Um Dia de Cão foi lançado em 1975, apenas três anos após os acontecimentos que narra. Em 1972, dois ladrões de primeira viagem tentam assaltar um banco no Brooklyn. Era para ser uma ação rápida, mas tudo parece conspirar para não dar certo. Primeiro, o cofre está vazio, segundo, eles se atrapalham na retirada dos caixas, chamam a atenção com uma fumaça indevida e acabam cercados por mais de duzentos policiais. Suas únicas chances estavam nos reféns que mantinham com eles, mas aquilo não poderia mesmo durar muito tempo. Acompanhamos com atenção o desenrolar de tudo isso.
Os dois ladrões são Sal, interpretado por John Cazale, um homem mais introspectivo que só se manifesta para pedir que a imprensa desminta que ele seja homossexual. E Sonny, interpretado por Al Pacino, o líder da ação, que teria feito tudo aquilo para conseguir dinheiro para que seu namorado Leon pudesse fazer uma operação de mudança de sexo. A forma como os dois vão conduzindo a situação chega a ser hilária. Atrapalhados, mas querendo demonstrar ter o controle da situação, eles vão dando ordens ao gerente e às funcionárias, mas logo tudo se mistura. Eles se preocupam com o porteiro que tem asma, o gerente diabético, a moça que quer ir no banheiro, a fome e calor que começam a atormentar todos.
É um jogo de diálogos ágeis e situações bem orquestradas que nos envolve mesmo não saindo do lugar. Um filme relativamente longo, com pouco mais de duas horas, mas que não nos faz sentir o tempo passar exatamente por essas estratégias tão bem articuladas. E o mais interessante é que não há uma única música para compor cenas. A banda sonora se resume aos sons ambientes e diálogos, o que poderia deixar tudo ainda mais cansativo. Há um diálogo entre Al Pacino e Chris Sarandon, que faz o Leon, mesmo no telefone que tem mais de dez minutos e seguimos envolvidos, até pela forma como já estamos cúmplices daquele personagem.
Sonny sabe como nos envolver e nos ganhar. Assim ele faz também com a opinião pública ao seu redor. Em determinado momento do filme ele pede para que os policiais se lembrem de Attica. Sonny começa a gritar: "Attica, Attica" e é seguido pela multidão que já se aglomera na frente do banco para ver o desfecho de tudo aquilo. A referência é à um massacre que ocorreu um ano antes em um presídio que resultou em 39 mortes, por causa da imperícia da polícia. Há um jogo político de denúncia aí, mesmo que não haja uma ligação direta. Ele apenas queria garantir que a polícia não iria invadir o banco, nem tentar algo mais brusco, enquanto os reféns corressem perigo. Então, se aproveita da memória recente da população para levá-la para o seu lado.
É interessante como o filme vai nos dando pequenas doses de situações a serem pensadas como quando o porteiro é liberado e quase morto pelos policiais por ser confundido com o bandido. Será que é por ele ser negro? Ou será mesmo porque Sonny disse que só tinha reféns mulheres? A forma como Sidney Lumet joga com a tensão, escolhendo bem os enquadramentos em que conta a história é fundamental para que possamos seguir observando tudo aquilo. A personagem de Penelope Allen gritando, "ele é um refém, ele é um refém", em um canto da tela, por exemplo, sendo segurada por Sonny, enquanto diversos policiais algemam o porteiro com armas em sua cabeça, é forte. Um Dia de Cão está repleto de cenas como essa.
A diferença de tratamento entre Sonny e Sal também é bastante significativa, principalmente para o desfecho de tudo. É Sonny que está sempre em evidência. Negocia com os policiais, aparece na televisão, faz contato com a família, ganha a simpatia do povo. Sal está sempre na sombra. Nunca é visto. É mais uma ameaça interna, o homem que irá atirar nos reféns caso algo aconteça com Sonny. Seus dois únicos desejos estão bem claros, no entanto. Ele não quer ser preso. E ele não quer que a imprensa o confunda com Sonny, chamando-o de homossexual. Fica o questionamento do porquê disso ser tão importante naquele momento.
Um Dia de Cão é daqueles filmes que marcam o cinema. Construído a partir de uma história real, de um assalto frustrado, com uma narrativa aparentemente simples onde tudo acontece entre o banco e a rua em sua frente. Mas, feito com um apuro tão grande, por atores tão competentes e com uma direção segura, que nos envolve, nos encanta e faz mesmo ser daqueles filmes inesquecíveis.
Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon, 1975 / EUA)
Direção: Sidney Lumet
Roteiro: Frank Pierson
Com: Al Pacino, John Cazale, Charles Durning, James Broderick, Lance Henriksen, Penelope Allen
Duração: 125 min.