Panorama: Da Maré
"Alagados, Trenchtown, Favela da Maré. A esperança não vem do mar, nem das antenas de TV. A arte de viver da fé, só não se sabe fé em quê..."
Trenchtown é uma favela na Jamaica, onde viveu Bob Marley. Favela da Maré fica no Rio de Janeiro, onde Herbert Viana viveu. Nem ele, nem João Barone ou Bi Ribeiro tem relação com a Favela dos Alagados em Salvador, é verdade. Mas, todas as três resumem mesma coisa. Pessoas pobres que vivem em palafitas se equilibrando entre a força da maré, esgoto e desilusão.
O refrão da música é mais do que uma bela poesia, é um resumo de um sentimento de desespero, descaso, falta de esperanças diante de uma situação tão adversa. A música que é literalmente interpretada em um dos momentos do documentário criado pela norte-americana Annie Eastman encaixa como uma luva no tema do filme.
Da Maré é uma denúncia consistente sobre uma situação precária. Acompanhando por seis anos aquelas pessoas da favela dos Alagados na Baía de Todos os Santos, em Salvador, Annie Eastman nos dá um retrato cruel de um povo esquecido, que não tem o menor apoio do Governo e vive em condições sub-humanas se equilibrando entre pontes improvisadas com casas invadidas pela água do mar e do esgoto. Em uma mistura que não se sabe mesmo onde encontrar esperanças.
O mote é a verba que o Ministério Público teria destinado para resolver o problema daquelas famílias. O desenvolvimento é o descaso com o passar dos anos. O documentário faz questão de pontuar cada passagem de ano. Nossa sensação é de que nada mudou, a não ser as crianças que vão crescendo aos nossos olhos. As imagens impressionam, chocam, chamam a atenção de quem vê. Crianças chorando com medo de atravessar com água quase no joelho. Senhora em meio a lixo e moscas em sua própria sala. Um mar de lixo empossando nos arredores.
Da Maré traz um olhar bastante íntimo do problema ao escolher um dos personagens para ser seu narrador. Ele passeia pelas casas dos vizinhos, acompanhando algumas famílias, entrevistando-os até, dando uma dinâmica própria à trama. Geni é o amigo de todos. O cara que ajuda a carregar mudança, dá conselhos à rebelde Rebeca, incentiva a representante da comunidade, compreende dona Maria, apoia Dona Jesus em seu sonho de um príncipe encantado para a filha.
O filme desenvolve o problema de dentro da comunidade e ao mesmo tempo acompanha o descaso do Governo com bastante liberdade, até por ser uma produção estrangeira, sem verba local. Podemos ver as promessas dos funcionários da Conder, as reuniões, o discurso de deputada Maria Del Carmen, na época à frente do órgão público que deixou em 2009. E a visão do povo, vendo que, apesar das promessas, do terreno desapropriado para construir casas e da situação complicando à sua porta, nada vêem de mudança.
A dor intensa é desenvolvida na tela de uma maneira muito sensível. Da Maré é daqueles filmes que precisa existir. Filme denúncia, mas sem discurso político desgastante. É a situação real e crua nos jogada na frente, nos deixando com uma sensação de impotência diante do visto. Aquelas pessoas se tornam próximas de nós por 74 minutos. E ao mesmo tempo estão em um mundo tão distante em que nem sonhamos imaginar. Um trabalho ímpar como cinema, como posicionamento político, como atitude social. Torço para que ele possa sair dos circuitos de festivais e chegar ao grande público.
Da Maré (Bay of All Saints, 2012 / EUA)
Direção: Annie Eastman
Roteiro: Annie Eastman
Duração: 74 min
Filme visto no Oitavo Panorama Internacional Coisa de Cinema. Salvador, 2012.
Trenchtown é uma favela na Jamaica, onde viveu Bob Marley. Favela da Maré fica no Rio de Janeiro, onde Herbert Viana viveu. Nem ele, nem João Barone ou Bi Ribeiro tem relação com a Favela dos Alagados em Salvador, é verdade. Mas, todas as três resumem mesma coisa. Pessoas pobres que vivem em palafitas se equilibrando entre a força da maré, esgoto e desilusão.
O refrão da música é mais do que uma bela poesia, é um resumo de um sentimento de desespero, descaso, falta de esperanças diante de uma situação tão adversa. A música que é literalmente interpretada em um dos momentos do documentário criado pela norte-americana Annie Eastman encaixa como uma luva no tema do filme.
Da Maré é uma denúncia consistente sobre uma situação precária. Acompanhando por seis anos aquelas pessoas da favela dos Alagados na Baía de Todos os Santos, em Salvador, Annie Eastman nos dá um retrato cruel de um povo esquecido, que não tem o menor apoio do Governo e vive em condições sub-humanas se equilibrando entre pontes improvisadas com casas invadidas pela água do mar e do esgoto. Em uma mistura que não se sabe mesmo onde encontrar esperanças.
O mote é a verba que o Ministério Público teria destinado para resolver o problema daquelas famílias. O desenvolvimento é o descaso com o passar dos anos. O documentário faz questão de pontuar cada passagem de ano. Nossa sensação é de que nada mudou, a não ser as crianças que vão crescendo aos nossos olhos. As imagens impressionam, chocam, chamam a atenção de quem vê. Crianças chorando com medo de atravessar com água quase no joelho. Senhora em meio a lixo e moscas em sua própria sala. Um mar de lixo empossando nos arredores.
Da Maré traz um olhar bastante íntimo do problema ao escolher um dos personagens para ser seu narrador. Ele passeia pelas casas dos vizinhos, acompanhando algumas famílias, entrevistando-os até, dando uma dinâmica própria à trama. Geni é o amigo de todos. O cara que ajuda a carregar mudança, dá conselhos à rebelde Rebeca, incentiva a representante da comunidade, compreende dona Maria, apoia Dona Jesus em seu sonho de um príncipe encantado para a filha.
O filme desenvolve o problema de dentro da comunidade e ao mesmo tempo acompanha o descaso do Governo com bastante liberdade, até por ser uma produção estrangeira, sem verba local. Podemos ver as promessas dos funcionários da Conder, as reuniões, o discurso de deputada Maria Del Carmen, na época à frente do órgão público que deixou em 2009. E a visão do povo, vendo que, apesar das promessas, do terreno desapropriado para construir casas e da situação complicando à sua porta, nada vêem de mudança.
A dor intensa é desenvolvida na tela de uma maneira muito sensível. Da Maré é daqueles filmes que precisa existir. Filme denúncia, mas sem discurso político desgastante. É a situação real e crua nos jogada na frente, nos deixando com uma sensação de impotência diante do visto. Aquelas pessoas se tornam próximas de nós por 74 minutos. E ao mesmo tempo estão em um mundo tão distante em que nem sonhamos imaginar. Um trabalho ímpar como cinema, como posicionamento político, como atitude social. Torço para que ele possa sair dos circuitos de festivais e chegar ao grande público.
Da Maré (Bay of All Saints, 2012 / EUA)
Direção: Annie Eastman
Roteiro: Annie Eastman
Duração: 74 min
Filme visto no Oitavo Panorama Internacional Coisa de Cinema. Salvador, 2012.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Panorama: Da Maré
2012-11-05T07:30:00-03:00
Amanda Aouad
Annie Eastman|critica|documentario|Festival|
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