessa história não poderia ter uma solução mágica.
Mais uma vez alerto para os spoilers no texto. A partir daqui irei analisar a cena escolhida, que é a última cena do filme. Se não viu o filme ainda e não quiser estragar a surpresa, não continue lendo.
E, por isso, o final do filme é tão marcante e bem desenvolvido. Algo que o filme de Breno Silveira não conseguiu fazer tão bem em À Beira do Caminho. Dora e Josué não conseguem encontrar o pai do menino, mas encontram dois irmãos do garoto. Toda a situação é bem construída, até a carta que eles têm guardada para a mãe de Josué.
O garoto encontrou uma família, já Dora precisa retornar à sua própria vida. É assim que, na calada da noite, ela se levanta e vai embora, tendo a certeza de que é o melhor a ser feito. E Walter Salles, junto com o diretor de fotografia Walter Carvalho têm uma sensibilidade ímpar para compor essa sequência final.
Tudo é feito sem pressa, priorizando os detalhes. A cena dentro da casa é toda na penumbra, com Dora se aproximando de uma imagem de uma santa. Acende a vela, arruma a carta que o pai tinha escrito para a mãe de Josué. Tira da bolsa a carta que a mãe tinha escrito para o pai de Josué. O símbolo das duas cartas unidas ali no altar é uma espécie de símbolo de que o casal de alguma forma se reencontrou. Tanto que a cena anterior mostra os três irmãos dormindo juntos.
Dora é a intrusa ali. Ela sai de casa e a música começa a tocar. Está amanhecendo, o céu em uma cor especial com a música tocando dão uma melancolia própria das despedidas. A câmera pára na porta da casa e vemos Dora se afastando. O nosso olhar fica, como se estivéssemos na posição de Josué nos despedindo daquela mulher.
Logo depois vemos o garoto acordando e a montagem constrói as duas relações em paralelo. Ele levantando e procurando ela pela casa. Ela indo embora, pegando o ônibus. Vemos do alto, em plongée, Josué saindo de casa correndo em busca da amiga. Enquanto Dora senta no ônibus. Quando volta para Josué, a câmera está em travelling se afastando e ele correndo em sua direção. É significativo que Dora se afaste da câmera, enquanto Josué se aproxima dela, deixando bem claro de quem estamos nos aproximando, o novo ciclo e as escolhas. Dora percebeu que precisava ir embora, enquanto Josué ainda não tem essa consciência.
É quando Dora começa a escrever a carta de despedida para Josué explicando sua decisão. Nesse momento temos a licença poética de, com a montagem, parecer que Josué está ouvindo o que Dora diz, já que suas reações são condizentes com as palavras da mulher. Pois, enquanto Dora fala sobre ser melhor Josué ficar com os irmãos e contar sobre sua relação com o pai antes dele ir embora. Josué pára de correr, começando a se conformar com a despedida forçada.
Há um belo plano com a câmera baixa, em que ele gira em nossa direção, chorando. Uma imagem de um garoto que está amadurecendo. Assim como ela termina de escrever a carta em prantos, em uma fisionomia cansada. Ela pega o retratinho em que os dois estão juntos, e em um raccord de movimento, ele faz o mesmo. A música nesse instante sobe para primeiro plano e mostra a foto dos dois juntos, nos aproximando ainda mais dos personagens.
Volta para os dois emocionados, na certeza de que a plateia está emocionada junta, completamente identificada e sensibilizada com aquele momento. Um final melancólico, é verdade, mas ao mesmo tempo emocionante e esperançoso de que ambos tiveram uma vivência incrível, única. Ambos amadureceram, cresceram e se tornaram pessoas melhores. E que mesmo que separadas fisicamente, em um lugar escondido no coração de cada um, estão juntos, de mãos dadas, como na fotinha do aparelho da quermesse.
Cena indicada por Naldemir Melo, leitor do site e da página no Facebook.
Central do Brasil é um melodrama muito bem construído sobre uma amizade improvável e a busca por sua origem. Um road movie, filme estrada, onde Dora, uma mulher amargurada pela vida, vê-se em uma aventura inusitada pelo Brasil. Ela tem que ajudar Josué a encontrar seu pai. Ele que acaba de ver sua mãe morrer em plena Central do Brasil, principal estação do Rio de Janeiro e que só tem essa busca como esperança de continuidade de vida.
Todo o filme é uma grande viagem interna e externa, que vai modificando ambos os personagens, criando uma cumplicidade e uma convivência franca. Os dois se envolvem emocionalmente, se tornam parte de uma mesma família, mas pertencem a mundos diferentes. Essa é a chave que o roteiro de João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein constroem tão bem: a verossimilhança. Não há aqui soluções mágicas, todas as atitudes dos personagens são plausíveis. O próprio envolvimento de Dora é justificado pelo seu passado e a dor de ter sido abandonada pelo pai. E o final dessa história não poderia ter uma solução mágica.
Mais uma vez alerto para os spoilers no texto. A partir daqui irei analisar a cena escolhida, que é a última cena do filme. Se não viu o filme ainda e não quiser estragar a surpresa, não continue lendo.
E, por isso, o final do filme é tão marcante e bem desenvolvido. Algo que o filme de Breno Silveira não conseguiu fazer tão bem em À Beira do Caminho. Dora e Josué não conseguem encontrar o pai do menino, mas encontram dois irmãos do garoto. Toda a situação é bem construída, até a carta que eles têm guardada para a mãe de Josué.
O garoto encontrou uma família, já Dora precisa retornar à sua própria vida. É assim que, na calada da noite, ela se levanta e vai embora, tendo a certeza de que é o melhor a ser feito. E Walter Salles, junto com o diretor de fotografia Walter Carvalho têm uma sensibilidade ímpar para compor essa sequência final.
Tudo é feito sem pressa, priorizando os detalhes. A cena dentro da casa é toda na penumbra, com Dora se aproximando de uma imagem de uma santa. Acende a vela, arruma a carta que o pai tinha escrito para a mãe de Josué. Tira da bolsa a carta que a mãe tinha escrito para o pai de Josué. O símbolo das duas cartas unidas ali no altar é uma espécie de símbolo de que o casal de alguma forma se reencontrou. Tanto que a cena anterior mostra os três irmãos dormindo juntos.
Dora é a intrusa ali. Ela sai de casa e a música começa a tocar. Está amanhecendo, o céu em uma cor especial com a música tocando dão uma melancolia própria das despedidas. A câmera pára na porta da casa e vemos Dora se afastando. O nosso olhar fica, como se estivéssemos na posição de Josué nos despedindo daquela mulher.
Logo depois vemos o garoto acordando e a montagem constrói as duas relações em paralelo. Ele levantando e procurando ela pela casa. Ela indo embora, pegando o ônibus. Vemos do alto, em plongée, Josué saindo de casa correndo em busca da amiga. Enquanto Dora senta no ônibus. Quando volta para Josué, a câmera está em travelling se afastando e ele correndo em sua direção. É significativo que Dora se afaste da câmera, enquanto Josué se aproxima dela, deixando bem claro de quem estamos nos aproximando, o novo ciclo e as escolhas. Dora percebeu que precisava ir embora, enquanto Josué ainda não tem essa consciência.
É quando Dora começa a escrever a carta de despedida para Josué explicando sua decisão. Nesse momento temos a licença poética de, com a montagem, parecer que Josué está ouvindo o que Dora diz, já que suas reações são condizentes com as palavras da mulher. Pois, enquanto Dora fala sobre ser melhor Josué ficar com os irmãos e contar sobre sua relação com o pai antes dele ir embora. Josué pára de correr, começando a se conformar com a despedida forçada.
Há um belo plano com a câmera baixa, em que ele gira em nossa direção, chorando. Uma imagem de um garoto que está amadurecendo. Assim como ela termina de escrever a carta em prantos, em uma fisionomia cansada. Ela pega o retratinho em que os dois estão juntos, e em um raccord de movimento, ele faz o mesmo. A música nesse instante sobe para primeiro plano e mostra a foto dos dois juntos, nos aproximando ainda mais dos personagens.
Volta para os dois emocionados, na certeza de que a plateia está emocionada junta, completamente identificada e sensibilizada com aquele momento. Um final melancólico, é verdade, mas ao mesmo tempo emocionante e esperançoso de que ambos tiveram uma vivência incrível, única. Ambos amadureceram, cresceram e se tornaram pessoas melhores. E que mesmo que separadas fisicamente, em um lugar escondido no coração de cada um, estão juntos, de mãos dadas, como na fotinha do aparelho da quermesse.
Cena indicada por Naldemir Melo, leitor do site e da página no Facebook.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Grandes Cenas: Central do Brasil (com spoilers)
2012-10-08T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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