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Holy Motors
Holy Motors
Desde que sacudiu Cannes, Holy Motors vem chamando a atenção por onde passa. Não é para menos, o diretor Leos Carax, amado por uns, odiados por outros, parece ter chegado em sua obra mais complexa. Não apenas pelo tema, mas por não fazer a menor questão de nos dar subsídios para compreender completamente o que estamos vendo. E isso acaba sendo o seu maior trunfo. A possibilidade de interpretações, tal qual é o cinema.
O cinema é a base de tudo, disso não resta dúvidas. Primeiro pela sequência inicial, com a plateia estática assistindo a cenas experimentais da origem do cinema, bem próximo do que era feito no estúdio Black Maria de Thomas Edison. Depois pelo personagem que acorda em um quarto estranho e acaba parando no topo da sala de projeção, vendo uma sombra de bebê e um cachorro se aproximando da tela. Por fim, por todas as referências à atuação durante todo o filme, inclusive com citações a câmeras, "antes maiores depois menores, ao ponto de não serem vistas."
Mas, o fato é que Leos Carax nos leva em uma viagem reflexiva à bordo de uma limousine dirigida pela elegante Céline, personagem de Edith Scob. Nesse belo carro encontramos o Sr. Oscar, vivido por Denis Lavant. Um homem sem referência exata que recebe dossiês e se transforma em personagens diversos naquilo que ele chama de encontros. Cada vez que sai da limousine, Oscar experimenta uma vida paralela. Digo experimenta, porque não é uma simples atuação, ele realmente se transforma naquele outro ser. Seja uma mendiga, um ator de captura de movimentos, um ser estranho do esgoto, um velho moribundo ou um bandido latino.
A limousine que passeia majestosa por Paris não é apenas o seu camarim, é como uma espécie de portal neutro, onde todos os resquícios da experiência anterior simplesmente somem, até mesmo um ferimento ou morte. É como se dentro do carro ele fosse um ator se preparando para a ação e fora dele, ele fosse o próprio personagem que nós, plateia, vemos em tela. Esse instigante jogo é o que mais chama a atenção em Holy Motors, principalmente pelo fechamento que flerta completamente com o surrealismo, envolvendo a casa onde Oscar é deixado, o destino de Céline e até a surpresa dentro da garagem.
As interpretações podem ser diversas, mas todas envolvem mesmo a metáfora cinematográfica. Holy Motors é um grande experimento com a arte da encenação, os limites da realidade e a eterna questão do que é ou não possível de ser feito. Traduzido literalmente, Holy é santo. Santos carros? Que nos levam ao mundo da fantasia? A própria ligação com o cinema primitivo e a crítica às câmeras escondidas, pode nos levar para caminhos diversos de interpretação. Até mesmo a superficialidade da vida moderna.
E isso, se ficarmos apenas na estrutura. Porque, Holy Motors acaba sendo mais um filme de diversos curta-metragens ligados por um tema em comum. Só que, no caso, o tema em comum é o argumento principal da trama e o seu ator. Cada história tem seu próprio tema e sua reflexão especial. Seja uma pobre senhora com problemas de coluna que mendiga nas ruas de Paris ou um ser asqueroso que vive em seus esgotos. Nessa segunda história ainda há a questão da mídia, o artificialismo do fotógrafo, a assistente atrapalhada e a modelo vivida por Eva Mendes. O mundo de aparências.
Em outra leva, vemos um pai que busca sua filha em uma festa. A questão da mentira se torna foco novamente e em determinado momento a menina chega a dizer que mentiria de novo, pois assim, eles estariam felizes. É aquela questão de o que é melhor: uma verdade tristonha ou uma mentira risonha? Que é também o tema do relacionamento de Oscar com a outra personagem que desce de uma limousine só que ao inverso. Será que seríamos felizes com outras escolhas? Viver na mentira para eles não foi mesmo a escolha da felicidade.
Entra ainda a questão da violência com dois outros encontros que são também reflexos de que Oscar está cansado, não tendo mais a mesma agilidade de antes. É nesse ponto que a conversa com o personagem de Michel Piccoli se torna outra chave para o filme. Ele surge na limousine falando exatamente que Oscar deve estar cansado e que muitos não estão mais acreditando no que vêem. Oscar responde que também não acredita em muita coisa que vê e fala da questão das câmeras que estão diminuindo. É quando vem a pergunta de porque ele continua com aquilo. E Oscar responde: pela beleza do gesto.
Holy Motors parece ser isso. Um tratado de Leos Carax após doze anos sem um novo longa-metragem. Uma resistência em fazer cinema, o cinema em que ele acredita, mesmo que gerando polêmicas e dificuldades de investidores. A sua arte questionadora envolve as mentes abertas ao não-dito. Que possamos ser sacudidos de nossa posição cômoda dessa maneira, diversas outras vezes. Simplesmente pela beleza do gesto.
Holy Motors (Holy Motors, 2012 / EUA)
Direção: Leos Carax
Roteiro: Leos Carax
Com: Denis Lavant, Edith Scob e Eva Mendes
Duração: 115 min.
O cinema é a base de tudo, disso não resta dúvidas. Primeiro pela sequência inicial, com a plateia estática assistindo a cenas experimentais da origem do cinema, bem próximo do que era feito no estúdio Black Maria de Thomas Edison. Depois pelo personagem que acorda em um quarto estranho e acaba parando no topo da sala de projeção, vendo uma sombra de bebê e um cachorro se aproximando da tela. Por fim, por todas as referências à atuação durante todo o filme, inclusive com citações a câmeras, "antes maiores depois menores, ao ponto de não serem vistas."
Mas, o fato é que Leos Carax nos leva em uma viagem reflexiva à bordo de uma limousine dirigida pela elegante Céline, personagem de Edith Scob. Nesse belo carro encontramos o Sr. Oscar, vivido por Denis Lavant. Um homem sem referência exata que recebe dossiês e se transforma em personagens diversos naquilo que ele chama de encontros. Cada vez que sai da limousine, Oscar experimenta uma vida paralela. Digo experimenta, porque não é uma simples atuação, ele realmente se transforma naquele outro ser. Seja uma mendiga, um ator de captura de movimentos, um ser estranho do esgoto, um velho moribundo ou um bandido latino.
A limousine que passeia majestosa por Paris não é apenas o seu camarim, é como uma espécie de portal neutro, onde todos os resquícios da experiência anterior simplesmente somem, até mesmo um ferimento ou morte. É como se dentro do carro ele fosse um ator se preparando para a ação e fora dele, ele fosse o próprio personagem que nós, plateia, vemos em tela. Esse instigante jogo é o que mais chama a atenção em Holy Motors, principalmente pelo fechamento que flerta completamente com o surrealismo, envolvendo a casa onde Oscar é deixado, o destino de Céline e até a surpresa dentro da garagem.
As interpretações podem ser diversas, mas todas envolvem mesmo a metáfora cinematográfica. Holy Motors é um grande experimento com a arte da encenação, os limites da realidade e a eterna questão do que é ou não possível de ser feito. Traduzido literalmente, Holy é santo. Santos carros? Que nos levam ao mundo da fantasia? A própria ligação com o cinema primitivo e a crítica às câmeras escondidas, pode nos levar para caminhos diversos de interpretação. Até mesmo a superficialidade da vida moderna.
E isso, se ficarmos apenas na estrutura. Porque, Holy Motors acaba sendo mais um filme de diversos curta-metragens ligados por um tema em comum. Só que, no caso, o tema em comum é o argumento principal da trama e o seu ator. Cada história tem seu próprio tema e sua reflexão especial. Seja uma pobre senhora com problemas de coluna que mendiga nas ruas de Paris ou um ser asqueroso que vive em seus esgotos. Nessa segunda história ainda há a questão da mídia, o artificialismo do fotógrafo, a assistente atrapalhada e a modelo vivida por Eva Mendes. O mundo de aparências.
Em outra leva, vemos um pai que busca sua filha em uma festa. A questão da mentira se torna foco novamente e em determinado momento a menina chega a dizer que mentiria de novo, pois assim, eles estariam felizes. É aquela questão de o que é melhor: uma verdade tristonha ou uma mentira risonha? Que é também o tema do relacionamento de Oscar com a outra personagem que desce de uma limousine só que ao inverso. Será que seríamos felizes com outras escolhas? Viver na mentira para eles não foi mesmo a escolha da felicidade.
Entra ainda a questão da violência com dois outros encontros que são também reflexos de que Oscar está cansado, não tendo mais a mesma agilidade de antes. É nesse ponto que a conversa com o personagem de Michel Piccoli se torna outra chave para o filme. Ele surge na limousine falando exatamente que Oscar deve estar cansado e que muitos não estão mais acreditando no que vêem. Oscar responde que também não acredita em muita coisa que vê e fala da questão das câmeras que estão diminuindo. É quando vem a pergunta de porque ele continua com aquilo. E Oscar responde: pela beleza do gesto.
Holy Motors parece ser isso. Um tratado de Leos Carax após doze anos sem um novo longa-metragem. Uma resistência em fazer cinema, o cinema em que ele acredita, mesmo que gerando polêmicas e dificuldades de investidores. A sua arte questionadora envolve as mentes abertas ao não-dito. Que possamos ser sacudidos de nossa posição cômoda dessa maneira, diversas outras vezes. Simplesmente pela beleza do gesto.
Holy Motors (Holy Motors, 2012 / EUA)
Direção: Leos Carax
Roteiro: Leos Carax
Com: Denis Lavant, Edith Scob e Eva Mendes
Duração: 115 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Holy Motors
2012-11-18T07:30:00-03:00
Amanda Aouad
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