1984
É interessante que a crítica de um mundo regido por uma ditadura como 1984 tenha inspirado a criação de um reality show como o Big Brother. Quando George Orwell imaginou o futuro sem liberdade de pensamento ou expressão, a televisão ainda era um invento recente. E suas preocupações eram outras.
Na verdade, George Orwell fez uma crítica à ditadura socialista e todas as implicações que isso poderia trazer. "Quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado", diz o início do filme. E essa é a maior questão, o controle. Por isso, um Big Brother (que na verdade não existe fisicamente), vigiando e controlando tudo o que todos faziam, criando regras estúpidas onde ninguém poderia ser capaz de pensar por conta própria e uma guerra fictícia ameaçava a vida humana.
O filme de Michael Radford consegue desenvolver bem essa realidade ainda que a faça em um ritmo lento ao extremo. Cansativo até, com algumas imagens confusas. Ainda assim, possui impacto. É impressionante, por exemplo, a cena em que todos assistem ao comunicado diário, agindo roboticamente e xingando a figura do Goldstein. A forma como os gritos abafam as verdades que ele tenta dizer, é uma forma interessante de mostrar bem a realidade ali vivida. Assim como a mudança instantânea quando aparece a figura do Big Brother, que nada diz, mas tudo vê.
A trama é feliz ao contar esse mundo através de dois indivíduos, Winston e Julia, dois operários que acabam se envolvendo e, por isso, se tornam perigosos. O amor também era proibido, claro. Amar é tornar as coisas pessoais demais. Todo ser humano tem que ser mesmo robotizado e tratar todos de forma igual, como uma massa fácil de manobras. Winston ainda era pior, pois tinha o hábito de escrever em seu diário, escondido todas as noites. Algo tão subversivo quanto atacar o próprio Big Brother.
Nesse mundo, há a ausência de prazeres, vide que até a comida era toda uma composição artificial. A felicidade de Julia ao levar coisas como café e leite de verdade para Winston chega a ser comovente. Ainda mais, quando ela afirma que os governantes tem tudo real. Mas, que demonstra também que George Orwell não queria criticar exatamente o socialismo, muito menos a revolução, mas sim, a ditadura. Um regime totalitário é que poderia mesmo acabar com a nossa condição humana. Tanto que em determinado momento, um personagem chega a dizer que o importante "não é nos manter vivos, mas nos mantermos humanos, não trairmos uns aos outros". Há nuanças em tudo isso.
Essa é uma das chaves do filme, a crítica à distorção da própria ideia de um mundo igualitário que acaba se tornando totalitário. Esse mesmo tema George Orwell já tinha tratado em A Revolução dos Bichos, quando começa a demonstrar que a união faz a força, mas que se alguns bichos resolverem ser "mais iguais" que outros, tudo se perde. Essa é uma diferença tão sutil que muitos acabaram confundindo e taxando o escritor como anti-socialista, quando, na verdade, ele era socialista democrata.
O próprio Michael Radford acaba não conseguindo trabalhar isso tão bem no filme 1984, tanto que prefere dedicar boa parte do segundo ato em torturas intermináveis que acabam se tornando vazias ao não serem melhor discutidas. Deixando no ar apenas um terror constante em relação a esse futuro assustador que imaginou o escritor. Lançado em 1984, em um mundo ainda em Guerra Fria, o filme acaba sendo uma espécie de construção subliminar de um terror psicológico contra ideias comunistas.
Ainda assim, tem muitos méritos, sendo um filme importante e histórico, dentro de uma perspectiva maior. Até mesmo ajudando a pensar as nuanças dos reality shows que invadem as nossas televisões, não só com pessoas vigiadas e controladas, mas até campainha que acorda as pessoas e a televisão que fala com eles, os fazendo fazer exercícios e tarefas estranhas. Podemos não estar no futuro imaginado por George Orwell, mas não deixa de haver semelhanças de controle e enganos. De uma forma ou de outra, 1984 é daqueles filmes obrigatórios.
1984 (Nineteen Eighty-Four, 1984 / EUA)
Direção: Michael Radford
Roteiro: Michael Radford
Com: John Hurt, Richard Burton, Suzanna Hamilton
Duração: 113 min.
Na verdade, George Orwell fez uma crítica à ditadura socialista e todas as implicações que isso poderia trazer. "Quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado", diz o início do filme. E essa é a maior questão, o controle. Por isso, um Big Brother (que na verdade não existe fisicamente), vigiando e controlando tudo o que todos faziam, criando regras estúpidas onde ninguém poderia ser capaz de pensar por conta própria e uma guerra fictícia ameaçava a vida humana.
O filme de Michael Radford consegue desenvolver bem essa realidade ainda que a faça em um ritmo lento ao extremo. Cansativo até, com algumas imagens confusas. Ainda assim, possui impacto. É impressionante, por exemplo, a cena em que todos assistem ao comunicado diário, agindo roboticamente e xingando a figura do Goldstein. A forma como os gritos abafam as verdades que ele tenta dizer, é uma forma interessante de mostrar bem a realidade ali vivida. Assim como a mudança instantânea quando aparece a figura do Big Brother, que nada diz, mas tudo vê.
A trama é feliz ao contar esse mundo através de dois indivíduos, Winston e Julia, dois operários que acabam se envolvendo e, por isso, se tornam perigosos. O amor também era proibido, claro. Amar é tornar as coisas pessoais demais. Todo ser humano tem que ser mesmo robotizado e tratar todos de forma igual, como uma massa fácil de manobras. Winston ainda era pior, pois tinha o hábito de escrever em seu diário, escondido todas as noites. Algo tão subversivo quanto atacar o próprio Big Brother.
Nesse mundo, há a ausência de prazeres, vide que até a comida era toda uma composição artificial. A felicidade de Julia ao levar coisas como café e leite de verdade para Winston chega a ser comovente. Ainda mais, quando ela afirma que os governantes tem tudo real. Mas, que demonstra também que George Orwell não queria criticar exatamente o socialismo, muito menos a revolução, mas sim, a ditadura. Um regime totalitário é que poderia mesmo acabar com a nossa condição humana. Tanto que em determinado momento, um personagem chega a dizer que o importante "não é nos manter vivos, mas nos mantermos humanos, não trairmos uns aos outros". Há nuanças em tudo isso.
Essa é uma das chaves do filme, a crítica à distorção da própria ideia de um mundo igualitário que acaba se tornando totalitário. Esse mesmo tema George Orwell já tinha tratado em A Revolução dos Bichos, quando começa a demonstrar que a união faz a força, mas que se alguns bichos resolverem ser "mais iguais" que outros, tudo se perde. Essa é uma diferença tão sutil que muitos acabaram confundindo e taxando o escritor como anti-socialista, quando, na verdade, ele era socialista democrata.
O próprio Michael Radford acaba não conseguindo trabalhar isso tão bem no filme 1984, tanto que prefere dedicar boa parte do segundo ato em torturas intermináveis que acabam se tornando vazias ao não serem melhor discutidas. Deixando no ar apenas um terror constante em relação a esse futuro assustador que imaginou o escritor. Lançado em 1984, em um mundo ainda em Guerra Fria, o filme acaba sendo uma espécie de construção subliminar de um terror psicológico contra ideias comunistas.
Ainda assim, tem muitos méritos, sendo um filme importante e histórico, dentro de uma perspectiva maior. Até mesmo ajudando a pensar as nuanças dos reality shows que invadem as nossas televisões, não só com pessoas vigiadas e controladas, mas até campainha que acorda as pessoas e a televisão que fala com eles, os fazendo fazer exercícios e tarefas estranhas. Podemos não estar no futuro imaginado por George Orwell, mas não deixa de haver semelhanças de controle e enganos. De uma forma ou de outra, 1984 é daqueles filmes obrigatórios.
1984 (Nineteen Eighty-Four, 1984 / EUA)
Direção: Michael Radford
Roteiro: Michael Radford
Com: John Hurt, Richard Burton, Suzanna Hamilton
Duração: 113 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
1984
2013-03-12T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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